sexta-feira, 17 de maio de 2013

Trabalho Final - Sentença e Coisa Julgada nas Ações Ambientais no Brasil


Camila Aparecida Luz
nº 23.899

1. Introdução

O Direito do Ambiente é recente, surgido na metade do século XX, quando as consequências das atividades exploradoras e degradantes começaram a mostrar que essas ações estavam influenciando diretamente os efeitos da poluição, como a destruição de florestas por chuva ácida, aumento da temperatura global, etc.

Assim torna-se essencial uma mudança na consciência de preservação. Passa então a existir o Direito do Ambiente – ou como tratado no Brasil, Direito Ambiental, - com a finalidade não só de constituir um conjunto de normas que disciplinam a atividade humana, mas principalmente para garantir o máximo de proteção possível ao meio ambiente.

O presente trabalho tem por objetivo analisar o ordenamento jurídico brasileiro em matéria de direito do ambiente e suas formas de tutela, em especial, a sentença e coisa julgada nos processos ambientais.


2. O Direito Ambiental Brasileiro

O conceito de meio ambiente natural é dado pelo artigo 3º, inciso I, da lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. É um conceito bastante amplo, possibilitando todas as formas de defesa da flora, fauna, das águas, do solo. Entretanto, o meio ambiente tutelado pela LACP não se restringe apenas ao naturalístico, devendo abranger tudo que circunda o homem em sua existência e sua integração com o ecossistema que o cerca.

No Brasil, o meio ambiente adquiriu status constitucional em virtude de sua importância inestimável, não existindo dúvida quanto à necessidade de preservá-lo. Entretanto, no mundo extremamente capitalista, não raramente é notório interesses individuais serem colocados acima dos coletivos, visando ao lucro patrimonial, aumentando intensamente a proporção dos danos ao meio ambiente, o que fez com que o mundo passasse a se preocupar com os efeitos da degradação.

O meio ambiente, conforme disposto na Lei Federal Brasileira nº 6.938/1981,  que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, é definido como uma situação de equilíbrio entre as condições, leis, influências e interações da ordem física, química e biológica. Conforme dizeres de MARIA GRANZIERA:

“O bem tutelado pelo Direito Ambiental é esse estado de equilíbrio entre os meios físicos e bióticos, responsável por abrigar e reger todas as formas de vida. O equilíbrio ou o atributo de qualidade do meio ambiente possui um valor – objeto de tutela legal – que se caracteriza pelos resultados que produz: a garantia da saúde, a manutenção dos ecossistemas, o bem-estar social, a segurança, a preservação das condições de equilíbrio atuais, a possibilidade de as gerações futuras usufruírem desses elementos.” (Granziera, Maria. Direito Ambiental, pág. 7)

No início, a proteção ambiental destinava-se exclusivamente ao homem, cabendo assim a proteção do meio ambiente em função de sua importância para o ser humano, na forma que esses bens poderiam ser aproveitados. Aos poucos esse pensamento foi se alterando, passando-se a considerar a importância do meio ambiente por seus valores intrínsecos. Desse modo, a natureza não se torna sujeito de direito, mas objeto de uma tutela legal estabelecida pelo ser humano.

O meio ambiente passa a ser um direito humano, possuidor de princípios próprios, como o desenvolvimento sustentável, o princípio da prevenção, da precaução, da cooperação, da reparação integral, da informação, participação social, poluidor-pagador, usuário-pagador e acesso equitativo aos recursos naturais. Está garantido na Constituição Federal Brasileira de 1988 pelo art. 225, sendo definido como um bem de uso comum ao povo, um bem que não está na disponibilidade particular de ninguém, nem da pessoa privada, nem da pessoa pública. É um direito coletivo lato sensu.

Conforme explica José Afonso da Silva, o art. 225º, § 1º, da Constituição Federal Brasileira arrola as medidas e incumbências do Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, tais como preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo das espécies e ecossistemas, preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do Brasil e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético, definir em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, promover a educação ambiental e proteger a fauna e flora (Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. pág. 850).

O objetivo então adotado pelo ordenamento jurídico é garantir a permanência da vida sobre a Terra, assegurando às gerações futuras a possibilidade de também se apropriar e utilizar os recursos naturais (GRANZIERA, Maria. Direito Ambiental, pág. 7). Assim, a legislação brasileira passa a impor compensações e mitigação dos impactos ambientais quando houver implantação de uma nova atividade, com base no princípio da prevenção e com a reparação integral.

Dessa forma, o dano ambiental equilibra-se entre duas vertentes – de um lado não se trata de um retorno à Natureza intacta pelo homem; por outro, estabelece regras para que as atividades do homem não causem prejuízos ao equilíbrio ambiental. A perda ou dano sempre ocorrem. A principal característica do dano, legalmente, consiste, nos termos do art. 3º, III, da referida Lei nº 6.938/1981, na degradação da qualidade ambiental, ou seja, a alteração adversa das características do meio ambiente.

O dano é então uma lesão a um bem jurídico, que pode gerar um desequilíbrio ao ecossistema social ou natural, mas sempre a partir da lesão ao equilíbrio ecológico, que é o bem jurídico tutela pelo direito ambiental. Exatamente porque o meio ambiente – e seus componentes e fatores – constitui um bem jurídico autônomo, imaterial, difuso, incindível, de uso comum a todos, a lesão que o atinge será, ipso facto, uma lesão difusa e indivisível, cuja reparação será, igualmente, erga omnes. (RODRIGUES, Marcela Abelha. Processo Civil Ambiental, pág. 223- 224)

A defesa do meio ambiente, com seus contornos cada vez mais amplos, voltados à maior eficácia dos meios de proteção, tem como destaque o papel do Judiciário para o exercício da tutela ambiental. Por meio das vias processuais, as pessoas legitimadas colocam a questão ambiental sob a tutela do Poder Judiciário que, devidamente provocado, passa a proteger o caso concreto.


3. Ações Ambientais

O Direito Ambiental, conforme exposto, é um direito coletivo, garantido pelo Constituição Federal Brasileira. Falar em devido processo legal em sede de direitos coletivos lato sensu é, inexoravelmente, fazer menção ao sistema integrado de tutela processual trazido pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei nº 7.347/1985, que disciplina a Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos causados ao Meio Ambiente, tratada aqui por LACP.

Assim, hoje, em sede de jurisdição civil, há a existência de dois sistemas de tutela processual – um destinado às lides individuais, cujo instrumento adequado e idôneo é o Código de Processo Civil Brasileiro, e outro destinado à tutela coletiva, na exata acepção trazida pelo art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, quando se fizer uso de qualquer ação coletiva para defender direitos coletivos lato sensu, é condição sine qua non que se utilizem as regras de direito processual estabelecidas pela Lei 7.347/1985 - LACP em sua atuação conjunta com o Código de Defesa do Consumidor, dada a perfeita interação-integração entre ambos os diplomas.

O sistema processual brasileiro oferece diversos caminhos para a proteção do meio ambiente. Existem os caminhos diretos e os indiretos, sendo estes últimos mecanismos utilizados para outro fim imediato, mas que resultam na proteção do equilíbrio ecológico. Os caminhos diretos ou comuns são as demandas cujo pedido de tutela é a proteção imediata do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, o que normalmente é feito mediante o exercício da pretensão de proteção dos recursos ambientais.

A proteção jurisdicional do meio ambiente pode ser feita por intermédio de diversas técnicas processuais, sendo as mais comuns (que envolvem provimentos, procedimentos e módulos processuais diversos): a ação civil pública, a ação popular, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção e o habeas data. Cada tipo de remédio possui suas peculiaridades e limitações referentes ao objeto ou aos sujeitos da demanda, que devem ser atendidas para o uso de cada um dos procedimentos previstos. A prática judiciária brasileira demonstra que, dentre as técnicas processuais citadas, a mais comum é a utilização da ação civil pública e da ação popular, vistas aí não como ações típicas, mas como técnicas que ensejam procedimentos, métodos de cognição diferenciada e provimentos diferenciados para a obtenção da tutela do meio ambiente.

A primeira referência à Ação Civil Pública foi feita pela Lei Complementar Federal nº 40, de 14 de dezembro de 1981, que, ao dispor das normas gerias a serem adotadas na Organização do Ministério Público dos Estados (Ministério Público Estadual), elencou, entre as suas funções institucionais, a promoção da ação civil pública. Na Constituição de 1988, o instituto recebeu status constitucional.

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, a denominação da Ação Civil Pública justifica-se pela titularidade da ação (que compete ao Ministério Público, a pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado que integram a Administração Indireta e, excepcionalmente, às entidades particulares) quer pelo seu objeto, que é sempre a defesa de interesse público ou, mais especificamente, de interesses difusos (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. pág. 651).

A Ação Civil Pública tem natureza especialíssima. Não é direito subjetivo, mas direito atribuído a órgãos públicos e privados para tutela de interesses não-individuais. Destaca-se a definição elaborada por Érico Hack a respeito da Ação Civil Pública:

“A Ação Civil Pública visa a responsabilização por danos morais e patrimoniais ao meio ambiente. Pode ser proposta pelos legitimados do art. 5º da Lei 7.347/85, destacando-se a possibilidade de associações constituídas a pelo menos um ano serem também legitimadas para a propositura da ação. Como a Ação Civil Pública expressamente visa a responsabilização pelos danos morais e patrimoniais verifica-se então que este é o único dispositivo adequado a reparação de danos ambientais coletivos e individuais homogêneos, pois os demais tipos de ação não podem ser utilizados para esse fim.” (Hack, Érico. Dano ambiental e sua reparação: ações coletivas e a class action. pág. 57)

Dessa maneira, a Ação Civil Pública pode ser proposta não apenas pelo Ministério Público, mas também, pela União, pelos Estados, pelos Municípios, por autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações, bem como pelas associações constituídas há pelo menos um ano e que tenham entre suas finalidades institucionais a de proteger os interesses jurídicos referidos na Lei nº 7.347/85. Não havendo vedação constitucional, qualquer pessoa responsável pelo dano ambiental causado poderá ser parte passiva nesta ação, sendo pessoa física ou jurídica, pública ou privada.

É importante destacar que deriva do devido processo legal ambiental a necessidade de se dar prioridade de trâmite às ações em curso. É que a tutela jurisdicional do ambiente tem precedência sobre qualquer outra, pois ela lida com a proteção de todas as formas de vida, os bens ambientais que são essenciais à saúde de todos (art. 225, caput, da Constituição Federal Brasileira de 1988), além de que os danos ou ilícitos ambientais são altamente nocivos, prejudiciais e irreversíveis ao meio ambiente, exigindo, pois, uma urgência de tramitação dos efeitos ambientais.

Tudo isso em respeito à duração razoável do processo ambiental. Quando se diz que já é possível atribuir prioridade de trâmite às lides ambientais é porque será perfeitamente possível dar interpretação ampliativa ao art. 7º, parágrafo único, da Lei de Ação Popular, bem como ao art. 20, caput, da Lei do Mandado de Segurança.

           
4. Sentença e Coisa Julgada no Processo Civil Brasileiro

Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 a 269 do Código de Processo Civil Brasileiro e nos termos do seu art. 162, §1º, ou seja, é o ato do magistrado que resolve o processo, com ou sem análise de mérito. Se ausente tempestivo recurso atacando tal decisão – ou esgotadas as possibilidades recursais – a sentença atinge a chamada coisa julgada.

A coisa julgada é o fenômeno jurídico que, para garantir a segurança jurídica necessária à plena atividade jurisdicional, torna imutável determinada decisão judicial.  Sobre o instituto lecionam ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER E CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO no seu livro Teoria Geral do Processo:

"A sentença não mais suscetível de reforma por meio de recursos transita em julgado, tornando-se imutável dentro do processo. Configura-se a coisa julgada formal, pela qual a sentença, como ato daquele processo, não poderá ser reexaminada. É sua imutabilidade como ato processual, provindo da preclusão das impugnações e dos recursos. A coisa julgada formal representa a preclusão máxima, ou seja, a extinção do direito ao processo (àquele processo, ao qual se extingue). O Estado realizou o serviço jurisdicional que se lhe requereu (julgando o mérito) ou ao menos desenvolveu as atividades necessárias para declarar inadmissível o julgamento do mérito".


A coisa julgada é, portanto, por sua própria natureza, imutável.

Há, contudo, em situações excepcionalíssimas, a previsão para a relativização desta coisa material. Vejamos novamente a lição dos mencionados autores:

"Por outro lado, segundo parte da doutrina mesmo as sentenças de mérito cobertas pela autoridade da coisa julgada material podem ser revistas em casos excepcionalíssimos, nos quais se relativiza a coisa julgada a bem da prevalência de valores humanos, políticos, morais etc. de envergadura maior do que aqueles que tiverem sido objeto da decisão. A relativização da coisa julgada material é uma tese extremamente polêmica, que nasceu no seio do Superior Tribunal de Justiça (Min. José Delgado) e que, mesmo entre os que a aceitam, só é defendida para casos realmente extraordinários. Essa tese parte da premissa de que nenhum valor constitucional é absoluto, devendo todos eles ser sistematicamente de modo harmonioso e, consequentemente, aplicando-se à coisa julgada o princípio da proporcionalidade, utilizado para o caso de colisão entre princípios constitucionais. (...) Assim, segundo parte da doutrina seria possível desconsiderar a coisa julgada, em processo próprio, para que prevaleça outro bem constitucionalmente tutelado, de índole material.” (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, pág. 327-328)

Essa previsão de relativização da coisa julgada pode ser encontrada – mas não taxativamente arrolada - no art. 485 do Código de Processo Civil, em que se lê:

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.

Como se depreende do próprio texto legal e doutrina, a regra, portanto, será sempre a da imutabilidade da coisa julgada, sendo a sua possibilidade de rescisão situação extremamente excepcional no ordenamento jurídico brasileiro.

5. Sentença e Coisa Julgada nas Ações Ambientais

É importante observar que, em razão da alta capacidade de absorção e contenção da poluição, os danos ocasionados ao meio ambiente não se apresentam de forma imediata. Às vezes, serão necessários anos até que se possa perceber o dano ambiental.

Desta maneira, seja por causa dos fenômenos temporais ou espaciais, o dano ambiental muitas vezes só é percebido fora do tempo e do local onde ele foi gerado. Nesta hipótese, é muito importante a investigação pericial para identificar o marco inicial temporal e espacial do dano ao meio ambiente, justamente para que se possa buscar a reparação integral do dano gerado ao meio ambiente.

Conforme explica Marcela Rodrigues, o dano ambiental é, portanto, um só: “o dano ao meio ambiente como bem jurídico autônomo, independentemente de ter “ricocheteado” ou não para as esferas particulares dos indivíduos”. Os danos pessoais, particulares, sofridos pelo mesmo fato que degradou o meio ambiente, ou que foram consequência da agressão ao meio ambiente, são ontológica e teleologicamente diversos daqueles sofridos pelo meio ambiente.

A eventual confusão decorre do fato de que um mesmo fato permite a incidência de várias normas de direito material – uma que concretiza um direito difuso e outra que concretiza um direito individual. Isso permitiria que se deduzissem pretensões para a tutela de direitos difusos e outras para a tutela de direitos individuais. Nesse caso, o processo deverá impor a solução dada por cada uma das normas de direito material violadas. 

Exemplificando. O derramamento de lixo industrial em determinado córrego ou rio gera um dano coletivo, na qual o meio ambiente foi lesionado e deverá ser reparado, de forma a recuperar a área degradada, conscientizar as demais empresas desse dano, adotar medidas de prevenção futuras, educação ambiental, etc. porque os titulares desse bem também são difusos. Por outro lado, teremos o dano direito àqueles que usam diretamente do córrego/rio, através da subsistência ou da possibilidade desse derramamento ter afetado sua saúde diretamente. Esses danos são particulares, cabíveis de reparação do dano material por indenização.           

Dessa maneira teremos como efeitos do dano ambiental consequências patrimoniais e extrapatrimoniais. As consequências patrimoniais caracterizam-se pelas perdas e danos decorrentes da lesão, por exemplo, o custo de reparação, da limpeza, etc., por sua vez, as consequências extrapatrimoniais podem ser entendidas pelo dano social, ou seja, ao meio ambiente, bem difusamente considerado, não se confundindo com interesses privados ou de grupos. O dano extrapatrimonial trata-se, sobretudo, de um dano moral ao meio ambiente que correspondem à privação que a coletividade tem, e terá da sensação de bem-estar, a diminuição de qualidade e da expectativa de vida, etc.

Muito embora, sob o ponto de vista processual, o tratamento da reparação civil dos danos ambientais no Brasil (patrimoniais e extrapatrimoniais) seja diverso da reparação individual dos danos sofridos em razão da agressão ao meio ambiente, porquanto no primeiro caso se faz por ação civil pública e com coisa julgada erga omnes e no segundo se faz por ação individual, usando as regras tradicionais do Código de Processo Civil Brasileiro (fazendo uso também da coisa julgada in utilibus – art. 103, § 3º., do Código do Consumidor, não houve diferença de tratamento quanto ao aspecto material (direito material) relativamente ao tipo de responsabilidade civil adotada. É o que determina o art. 14, §1º, da lei nº 6.938/1981.

Deve ser observado ainda que a maior parte das lides ambientais refere-se às crises de cooperação ou adimplemento, e, dentre estas, aquelas que estejam relacionadas com o cumprimento de deveres de fazer e não fazer. Outras vezes é reclamada a reparação pecuniária pelo prejuízo resultante do desequilíbrio ecológico, especialmente quando impossível a obtenção de uma reparação específica. Dessa forma, por ser fundada em título judicial ou extrajudicial, na qual há possibilidade que a obrigação não seja cumprida espontaneamente, deverá o titular do direito requerer, ao poder judiciário, a execução do título referido. Caso não seja observado o cumprimento do título, será possível ao juiz decretar multa, e ainda a desconsideração da personalidade jurídica nos casos específicos.

A respeito da coisa julgada no Brasil, a indivisibilidade e a ubiquidade do bem ambiental obrigam que os limites objetivos da coisa julgada – sobre o que recai a autoridade da coisa julgada – recaiam sobre todo o bem ambiental e o atinjam até onde ele estenda seus efeitos. Considerando que os bens ambientais são indivisíveis pela sua própria natureza e que não respeitam nenhuma limitação espacial, é absolutamente inócua, senão ridícula, a limitação territorial da coisa julgada a que alude o art. 16 da LACP.

Dizer que a coisa julgada fica restrita “aos limites da competência territorial do órgão prolator” é algo absolutamente incoerente em matéria ambiental, porque os bens ambientais não podem, jamais, ser limitados pelo ser humano. Não há como limitar o desequilíbrio ecológico. Também a questão da instabilidade do bem ambiental que influencia diretamente o regime jurídico da coisa julgada. Ora, por se tratar de uma espécie de imunização de todas as questões deduzidas ou dedutíveis em prol da preservação daquela pretensão julgada e carimbada pelo selo da coisa julgada.

Determinada atividade poderá não ter qualquer impacto ao meio ambiente no momento da constituição da coisa julgada, no entanto tal situação poderá ser modificada com o tempo – não quer dizer que essa atividade nunca será impactante naquele meio ambiente no qual está inserida. A cláusula rebus sic stantibus, contida em toda e qualquer sentença, ganha extremo relevo em matéria ambiental, devido a essa instabilidade dos bens ambientais.

Há que se falar ainda na tentativa do legislador brasileiro de restringir a coisa julgada ambiental à competência territorial do órgão prolator, nada mais descabido, tendo em vista que o dano ambiental atinge não só aqueles que pertencem aos limites da competência territorial, mas ao povo como um todo.

Por fim, vale ressaltar a coisa julgada in utilibus, um efeito secundário da decisão que transitou em julgado, permitindo que qualquer pessoa lesada (individual ou coletivamente), pela mesma agressão ambiental já decidida, possa ajuizar uma demanda sem a necessidade de provar aquele fato que deu origem e foi suporte da demanda coletiva ambiental.
           

6. Extensão da Sentença Ambiental – A Polêmica Questão da Competência Territorial VS. os Limites Subjetivos da Sentença

Uma das questões mais controvertidas no que tange à execução das sentenças coletivas no Brasil é o seu real alcance territorial. E isso porque, originalmente, e diretamente amparado na totalidade da mais autorizada doutrina, a sentença proferida em ação de cunho coletivo tem aplicação erga omnes. Sendo assim, na redação original do art. 16 da LACP lia-se:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Ocorre que, em visível ataque à sistemática das ações coletivas, a redação desse artigo foi alterada pela Lei nº 9.494/97, atrelando-se, então, a eficácia da sentença proferida ação coletiva à competência territorial do órgão prolator.

Passa-se, então, à seguinte redação:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Tal inserção é errônea na medida em que confunde fenômenos diferentes, a saber, a competência territorial e os limites subjetivos da sentença. É a exata lição de XISTO TIAGO DE MEDEIROS NETO:

“A erronia, traduzida pela inserção, na redação original do dispositivo, da expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”, está em que absurdamente se confunde e se baralha competência com limites subjetivos da coisa julgada erga omnes” (Medeiros Neto, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo, pág. 247-248)

Em que pese ser a posição doutrinária majoritária, a jurisprudência ainda oscila sobre o tema. Vejamos:

PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS NAS CARDENETAS DE POUPANÇA. AÇÃO PROPOSTA POR ENTIDADE COM ABRANGÊNCIA NACIONAL, DISCUTINDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. EFICÁCIA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE OS CONCEITOS DE EFICÁCIA DA SENTENÇA E DE COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. - A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. - O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 411.529-SP, rel. Min. Nancy Andringhi, julgado em 04.10.2007, publicado no DJe em 05.08.2008) (Grifamos)
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS (DL 2.288/86). EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFICÁCIA DA SENTENÇA DELIMITADA AO ESTADO DO PARANÁ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494/97. ILEGITIMIDADE DAS PARTES EXEQÜENTES. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo Federal do Paraná nos autos da Ação Civil Pública nº 93.0013933-9 pleiteando a restituição de valores recolhidos a título de empréstimo compulsório cobrado sobre a aquisição de álcool e gasolina no período de jul/87 a out/88, em razão de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede mencionada. 2. A abrangência da ação de execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso contrário geraria violação ao art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, litteris: "A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator". 3. Recurso especial parcialmente conhecido, e nesse ponto, desprovido. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 665.947, rel. Min. José Delgado, j. 02.12.2004, publicado no DJ de 12.12.2005) (Grifo nosso)

Em que pese tratar-se de matéria jurisprudencialmente controvertida, é entendido que a sentença proferida em ação coletiva deverá atingir a todos envolvidos em seu limite subjetivo, a despeito da competência territorial do órgão prolator. E parece acertada a assertiva em razão da própria principiologia que gravita em torno das ações coletivas.


7. Conclusões

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que o Poder Judiciário Brasileiro tem fundamental participação como órgão protetor do meio ambiente, não somente pela garantia da tutela do direito coletivo, como também do direito individual de cada pessoa atingida pela exploração inadequada do meio ambiente e sua degradação.

Por fim, há que se evitar o entendimento da eficácia da sentença apenas à competência territorial do órgão prolator – nos termos do art. 16 da LACP –, uma vez que o dano ambiental afeta diretamente não apenas aqueles que residem na região atingida, mas principalmente o meio ambiente como um todo. Conforme dito, não há como limitar o desequilíbrio ecológico. Dessa maneira, corre-se o risco da sentença ser ineficaz em determinados casos, por não garantir a reparação de todo o dano cometido.


Bibliografia

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Hack, Érico. “O dano ambiental e sua reparação: ações coletivas e as class actions norte-americanas”. In: Revista de Direito Ambiental. Ano 13, nº 50 – págs. 55-65 (Coords: Lecey, Eládio. Cappelli, Silvia). São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.

Medeiros Neto, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. 1ª Ed., São Paulo, Editora LTr.

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