Camila Aparecida Luz
nº 23.899
1. Introdução
O Direito do Ambiente é recente, surgido na metade do
século XX, quando as consequências das atividades exploradoras e degradantes
começaram a mostrar que essas ações estavam influenciando diretamente os
efeitos da poluição, como a destruição de florestas por chuva ácida, aumento da
temperatura global, etc.
Assim torna-se essencial uma mudança na consciência de
preservação. Passa então a existir o Direito do Ambiente – ou como tratado no
Brasil, Direito Ambiental, - com a finalidade não só de constituir um conjunto
de normas que disciplinam a atividade humana, mas principalmente para garantir
o máximo de proteção possível ao meio ambiente.
O presente trabalho tem por objetivo analisar o
ordenamento jurídico brasileiro em matéria de direito do ambiente e suas formas
de tutela, em especial, a sentença e coisa julgada nos processos ambientais.
2. O Direito Ambiental Brasileiro
O conceito de meio ambiente natural é dado pelo artigo
3º, inciso I, da lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. É um conceito bastante
amplo, possibilitando todas as formas de defesa da flora, fauna, das águas, do
solo. Entretanto, o meio ambiente tutelado pela LACP não se restringe apenas ao
naturalístico, devendo abranger tudo que circunda o homem em sua existência e
sua integração com o ecossistema que o cerca.
No Brasil, o meio ambiente adquiriu status
constitucional em virtude de sua importância inestimável, não existindo dúvida
quanto à necessidade de preservá-lo. Entretanto, no mundo extremamente
capitalista, não raramente é notório interesses individuais serem colocados
acima dos coletivos, visando ao lucro patrimonial, aumentando intensamente a
proporção dos danos ao meio ambiente, o que fez com que o mundo passasse a se
preocupar com os efeitos da degradação.
O meio ambiente, conforme disposto na Lei Federal
Brasileira nº 6.938/1981, que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, é definido como uma situação de
equilíbrio entre as condições, leis, influências e interações da ordem física,
química e biológica. Conforme dizeres de MARIA GRANZIERA:
“O bem tutelado pelo
Direito Ambiental é esse estado de equilíbrio entre os meios físicos e
bióticos, responsável por abrigar e reger todas as formas de vida. O equilíbrio
ou o atributo de qualidade do meio ambiente possui um valor – objeto de tutela
legal – que se caracteriza pelos resultados que produz: a garantia da saúde, a
manutenção dos ecossistemas, o bem-estar social, a segurança, a preservação das
condições de equilíbrio atuais, a possibilidade de as gerações futuras usufruírem
desses elementos.” (Granziera,
Maria. Direito Ambiental, pág. 7)
No início, a proteção ambiental destinava-se
exclusivamente ao homem, cabendo assim a proteção do meio ambiente em função de
sua importância para o ser humano, na forma que esses bens poderiam ser
aproveitados. Aos poucos esse pensamento foi se alterando, passando-se a
considerar a importância do meio ambiente por seus valores intrínsecos. Desse
modo, a natureza não se torna sujeito de direito, mas objeto de uma tutela
legal estabelecida pelo ser humano.
O meio ambiente passa a ser um direito humano, possuidor
de princípios próprios, como o desenvolvimento sustentável, o princípio da
prevenção, da precaução, da cooperação, da reparação integral, da informação,
participação social, poluidor-pagador, usuário-pagador e acesso equitativo aos
recursos naturais. Está garantido na Constituição Federal Brasileira de 1988
pelo art. 225, sendo definido como um bem de uso comum ao povo, um bem
que não está na disponibilidade particular de ninguém, nem da pessoa privada,
nem da pessoa pública. É um direito coletivo lato sensu.
Conforme explica José Afonso da Silva, o art. 225º, §
1º, da Constituição Federal Brasileira arrola as medidas e incumbências do
Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, tais
como preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o
manejo das espécies e ecossistemas, preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do Brasil e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético, definir em todas as unidades da Federação,
espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, promover a educação ambiental e proteger a fauna e flora (Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. pág. 850).
O objetivo então adotado pelo ordenamento jurídico é
garantir a permanência da vida sobre a Terra, assegurando às gerações futuras a
possibilidade de também se apropriar e utilizar os recursos naturais
(GRANZIERA, Maria. Direito Ambiental,
pág. 7). Assim, a legislação brasileira passa a impor compensações e mitigação
dos impactos ambientais quando houver implantação de uma nova atividade, com
base no princípio da prevenção e com a reparação integral.
Dessa forma, o dano ambiental equilibra-se entre duas
vertentes – de um lado não se trata de um retorno à Natureza intacta pelo
homem; por outro, estabelece regras para que as atividades do homem não causem
prejuízos ao equilíbrio ambiental. A perda ou dano sempre ocorrem. A principal
característica do dano, legalmente, consiste, nos termos do art. 3º, III, da referida
Lei nº 6.938/1981, na degradação da qualidade ambiental, ou seja, a alteração
adversa das características do meio ambiente.
O dano é então uma lesão a um bem jurídico, que pode
gerar um desequilíbrio ao ecossistema social ou natural, mas sempre a partir da
lesão ao equilíbrio ecológico, que é o bem jurídico tutela pelo direito
ambiental. Exatamente porque o meio ambiente – e seus componentes e fatores –
constitui um bem jurídico autônomo, imaterial, difuso, incindível, de uso comum
a todos, a lesão que o atinge será, ipso
facto, uma lesão difusa e indivisível, cuja reparação será, igualmente, erga omnes. (RODRIGUES, Marcela Abelha. Processo Civil Ambiental, pág. 223-
224)
A defesa do meio ambiente, com seus contornos cada vez
mais amplos, voltados à maior eficácia dos meios de proteção, tem como destaque
o papel do Judiciário para o exercício da tutela ambiental. Por meio das vias
processuais, as pessoas legitimadas colocam a questão ambiental sob a tutela do
Poder Judiciário que, devidamente provocado, passa a proteger o caso concreto.
3. Ações Ambientais
O Direito Ambiental, conforme exposto, é um direito
coletivo, garantido pelo Constituição Federal Brasileira. Falar em devido
processo legal em sede de direitos coletivos lato sensu é, inexoravelmente, fazer menção ao sistema integrado de
tutela processual trazido pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei nº
7.347/1985, que disciplina a Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos
causados ao Meio Ambiente, tratada aqui por LACP.
Assim, hoje, em sede de jurisdição civil, há a
existência de dois sistemas de tutela processual – um destinado às lides
individuais, cujo instrumento adequado e idôneo é o Código de Processo Civil
Brasileiro, e outro destinado à tutela coletiva, na exata acepção trazida pelo
art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
Assim, quando se fizer uso de qualquer ação coletiva
para defender direitos coletivos lato sensu, é condição sine qua non que
se utilizem as regras de direito processual estabelecidas pela Lei 7.347/1985 -
LACP em sua atuação conjunta com o Código de Defesa do Consumidor, dada a
perfeita interação-integração entre ambos os diplomas.
O sistema processual brasileiro oferece diversos
caminhos para a proteção do meio ambiente. Existem os caminhos diretos e os
indiretos, sendo estes últimos mecanismos utilizados para outro fim imediato,
mas que resultam na proteção do equilíbrio ecológico. Os caminhos diretos ou
comuns são as demandas cujo pedido de tutela é a proteção imediata do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico, o que normalmente é feito mediante o
exercício da pretensão de proteção dos recursos ambientais.
A proteção jurisdicional do meio ambiente pode ser feita
por intermédio de diversas técnicas processuais, sendo as mais comuns (que
envolvem provimentos, procedimentos e módulos processuais diversos): a ação
civil pública, a ação popular, o mandado de segurança coletivo, o mandado de
injunção e o habeas data. Cada tipo
de remédio possui suas peculiaridades e limitações referentes ao objeto ou aos
sujeitos da demanda, que devem ser atendidas para o uso de cada um dos
procedimentos previstos. A prática judiciária brasileira demonstra que, dentre
as técnicas processuais citadas, a mais comum é a utilização da ação civil
pública e da ação popular, vistas aí não como ações típicas, mas como técnicas que ensejam procedimentos, métodos de cognição diferenciada e provimentos
diferenciados para a obtenção da tutela do meio ambiente.
A primeira referência à Ação Civil Pública foi feita
pela Lei Complementar Federal nº 40, de 14 de dezembro de 1981, que, ao dispor
das normas gerias a serem adotadas na Organização do Ministério Público dos
Estados (Ministério Público Estadual), elencou, entre as suas funções
institucionais, a promoção da ação civil pública. Na Constituição de 1988, o
instituto recebeu status constitucional.
Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, a denominação da Ação Civil Pública justifica-se pela titularidade da ação (que compete ao Ministério Público, a pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado que integram a Administração Indireta e, excepcionalmente, às entidades particulares) quer pelo seu objeto, que é sempre a defesa de interesse público ou, mais especificamente, de interesses difusos (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. pág. 651).
A Ação Civil Pública tem natureza especialíssima. Não é
direito subjetivo, mas direito atribuído a órgãos públicos e privados para
tutela de interesses não-individuais. Destaca-se a definição elaborada por
Érico Hack a respeito da Ação Civil Pública:
“A Ação Civil Pública visa
a responsabilização por danos morais e patrimoniais ao meio ambiente. Pode ser
proposta pelos legitimados do art. 5º da Lei 7.347/85, destacando-se a
possibilidade de associações constituídas a pelo menos um ano serem também
legitimadas para a propositura da ação. Como a Ação Civil Pública expressamente
visa a responsabilização pelos danos morais e patrimoniais verifica-se então
que este é o único dispositivo adequado a reparação de danos ambientais
coletivos e individuais homogêneos, pois os demais tipos de ação não podem ser
utilizados para esse fim.” (Hack, Érico. Dano
ambiental e sua reparação: ações coletivas e a class action. pág. 57)
Dessa maneira, a
Ação Civil Pública pode ser proposta não apenas pelo Ministério Público, mas
também, pela União, pelos Estados, pelos Municípios, por autarquias, sociedades
de economia mista, empresas públicas, fundações, bem como pelas associações
constituídas há pelo menos um ano e que tenham entre suas finalidades
institucionais a de proteger os interesses jurídicos referidos na Lei nº
7.347/85. Não havendo vedação constitucional, qualquer pessoa responsável pelo
dano ambiental causado poderá ser parte passiva nesta ação, sendo pessoa física
ou jurídica, pública ou privada.
É importante destacar que deriva do devido processo
legal ambiental a necessidade de se dar prioridade de trâmite às ações em
curso. É que a tutela jurisdicional do ambiente tem precedência sobre qualquer
outra, pois ela lida com a proteção de todas as formas de vida, os bens
ambientais que são essenciais à saúde de todos (art. 225, caput, da Constituição Federal Brasileira de 1988), além de que os
danos ou ilícitos ambientais são altamente nocivos, prejudiciais e
irreversíveis ao meio ambiente, exigindo, pois, uma urgência de tramitação dos
efeitos ambientais.
Tudo isso em respeito à duração razoável do processo
ambiental. Quando se diz que já é possível atribuir prioridade de trâmite às
lides ambientais é porque será perfeitamente possível dar interpretação
ampliativa ao art. 7º, parágrafo único, da Lei de Ação Popular, bem como ao
art. 20, caput, da Lei do Mandado de
Segurança.
4. Sentença e Coisa Julgada no Processo Civil
Brasileiro
Sentença é o ato do juiz que implica alguma das
situações previstas nos arts. 267 a 269 do Código de Processo Civil Brasileiro
e nos termos do seu art. 162, §1º, ou seja, é o ato do magistrado que resolve o
processo, com ou sem análise de mérito. Se ausente tempestivo recurso atacando
tal decisão – ou esgotadas as possibilidades recursais – a sentença atinge a
chamada coisa julgada.
A coisa julgada é o fenômeno jurídico que, para garantir
a segurança jurídica necessária à plena atividade jurisdicional, torna imutável
determinada decisão judicial. Sobre o
instituto lecionam ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER E
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO no seu livro Teoria
Geral do Processo:
"A sentença não mais
suscetível de reforma por meio de recursos transita em julgado, tornando-se
imutável dentro do processo. Configura-se a coisa julgada formal, pela qual a
sentença, como ato daquele processo, não poderá ser reexaminada. É sua
imutabilidade como ato processual, provindo da preclusão das impugnações e dos
recursos. A coisa julgada formal representa a preclusão máxima, ou seja, a
extinção do direito ao processo (àquele processo, ao qual se extingue). O
Estado realizou o serviço jurisdicional que se lhe requereu (julgando o mérito)
ou ao menos desenvolveu as atividades necessárias para declarar inadmissível o
julgamento do mérito".
A coisa julgada é, portanto, por sua própria natureza,
imutável.
Há, contudo, em situações excepcionalíssimas, a previsão
para a relativização desta coisa material. Vejamos novamente a lição dos
mencionados autores:
"Por outro lado,
segundo parte da doutrina mesmo as sentenças de mérito cobertas pela autoridade
da coisa julgada material podem ser revistas em casos excepcionalíssimos, nos
quais se relativiza a coisa julgada a bem da prevalência de valores humanos,
políticos, morais etc. de envergadura maior do que aqueles que tiverem sido
objeto da decisão. A relativização da coisa julgada material é uma tese
extremamente polêmica, que nasceu no seio do Superior Tribunal de Justiça (Min.
José Delgado) e que, mesmo entre os que a aceitam, só é defendida para casos
realmente extraordinários. Essa tese parte da premissa de que nenhum valor
constitucional é absoluto, devendo todos eles ser sistematicamente de modo
harmonioso e, consequentemente, aplicando-se à coisa julgada o princípio da
proporcionalidade, utilizado para o caso de colisão entre princípios
constitucionais. (...) Assim, segundo parte da doutrina seria possível
desconsiderar a coisa julgada, em processo próprio, para que prevaleça outro
bem constitucionalmente tutelado, de índole material.” (CINTRA, Antônio Carlos
de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, pág. 327-328)
Essa previsão de relativização da coisa julgada pode ser
encontrada – mas não taxativamente arrolada - no art. 485 do Código de Processo
Civil, em que se lê:
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou
corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte
vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em
processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja
existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe
assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou
transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos
da causa.
Como se depreende do próprio texto legal e
doutrina, a regra, portanto, será sempre a da imutabilidade da coisa julgada,
sendo a sua possibilidade de rescisão situação extremamente excepcional no
ordenamento jurídico brasileiro.
5. Sentença e Coisa Julgada nas Ações Ambientais
É importante observar que, em razão da alta capacidade
de absorção e contenção da poluição, os danos ocasionados ao meio ambiente não
se apresentam de forma imediata. Às vezes, serão necessários anos até que se
possa perceber o dano ambiental.
Desta maneira, seja por causa dos fenômenos temporais ou
espaciais, o dano ambiental muitas vezes só é percebido fora do tempo e do
local onde ele foi gerado. Nesta hipótese, é muito importante a investigação
pericial para identificar o marco inicial temporal e espacial do dano ao meio
ambiente, justamente para que se possa buscar a reparação integral do dano
gerado ao meio ambiente.
Conforme explica Marcela
Rodrigues, o dano ambiental é, portanto, um só: “o dano ao meio ambiente como bem jurídico autônomo, independentemente
de ter “ricocheteado” ou não para as esferas particulares dos indivíduos”.
Os danos pessoais, particulares, sofridos pelo mesmo fato que degradou o meio
ambiente, ou que foram consequência da
agressão ao meio ambiente, são ontológica e teleologicamente diversos
daqueles sofridos pelo meio ambiente.
A eventual confusão decorre do fato de que um mesmo fato
permite a incidência de várias normas de direito material – uma que concretiza
um direito difuso e outra que concretiza um direito individual. Isso permitiria
que se deduzissem pretensões para a tutela de direitos difusos e outras para a
tutela de direitos individuais. Nesse caso, o processo deverá impor a solução dada
por cada uma das normas de direito material violadas.
Exemplificando. O derramamento de lixo industrial em
determinado córrego ou rio gera um dano coletivo, na qual o meio ambiente foi
lesionado e deverá ser reparado, de forma a recuperar a área degradada,
conscientizar as demais empresas desse dano, adotar medidas de prevenção
futuras, educação ambiental, etc. porque os titulares desse bem também são
difusos. Por outro lado, teremos o dano direito àqueles que usam diretamente do
córrego/rio, através da subsistência ou da possibilidade desse derramamento ter
afetado sua saúde diretamente. Esses danos são particulares, cabíveis de
reparação do dano material por indenização.
Dessa maneira teremos como efeitos do dano ambiental
consequências patrimoniais e extrapatrimoniais. As consequências patrimoniais
caracterizam-se pelas perdas e danos decorrentes da lesão, por exemplo, o custo
de reparação, da limpeza, etc., por sua vez, as consequências extrapatrimoniais
podem ser entendidas pelo dano social,
ou seja, ao meio ambiente, bem difusamente considerado, não se confundindo com
interesses privados ou de grupos. O dano extrapatrimonial trata-se, sobretudo,
de um dano moral ao meio ambiente que correspondem à privação que a
coletividade tem, e terá da sensação de bem-estar, a diminuição de qualidade e
da expectativa de vida, etc.
Muito embora, sob o ponto de vista processual, o
tratamento da reparação civil dos danos ambientais no Brasil (patrimoniais e
extrapatrimoniais) seja diverso da reparação individual dos danos sofridos em
razão da agressão ao meio ambiente, porquanto no primeiro caso se faz por ação
civil pública e com coisa julgada erga
omnes e no segundo se faz por ação individual, usando as regras
tradicionais do Código de Processo Civil Brasileiro (fazendo uso também da
coisa julgada in utilibus – art.
103, § 3º., do Código do Consumidor, não houve diferença de tratamento quanto
ao aspecto material (direito material) relativamente ao tipo de
responsabilidade civil adotada. É o que determina o art. 14, §1º, da lei nº 6.938/1981.
Deve ser observado ainda que a maior parte das lides
ambientais refere-se às crises de cooperação ou adimplemento, e, dentre estas,
aquelas que estejam relacionadas com o cumprimento de deveres de fazer e não
fazer. Outras vezes é reclamada a reparação pecuniária pelo prejuízo resultante
do desequilíbrio ecológico, especialmente quando impossível a obtenção de uma
reparação específica. Dessa forma, por ser fundada em título judicial ou
extrajudicial, na qual há possibilidade que a obrigação não seja cumprida
espontaneamente, deverá o titular do direito requerer, ao poder judiciário, a
execução do título referido. Caso não seja observado o cumprimento do título,
será possível ao juiz decretar multa, e ainda a desconsideração da
personalidade jurídica nos casos específicos.
A respeito da coisa julgada no Brasil, a
indivisibilidade e a ubiquidade do bem ambiental obrigam que os limites objetivos da coisa julgada –
sobre o que recai a autoridade da coisa julgada – recaiam sobre todo o bem
ambiental e o atinjam até onde ele estenda seus efeitos. Considerando que os
bens ambientais são indivisíveis pela sua própria natureza e que não respeitam
nenhuma limitação espacial, é absolutamente inócua, senão ridícula, a limitação
territorial da coisa julgada a que alude o art. 16 da LACP.
Dizer que a coisa julgada fica restrita “aos limites da
competência territorial do órgão prolator” é algo absolutamente incoerente em
matéria ambiental, porque os bens ambientais não podem, jamais, ser limitados
pelo ser humano. Não há como limitar o desequilíbrio ecológico. Também a
questão da instabilidade do bem
ambiental que influencia diretamente o regime jurídico da coisa julgada. Ora,
por se tratar de uma espécie de imunização de todas as questões deduzidas ou
dedutíveis em prol da preservação daquela pretensão julgada e carimbada pelo
selo da coisa julgada.
Determinada atividade poderá não ter qualquer impacto ao
meio ambiente no momento da constituição da coisa julgada, no entanto tal
situação poderá ser modificada com o tempo – não quer dizer que essa atividade
nunca será impactante naquele meio ambiente no qual está inserida. A cláusula rebus sic stantibus, contida em toda e
qualquer sentença, ganha extremo relevo em matéria ambiental, devido a essa
instabilidade dos bens ambientais.
Há que se falar ainda na tentativa do legislador brasileiro
de restringir a coisa julgada ambiental à competência territorial do órgão
prolator, nada mais descabido, tendo em vista que o dano ambiental atinge não só
aqueles que pertencem aos limites da competência territorial, mas ao povo como
um todo.
Por fim, vale ressaltar a coisa julgada in utilibus, um efeito secundário da
decisão que transitou em julgado, permitindo que qualquer pessoa lesada
(individual ou coletivamente), pela mesma agressão ambiental já decidida, possa
ajuizar uma demanda sem a necessidade de provar aquele fato que deu origem e
foi suporte da demanda coletiva ambiental.
6. Extensão da Sentença Ambiental – A Polêmica Questão
da Competência Territorial VS. os Limites Subjetivos da Sentença
Uma das questões mais controvertidas no que tange à
execução das sentenças coletivas no Brasil é o seu real alcance territorial. E
isso porque, originalmente, e diretamente amparado na totalidade da mais
autorizada doutrina, a sentença proferida em ação de cunho coletivo tem
aplicação erga omnes. Sendo assim, na
redação original do art. 16 da LACP lia-se:
Art.
16. A sentença civil fará coisa julgada
erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Ocorre que, em visível ataque à sistemática
das ações coletivas, a redação desse artigo foi alterada pela Lei nº 9.494/97, atrelando-se, então, a eficácia da sentença
proferida ação coletiva à competência territorial do órgão prolator.
Passa-se, então, à seguinte redação:
Art.
16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar
outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Tal inserção é errônea na medida em que
confunde fenômenos diferentes, a saber, a competência territorial e os limites
subjetivos da sentença. É a exata lição de XISTO TIAGO DE MEDEIROS NETO:
“A
erronia, traduzida pela inserção, na redação original do dispositivo, da
expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”, está em
que absurdamente se confunde e se baralha competência com limites subjetivos da
coisa julgada erga omnes” (Medeiros
Neto, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo,
pág. 247-248)
Em que pese ser a posição doutrinária majoritária, a
jurisprudência ainda oscila sobre o tema. Vejamos:
PROCESSO
CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS NAS CARDENETAS DE POUPANÇA. AÇÃO PROPOSTA POR ENTIDADE
COM ABRANGÊNCIA NACIONAL, DISCUTINDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. EFICÁCIA
DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE OS CONCEITOS DE EFICÁCIA DA
SENTENÇA E DE COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. - A Lei da Ação Civil
Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos
difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a
partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria
equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - A distinção,
defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de
autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da
coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a
imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga
omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. - O procedimento regulado pela Ação Civil
Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo,
porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art.
103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença
que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16
da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª
Turma, REsp 411.529-SP, rel. Min. Nancy Andringhi, julgado em 04.10.2007, publicado
no DJe em 05.08.2008) (Grifamos)
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PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS (DL
2.288/86). EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFICÁCIA DA SENTENÇA DELIMITADA AO ESTADO DO
PARANÁ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494/97. ILEGITIMIDADE DAS PARTES
EXEQÜENTES. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros
estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo Federal do
Paraná nos autos da Ação Civil Pública nº 93.0013933-9 pleiteando a restituição
de valores recolhidos a título de empréstimo compulsório cobrado sobre a
aquisição de álcool e gasolina no período de jul/87 a out/88, em razão de que
em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede
mencionada. 2. A abrangência da ação de
execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso
contrário geraria violação ao art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, litteris: "A
sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade
associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá
apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no
âmbito da competência territorial do órgão prolator". 3. Recurso especial parcialmente conhecido,
e nesse ponto, desprovido. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 665.947, rel. Min. José
Delgado, j. 02.12.2004, publicado no DJ de 12.12.2005) (Grifo nosso)
Em que pese tratar-se de
matéria jurisprudencialmente controvertida, é entendido que a sentença
proferida em ação coletiva deverá atingir a todos envolvidos em seu limite
subjetivo, a despeito da competência territorial do órgão prolator. E parece
acertada a assertiva em razão da própria principiologia que gravita em torno
das ações coletivas.
7. Conclusões
Diante de todo o exposto, pode-se concluir que o Poder
Judiciário Brasileiro tem fundamental participação como órgão protetor do meio
ambiente, não somente pela garantia da tutela do direito coletivo, como também
do direito individual de cada pessoa atingida pela exploração inadequada do
meio ambiente e sua degradação.
Por fim, há que se evitar o entendimento da eficácia da
sentença apenas à competência territorial do órgão prolator – nos termos do
art. 16 da LACP –, uma vez que o dano ambiental afeta diretamente não apenas
aqueles que residem na região atingida, mas principalmente o meio ambiente como
um todo. Conforme dito, não há como
limitar o desequilíbrio ecológico. Dessa maneira, corre-se o risco da
sentença ser ineficaz em determinados casos, por não garantir a reparação de
todo o dano cometido.
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