A
prevenção do ruído em Portugal mereceu a devida contemplação legislativa em 1987
com a publicação da Lei de Bases do Ambiente aprovada pela Lei n.º 11/87 de 7
de Abril que no seu art.º 22º e sob a epígrafe “Ruído” dispõe o seguinte:
1 - A luta contra o ruído visa a salvaguarda da saúde e bem-estar das
populações e faz-se através, designadamente:
a) Da normalização dos
métodos de medida do ruído;
b) Do estabelecimento
de níveis sonoros máximos, tendo em conta os avanços científicos e tecnológicos
nesta matéria;
c) Da redução do nível
sonoro na origem, através da fixação de normas de emissão aplicáveis às diferentes
fontes;
d) Dos incentivos à
utilização de equipamentos cuja produção de ruídos esteja contida dentro dos níveis
máximos admitidos para cada caso;
e) Da obrigação de os
fabricantes de máquinas e electro-domésticos apresentarem informações detalhadas,
homologadas, sobre o nível sonoro dos mesmos nas instruções de uso e facilitarem
a execução das inspecções oficiais;
f) Da introdução nas
autorizações de construção de edifícios, utilização de equipamento ou exercício
de actividades da obrigatoriedade de adoptar medidas preventivas para
eliminação da propagação do ruído exterior e interior, bem como das
trepidações;
g) Da sensibilização da
opinião pública para os problemas do ruído;
h) Da localização
adequada no território das actividades causadoras de ruído.
2 - Os veículos
motorizados, incluindo as embarcações, as aeronaves e os transportes
ferroviários, estão sujeitos a homologação e controle no que se refere às
características do ruído que produzem.
3 - Os avisadores
sonoros estão sujeitos a homologação e controle no que se refere às características dos sinais acústicos
que produzem.
4 - Os equipamentos electro-mecânicos deverão ter
especificadas as características do ruído que produzem.
Volvidos dois meses, ou seja a 24 de junho é publicado o
Decreto-Lei nº 251/87, que aprovou o primeiro regulamento geral sobre o ruído,
que foi sofrendo ao longo dos tempos diversas alterações, designadamente com a
transposição da Directiva nº 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de
25 de junho, até que entra em vigor o Decreto-Lei nº 9/2007 de 17 de janeiro
que atualiza e confere a coerência necessária ao regulamento geral do ruído.
No âmbito do direito civil, o art.1346ºdo Código Civil dispõe
que “O proprietário de um imóvel pode
opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como
à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes
de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para
o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”,
embora esta disposição tenha sido concebida para defesa do direito de
propriedade, a verdade é que a doutrina tem procurado alargar o âmbito de proteção
aqui conferido a outros direitos, tais como aos direitos de personalidade dos
habitantes do prédio onde ocorrem designadamente ruídos, constituindo assim um importante
instrumento para a defesa ambiental.
A poluição sonora “convive” com outros tipos de poluição como
a poluição atmosférica, das águas e dos solos, sendo que em todas elas existe
em comum o facto de haver uma interferência de origem antropogénica com efeitos
negativos no ambiente e nos seres vivos. Acontece que, enquanto a poluição atmosférica,
das águas e dos solos caracterizam-se pela contaminação dos respetivos meios
com substâncias prejudiciais à vida e são por isso quantificáveis na razão da
quantidade dessas substâncias presentes no meio, a poluição sonora, não deixa
resíduos, existindo apenas no momento em que está a ser produzida.
Pelo referido motivo, a poluição sonora é muitas vezes
referida com alguma propriedade, no meu ponto de vista, como um inimigo
invisível, ou o parente pobre do ambiente.
Esta “apatia” perante a poluição sonora é extensível às autoridades
competentes que frequentemente negligenciam este tipo de agressão ambiental. Os
próprios efeitos da poluição sonora são de resto ainda pouco estudados, porque
é difícil estudar uma forma de agressão que só se manifesta como resultado de
uma exposição prolongada e que por isso sofre a interferência de um elevado
número de variáveis difíceis ou impossíveis de controlar.
É indiscutível que a incomodidade sonora tem um elevado grau
de subjetividade na perceção do som e na respetiva avaliação
Um
dos métodos universalmente aceites para avaliar tecnicamente um ruído é o nível
sonoro contínuo equivalente (LAeq) que representa a energia sonora média num
ambiente, ao longo de um determinado período de tempo e é expresso em decibéis
(dB). Esta é uma escala logarítmica, em que se considera a unidade (1 dB) como
o valor correspondente ao som mais baixo que o ouvido humano consegue detectar.
Por esse facto, 10 dB correspondem a um som 10 vezes mais intenso que 1 dB, 20
dB 100 vezes mais intenso, 30 dB 1000 vezes e assim sucessivamente. A título
exemplificativo e para termos uma noção dessa intensidade apresento os
seguintes dados:
Origem
de som
|
Intensidade do som (dB) (aproximada)
|
Aragem nas folhas de uma árvore
|
10
|
Conversa numa sala de estar
|
60
|
Rua movimentada
|
80
|
Tráfego urbano em hora de ponta
|
90
|
Cortador de relva
|
90
|
Martelo pneumático (obras)
|
100
|
Buzina de um carro
|
110
|
Concerto de rock
|
120
|
Avião a baixa altitude após a
descolagem
|
130
|
Fogo de artifício
|
140
|
Partindo
do princípio que a OMS (Organização Mundial de Saúde) considera que um som deve
ter como limite 50 db (decibéis) para não causar danos no ser humano e a exposição
a 120 dB poderá mesmo causar dor ao ouvido humano, então é bastante preocupante
verificar com base na tabela supra que qualquer habitante de uma cidade de
média ou grande dimensão está diariamente exposto a agressões múltiplas com
consequências que poderão ser irreversíveis. O ruído contribui de um modo
particular para a degradação da qualidade de vida dos cidadãos. Estudos recentemente
efetuados vieram revelar que na Europa morrem por ano 50 mil pessoas devido a
doenças cardiovasculares causadas pelo excesso de decibéis que advêm do ruído
dos automóveis.
Em
Portugal, o tráfego rodoviário expõe mais de 5 milhões de portugueses a níveis
de ruído excessivos e considerados pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
nocivos à saúde, porque acima dos 50 decibéis, como já referi anteriormente.
Uma Associação Portuguesa ligada à defesa do
ambiente, realizou no ano transato medições de ruído em alguns locais críticos
(rodoviário, ferroviário e aéreo) na cidade de Lisboa. Nas medições de ruído na
Avenida Fontes Pereira de Melo, que constitui um dos principais corredores
rodoviários de Lisboa, durante um período contínuo de três dias concluiu-se que
é durante o período diurno (das 07h-20h) que se verificam os níveis mais
elevados de ruído. O LDEN, indicador de ruído diurno-entardecer-noturno, medido
ao longo de 24 horas, variou entre os 76,8 dB(A) e os 77,6 dB(A) (máximo é 65
dB(A), quase quatro vezes mais do permitido, considerando que as unidades em
causa têm uma escala logarítmica). Já no período noturno, o LN (indicador de
ruído noturno) variou entre os 68,8 dB(A) e os 70,4 dB(A), mas o máximo
permitido é 55 dB(A). O nível máximo de ruído medido foi de 106 dB(A), um valor
considerado preocupante quando comparado com os 120 dB(A), o limiar de dor para
o ouvido humano, como já foi antes mencionado.
O efeito
nefasto do ruído não depende apenas do tipo de ruído e da sua intensidade, mas
também da sua duração e das características da própria pessoa sujeita à
poluição sonora. Na verdade, podemos nos sentir incomodados com determinado
ruído mesmo que as respetivas medições não acusem intensidade elevada. Como
todos sabemos, os adolescentes que utilizam frequentemente os auscultadores não
se sentem incomodados com os sons que ouvem. Também há técnicos de aeronáutica
que gostam de ouvir o som intenso das turbinas de um avião em plena aceleração,
o que não acontecerá certamente com os moradores em áreas por ele sobrevoadas.
Daqui decorre, que a incomodidade do ruído é influenciada pela idade do indivíduo,
o seu estado emocional, os gostos, as crenças e o modo de vida.
Em termos de incomodidade de ruído, penso que todos
nós já vivemos a experiência desagradável de ouvir o gotejar de uma torneira
que corresponde a (20 db).
Recentemente foi divulgado que uma empresa israelita,
com um nome muito sugestivo Silentium, dispõe de uma tecnologia que pode
reduzir ativamente a poluição sonora através de um fenómeno físico chamado
interferência destrutiva. Assim quando as ondas de ruído estão a viajar no
espaço, ao serem atingidas com ondas semelhantes com o mesmo volume, a mesma
frequência, mas desviadas 180 graus, vão interferir umas com os outras e
anular-se. Dizem poder alcançar uma redução completa do espetro de ruído até 10
decibéis.
Por sua
vez, o atual regulamento geral de ruído (RGR) define diferentes tipos de ruído
nos seguintes termos:
Ruído Ambiente - o ruído global observado numa dada
circunstância num determinado instante, devido ao conjunto das fontes sonoras
que fazem parte da vizinhança próxima ou longínqua do local considerado;
Ruído de Vizinhança - o ruído associado
ao uso habitacional e às atividades que lhe são inerentes, produzido diretamente
por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal
colocado sob a sua responsabilidade que, pela sua duração, repetição ou intensidade,
seja suscetível de afetar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança. A
fiscalização deste tipo de ruído compete às Autoridades Policiais;
Ruído particular» o componente do
ruído ambiente que pode ser especificamente identificada por meios acústicos e
atribuída a uma determinada fonte
sonora;
Ruído residual» o ruído ambiente a
que se suprimem um ou mais ruídos particulares, para uma situação determinada;
Diferentemente do anterior regulamento
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/2000 de 14 de Novembro que referia apenas o
período diurno e o período noturno, este regulamento apresenta três períodos de
referência (Diurno: das 07h às 20h; Entardecer: das 20h às 23h; Noturno: das
23h às 07h) o que constitui uma alteração significativa. Aquele diploma define
ainda que Indicador de ruído diurno-entardecer-nocturno (Lden) o indicador de
ruído, expresso em dB(A), associado ao incómodo global, dado pela expressão:
Lden = 10 x log 1/24 (13 x 10 (Ld/10) + 3 x 10 ((Le+5)/10) + 8 x 10
((Ln+10)/10))
Em que Ld «o indicador
de ruído diurno» é o nível sonoro médio de longa duração, determinado durante
uma série de períodos diurnos representativos de um ano;
Em que Le «o indicador
de ruído do entardecer» é o nível sonoro médio de longa duração, determinado
durante uma série de períodos do entardecer representativos de um ano;
Em que Ln «o indicador de ruído nocturno» é o nível sonoro médio de longa
duração, determinado
durante uma série de períodos nocturnos representativos de um ano.
Não obstante ser obrigatório nos
termos do regulamento a que se vem aludindo que todas as câmaras municipais elaborem
mapas de ruído, a realidade é que nem 50% dos nossos municípios encontram se
dotados de tal documento. Semelhante cenário também se aplica às
infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias que ainda não
apresentaram mapas estratégicos de ruído e planos de ação, como lhes é
legalmente imposto.
Como é consabido, o ruído é um tema quase tabu para muitas
autarquias, porque as medidas de redução de ruído exigem um esforço para
serem incluídas no planeamento municipal e por vezes também são difíceis de
aceitar pela própria população (como sejam restrições de tráfego,
nomeadamente obrigando a uma redução da velocidade). Assim, o facilitismo tem
sido a regra e, em muitos casos, classifica-se como zonas mistas muitas áreas
onde se exigia uma classificação como zona sensível.
No que concerne ao reflexo do tema do ruído na área jurisprudencial,
o Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de setembro de 2012, relativo ao
Processo nº 2209/2008, revela-se muito interessante porque, de um lado, temos
a empresa proprietária de um parque eólico, que entre outros argumentos,
realça a importância da energia “limpa” que produz através do recurso a uma
fonte de energia renovável e por outro temos o proprietário de um prédio
vizinho que pugna pela defesa do seu direito à saúde e à qualidade de vida
que, segundo o próprio é fortemente penalizado com o ruído das pás dos
aerogeradores do referido parque.
A exploração do parque eólico mesmo materializando a defesa
do ambiente e tendo cumprido com todos os requisitos legais, deverá ter como
limite a ofensa aos direitos de personalidade dos habitantes vizinhos. Como
referiu um Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem “ os ruídos sonoros
ou outros que causem danos no domicilio e afetem o bem estar físico do indivíduo
atingem a sua vida privada (…)”
Grande parte dos litígios que surgem na área do ruído,
contrapõem os direitos de natureza económica como o da livre iniciativa
económica e da propriedade privada, que têm proteção constitucional,
designadamente nos seus artigos 61º e 62º e o direito ao repouso que se
integra nos direitos de personalidade. Neste cenário de direitos
conflituantes impõe-se o recurso ao instituto de colisão de direitos (artigo
335º do Código Civil).
Nestas situações, a
jurisprudência, na esteira do pensamento do Prof. Capelo de Sousa, tem
entendido que a Constituição da República Portuguesa ao conferir predomínio
aos direitos, liberdades e garantias sobre os direitos económicos, sociais e
culturais, conduzirá a reputar de prevalecentes os direitos de personalidade
e, em concreto, o direito ao repouso. Todavia, o direito hierarquicamente
inferior deve ser respeitado até onde for possível e a sua limitação só pode
verificar-se na medida em que o imponha a tutela do direito de personalidade.
Mesmo assim, defende-se que, em caso de conflito entre um direito de personalidade
e um direito de outro tipo, a respectiva avaliação abrange não apenas a
hierarquização entre si dos bens ou valores do ordenamento jurídico na sua
totalidade e unidade, mas também a deteção e a ponderação de elementos
preferenciais emergentes do circunstancialismo fáctico da subjetivação de
tais direitos, maxime, a
acumulação, a intensidade e a radicação de interesses concretos juridicamente
protegidos. Tudo o que dará primazia, nuns casos, aos direitos de
personalidade ou, noutros casos, aos com eles conflituantes direitos de outro
tipo.
Recentemente
foi divulgado de fonte governamental que será publicada brevemente uma nova
Lei do Ruído. Ora, penso que mais do que produção legislativa precisamos é de
ter uma atitude mais pró-ativa para que os mecanismos legislativos já
existentes sejam aplicados e rigorosamente cumpridos.
Refira-se
a final que no dia 7 de maio comemora-se o dia do silêncio, que deveria ser devidamente
aproveitado para refletirmos um pouco sobre o ruído.
Na verdade, paradoxalmente no nosso País
onde o ruído é tratado com tanta indiferença o maior número de queixas
registadas a nível do ambiente são devidas precisamente ao ruído.
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Bibliografia:
- naturlink.sapo.pt › Natureza e Ambiente › Gestão Ambiental
- www.suapesquisa.com/pesquisa/poluicao_sonora.htm
www.ensp.unl.pt/dispositivos-de-apoio/cdi/cdi/...de.../1-06-2002.pdf
visao.sapo.pt/ruido-o-parente-pobre-do-ambiente=f646436
Capelo de Sousa, “A Constituição e os Direitos de Personalidade,
Estudos sobre a Constituição”, II, 1978, pág. 547
Inês Dantas Andrade
Lomelino de Freitas nº19631
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