sábado, 18 de maio de 2013

Ondas: Património Natural a preservar


Ondas: Património Natural a Preservar

 

 “Homem Livre, tu sempre gostarás de mar”

Charles-Pierre Baudelaire, poeta francês (1821-1867)


Introdução

 

Portugal é um país intimamente ligado ao mar. Desde o período dos Descobrimentos, nos séculos XV e XVI, até aos dias de hoje em que a maioria da população vive no litoral, o mar sempre esteve presente na vida do povo português. A sua importância reflecte-se na vida económica, social, cultural e política do País.

Assim, no seguimento desta perspectiva, a questão que aqui vamos abordar prende-se, grosso modo, com a actuação administrativa no que concerne à construção de infra-estruturas que implicam alterações na linha costeira. Mais concretamente, pretende-se estabelecer uma ligação entre a actuação do poder administrativo e a (falta de) protecção e preservação da costa, designadamente das suas ondas, com influência directa e irreversível não só no ambiente, mas também na vida das pessoas e da própria economia nacional.

Uma vez que vamos colocar em análise conteúdos ambientais de extrema importância para o estudo da cadeira de Direito do Ambiente – como o impacto ambiental, os componentes ambientais naturais e os princípios e objectivos assumidos pelo Estado Português na sua legislação ambiental –, estabelecendo ainda uma ligação com o Poder Administrativo, parece-me que se trata de um tema legítimo. Mais, pelo facto de ser abordado sob a perspectiva concreta da destruição das ondas, entendo que escapa às problemáticas normalmente levantadas nos trabalhos realizados no âmbito da cadeira, sendo, nessa medida, desafiante.

 

Desenvolvimento

Numa primeira aproximação, o problema surge, desde logo, porque a destruição da linha costeira, maxime das ondas, constitui um grave atentado ao Ambiente. Estamos perante uma área de extrema sensibilidade a nível ambiental e a história mostra que essa destruição assume carácter irreversível, já que estamos a lidar com elementos singulares da natureza insusceptíveis de reconstrução humana. Por esta mesma razão, é necessário que o procedimento administrativo autorizativo de actos administrativos, cuja concretização material provoca essa destruição, seja conforme às próprias garantias que a Constituição da República Portuguesa salvaguarda no artigo 9º, alíneas d) e e) e no artigo 66º.

Antes de avançarmos, importa começar por delimitar o objecto deste trabalho, no que toca à actuação da Administração Pública.

De facto, sem a devida delimitação, esta problemática correria o risco de cair no vazio de substância com o simples argumento de que, em princípio, é sempre feita uma avaliação de interesses permitindo que, mesmo que um projecto tenha implicações a nível ambiental e se prejudique (in)determinada parte da população, a utilidade que o mesmo representa admita essa decisão. Por outras palavras, tratar-se-ia, sempre, de uma ponderação de interesses, aberta a discussão, e cuja opção por um deles seria sempre plausível, analisados os “custos” e os “benefícios” subjacentes.

Será isso o que acontece, sem dúvida, na maioria dos casos. No entanto, em algumas situações estamos perante uma questão materialmente diferente – sobre a qual o nosso trabalho incide. Por vezes, a destruição da linha costeira, e das ondas em concreto - com todas as consequências que analisaremos infra – resulta de construções puramente estéticas, de estudos mal elaborados ou de construções cujos “benefícios” parecem reconduzir-se unicamente aos privados integrantes das parcerias público-privadas (num costume tipicamente português), esquecendo pescadores, comerciantes, moradores e desportistas. E ambientalistas.

Por outro lado, também não estamos a falar de toda e qualquer onda. É certo que, como veremos, qualquer intervenção que provoque dano ou a destruição de uma onda invariavelmente constitui um dano no Ambiente e, como tal, é susceptível de gerar manifestações em sua defesa. No entanto, a problemática que aqui abordamos direcciona-se, essencialmente, para ondas cujo valor ultrapassa o ambiente, assumindo, igualmente, importância social, cultural, económica e política. Ou seja, o objecto do trabalho são ondas cuja qualidade as coloca numa posição de interesse para o próprio Estado e população, não se resumindo apenas ao impacto ambiental. Tal não significa, naturalmente, que a questão ambiental seja, aqui, colocada apenas acessória, na medida em que ela tem extrema importância: desde logo porque é a base de todo o problema, uma vez que as ondas são fenómenos naturais cuja reconstituição natural pelo homem é impossível, levando a que qualquer interferência humana assuma carácter irreversível. Como exemplo prático temos a zona costeira da Ericeira, sede de algumas das melhores ondas do Mundo para a prática de desportos aquáticos.

Para uma melhor compreensão do que realmente aqui está em causa iremos analisar, mais à frente, alguns casos reais paradigmáticos.

Sujeitos

Como sabemos, as relações jurídicas ambientais raramente são bilaterais. De facto, uma decisão administrativa de âmbito ambiental envolve uma teia de múltiplas ligações, na medida em que são vários os sujeitos afectados pela mesma.[1]

Sob pena de impossibilidade prática de aprofundar exaustivamente todos os sujeitos que podem, potencialmente, ser partes de uma relação que se enquadre na nossa problemática, vamos optar por fazer referência apenas a três sujeitos. Assim, não trataremos aqui de sujeitos no sentido de terem personalidade jurídica mas sim de sujeitos num sentido abstracto. São eles: o Ambiente, a Administração Pública e a População.

1. Comecemos pelo primeiro. O conceito de Ambiente é definido pela própria Lei de Bases do Ambiente, no seu artigo 5º/2 alínea a), onde se lê: “Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”.

Ainda dentro deste conceito, importa estabelecer a definição dos elementos específicos do Ambiente aqui em análise.

Segundo o Grupo de Trabalhos responsável pelo Relatório “Bases para a Estratégia da Gestão Integrada das Zonas Costeiras”, elaborado para o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, na sua versão final em Junho de 2006, os conceitos de “zona costeira”, “orla costeira” e “linha de costa” dizem respeito a realidades interligadas, mas diferentes. Uma “zona costeira” será uma porção de território influenciada directa e indirectamente em termos biofísicos pelo mar (ondas, marés, ventos, biota ou salinidade), que pode ter, para o lado da terra, largura tipicamente de ordem quilométrica e se estende, para o lado do mar, até ao limite da plataforma continental. Já a “orla costeira” corresponde a uma porção de território onde o mar exerce directamente a sua acção, coadjuvado pela acção eólica, e que tipicamente se estende, para o lado da terra, por centenas de metros e, para o lado do mar, até à batimétrica dos trinta metros (englobando a profundidade de fecho). Por fim, a “linha de costa” remete para a fronteira entre a terra e o mar, materializada pela intercepção do nível média do mar com a zona terrestre.

Desta caracterização podemos concluir que a construção das infra-estruturas em causa é susceptível de implicar alterações nas três realidades.

Ainda dentro do âmbito do Ambiente temos as “ondas”. Atendendo ao conceito previsto na lei, é fácil perceber que o mesmo incluirá as ondas oceânicas, provocadas pela conjugação do vento e do oceano com uma série factores geográficos e geológicos. Desta conjugação nascem fenómenos únicos no mundo – ondas, entenda-se – que importa preservar, conforme desenvolveremos mais à frente.

 

2. A Administração Pública aparece como o segundo sujeito nesta relação. As relações jurídicas de ambiente possuem, em princípio, natureza administrativa, desde logo porque é à Administração Pública a quem cabe fazer a avaliação de impacto ambiental ou a dispensar esse procedimento, nos termos do DL.nº197/2005, de 8 de Novembro.

A realidade por detrás dos projectos de empreendimentos susceptíveis de causar prejuízo ao Ambiente exigem que se adopte uma noção ampla de Administração Pública[2], segundo a qual esta integra não apenas as pessoas colectivas públicas – que fazem parte da administração estadual, indirecta e autónoma – mas também pessoas colectivas privadas – que constituem a administração pública sob a forma privada. A Administração estadual é prosseguida por órgãos e serviços integrados no Estado, contando, desde logo, com o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que integra a Secretaria de Estado do Mar e a Secretaria de Estado do Ambiente e Ordenamento do Território[3]. Relativamente à Administração indirecta, esta é prosseguida por órgãos e serviços organizados em pessoas colectivas distintas do Estado, mas que prosseguem os fins deste: é o caso, designadamente, do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas[4]. Já a Administração autónoma é realizada por órgãos e serviços que se integram em entidades distintas do Estado, prosseguindo fins próprios, de forma própria, através de órgãos livremente escolhidos pelos seus membros. Como exemplo temos os Municípios, com os respectivos órgãos (Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Presidente da Câmara)[5], que prosseguem atribuições de natureza ambiental[6]. Por fim, a Administração Pública sob a forma privada integra entidades constituídas nos termos do Direito Privado, mas que, uma vez que os seus capitais são exclusiva ou maioritariamente públicos, são geridas de forma pública e existem para a prossecução de fins que se integram no âmbito da função administrativa.

 

3. Por fim, temos a População enquanto terceiro sujeito desta problemática. A população pode adquirir, aqui, dois sentidos: num primeiro sentido, temos os particulares que, sob a forma de empresas privadas, integram parcerias público-privadas ou outras posições que beneficam dos projectos que colocam em causa o ambiente; num segundo sentido, temos os particulares enquanto cidadãos cuja qualidade de vida é afectada com a concretização do projecto, sem que estejam directamente ligados (enquanto partes integrantes) ao negócio subjacente.

Concentrando-nos no segundo sentido, de facto, não obstante se discutir a sua natureza fundamental, o ambiente assume a forma de um direito que é conferido aos cidadãos, conforme resulta dos artigos 9º, alínea d) e 66º da CRP. Assim, sendo a destruição da linha costeira e das ondas uma questão ambiental, os cidadãos têm o direito de fazer valer os seus direitos e os seus pontos de vistas, devendo ser dada a possibilidade de participação no processo. Sabemos que nem sempre é assim tão linear, e que por vezes o processo não concretiza de forma ideal esse direito que é garantido ao cidadão por lei e até pela Constituição[7].

A acrescentar ao puro interesse em garantir a permanência do equilíbrio biológico e da estabilidade geológica resultante da Natureza, a verdade é que os efeitos da destruição ambiental que resulta da acção do homem, em particular da Administração Pública e dos privados devidamente autorizados, podem incidir de forma negativa e directa na vida das pessoas. Aqui cumpre estabelecer uma primeira aproximação com um caso que será desenvolvido em infra, na medida em que corresponde a um exemplo real que revela bem as consequências negativas que as construções em análise podem ter na vida da população: o exemplo do Jardim do Mar, na Ilha da Madeira. Do ponto de vista económico, a destruição da onda do Jardim do Mar (considerada uma das melhores do mundo) colocou em causa a situação financeira da população local que dependia do turismo e, devido ao modo como foi feita a construção em causa, prejudicou a pesca local. Mas podemos ir mais longe: do ponto de vista social e cultural, impossibilitou-se uma fuga recreativa e saudável a que os miúdos e jovens locais podiam recorrer – e faziam-no – face ao problema da droga que, como é sabido, é bastante comum nas Ilhas.


Impacto Ambiental, Social, Económico e Político

I.              Impacto Ambiental

As construções em análise (v. supra, p. 2) têm efeitos directos e irreversíveis no Ambiente. De facto, implicam alterações na zona costeira que jamais a acção humana pode reconstituir uma vez executadas.

Sem prejuízo de em certos casos poder não se verificar, poderá implicar, desde logo, consequências a nível das características biológicas, físico-químicas e microbiológicas intrínsecas aos ecossistemas presentes nos locais alterados. Por outras palavras, a construção de infra-estruturas não se limita apenas a danificar ou a destruir uma onda: coloca-se em risco, também, espécies animais (fauna) e vegetais (flora) e, até, a própria constituição geológica do local. A zona da Ericeira constitui um bom exemplo, uma vez que assume uma envolvente ambiental bastante rica, muito para lá das ondas propriamente ditas. Daqui resulta que o conceito de “ondas” poderá assumir dois sentidos: poderá adquirir um sentido estrito, no caso de nos referirmos à massa de água em si mesma, ou um sentido amplo, quando abrange toda a realidade por detrás de uma onda em sentido estrito.

 

A destruição de uma onda é uma interferência no Ambiente[8], colocando em causa elementos naturais que a lei procura tutelar. Vejamos.

 

Cumpre, antes de mais, fazer uma referência breve à lei suprema do nosso país. A Constituição da República Portuguesa dispõe no Artigo 66º, nº2, que, de modo a assegurar o direito ao ambiente, se deverá assegurar uma correcta localização das actividades, isto é, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico[9]; e garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico, criando e desenvolvendo para o efeito áreas protegidas[10]. Trata-se, aliás, de tarefas fundamentais de que o Estado está incumbido, conforme resulta do Artigo 9º alíneas d) e e).

 

Assim, numa primeira aproximação, a questão integra-se no Princípio do Equilíbrio, presente no Artigo 3º, alínea b) da Lei de Bases do Ambiente[11]. O preceito impõe que se “devem criar os meios adequados para assegurar a integração das políticas de crescimento económico e social e de conservação da natureza, tendo como finalidade o desenvolvimento integrado, harmónico e sustentável”. Ora, estando subjacente uma harmonização entre o progresso económico e social e a conservação da natureza, é natural que se aplique ao caso em que a concretização de determinada infra-estrutura é susceptível de causar danos ao ambiente.

Dentro ainda deste contexto de lei de valor reforçado, no Artigo 4º do mesmo Diploma, referente aos objectivos a serem cumpridos, podemos ler “o equilíbrio biológico e a estabilidade geológica” (alínea a)), “a conservação da Natureza, o equilíbrio biológico e a estabilidade dos diferentes habitats nomeadamente através (…) da constituição de partes e reservas naturais e outras áreas protegidas, (…) de modo a estabelecer um continuum naturale[12] (alínea e)), e “a promoção de acções de investigação quanto aos factores naturais e ao estudo do impacto das acções humanas sobre o ambiente, visando (…) orientar as acções a empreender segundo as normas e valores que garantem a efectiva criação de um novo quadro de vida, compatível com a perenidade dos sistemas naturais”.

Mas a questão não se fica pela abstração de meros princípios ou objectivos. A Lei de Bases elenca, nos artigos 6º e 17º, os componentes ambientais, naturais e humanos respectivamente, sobre os quais pretende incidir. São eles: a luz, a água, o solo, o subsolo, a flora e a fauna, no que toca aos componentes naturais; e a paisagem, o património natural e construído e a poluição, no que toca aos componentes humanos. Sem grandes dúvidas, é manifestamente perceptível que a questão com a qual lidamos envolve componentes legalmente protegidos, designadamente a água, o solo, a flora, a fauna e o património natural.

Relativamente à água, o artigo 10º do Diploma dispõe que o mesmo abrange as “águas marítimas interiores” e as “águas marítimas territoriais” (nº1, alíneas c) e d))[13]. Ainda no mesmo artigo, o nº3 alínea c) determina que se deverá estabelecer uma faixa de protecção ao longo da orla costeira. Mais especificamente, os nºs 4 e 5 obrigam a Administração Pública a ter em atenção o respeito pelas normas legais de protecção das águas e a poluição das águas resultante da autorização de empreendimentos.

O solo marítimo – que tem uma importância extrema para a qualidade das ondas, afinal, é o que determina se estamos perante uma onda aparentemente igual a tantas outras ou se estamos perante uma onda cuja importância extravasa a componente ambiental, como já veremos infra – encontra protecção no nº1 do artigo 13º, que dispõe, enquanto recurso natural, que se deve salvaguardar “a estabilidade ecológica”.

No seguimento do que já foi dito supra, a flora e a fauna são componentes ambientais que integram toda a realidade que se esconde por detrás de uma onda, estando previstas nos Artigos 15º e 16º, respectivamente. Assim, relativamente à flora, deverão ser “adoptadas medidas que visem a salvaguarda e valorização das formações vegetais espontâneas ou subespontâneas” (nº1), e ser “proibidos os processos que impeçam o desenvolvimento normal (…) da vegetação espontânea que apresentem interesses científicos, económicos ou paisagísticos” (nº2). Quando à fauna, “toda a fauna será protegida (…) garantindo o seu potencial genético e os habitats indispensáveis à sua sobrevivência” (nº1), devendo ser valorizados os recursos animais das águas interiores e da orla costeira (nº4).

O artigo 7º do Diploma assume grande importância na problemática que abordamos neste trabalho, na medida em que, neste contexto dos componentes ambientais naturais atrás referidos, garante “a defesa da qualidade apropriada” dos mesmos, podendo “o Estado (…) proibir ou condicionar o exercício de actividades (…) que levem em conta (…) os custos económicos, sociais e culturais da degradação do ambiente, em termos de obrigatoriedade de análise prévia de custos-benefícios”.

Por fim, importa referir o património natural que envolve a orla costeira, maxime as ondas, já que se trata da conjugação de uma série de elementos naturais da qual resultam, por vezes, patrimónios naturais únicos no Mundo, cujo interesse em preservar extravasa o próprio interesse nacional. É certo que nem todas as ondas poderão ser elevadas à categoria de património natural, mas Portugal, enquanto país privilegiado neste âmbito, alberga uma série de fenómenos (ondas) cuja integração no conceito de “património cultural” não se mostra exagerada. Exemplo disso é o caso do Jardim do Mar, na ilha da Madeira, que levou à destruição de um pointbreak que produzia o que, então, era considerada uma das melhores ondas de todo o Mundo, facto que levou a uma séria de manifestação internacionais no sentido de evitar a destruição da mesma. Assim, segundo o Artigo 20º, o património natural deverá ser “objecto de medidas especiais de defesa, salvaguarda e valorização” (nº1).

Nota, ainda, para o facto de em certos casos a construção de infra-estruturas poder originar um agravamento da poluição do local em causa. Caso assim seja, estaremos perante mais um elemento ambiental que a Lei de Bases procura prever, conforme os Artigos 17º, número 3, alínea c) e 21º.

 

Mas não é apenas a Lei de Bases do Ambiente que coloca as Ondas no âmbito ambiental, outros Diplomas o fazem.

 

O Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, que estabelece o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade (Art.1º), é aplicável ao conjunto dos valores e recursos naturais presentes no território nacional e nas águas sob jurisdição natural (Art.2º). Assente, entre outros, no Princípio da Protecção, procura desenvolver uma efectiva salvaguarda dos valores mais significativos do nosso património natural, cfr. o Art 4º, contando para o efeito com a criação de uma Rede Fundamental de Conservação da Natureza (RFCN), Art.5º. É aqui que inserimos as ondas que procuramos defender, nomeadamente na Rede Nacional de Áreas Protegidas, integrada no Sistema Nacional de Áreas Classificadas[14]: A letra do nº2 do Artigo 10º é clara: tratar-se-á de uma área protegida quando estejam em causa áreas terrestres e áreas marinhas “em que a biodiversidade ou outras ocorrências naturais apresentem, pela sua raridade, valor científico, ecológico, social ou cénico, uma relevância especial que exija medidas específicas de conservação e gestão, em ordem a promover a gestão racional dos recursos naturais e valorização do património natural e cultural, regulamentando as intervenções artificiais susceptíveis de as degradar”.

Neste contexto, importa integrar as ondas nos termos das categorias e das tipologias previstas no Artigo 11º. Relativamente à categoria, nº1, consideramos que têm âmbito nacional, e não meramente regional ou local, afinal trata-se de ondas de qualidade reconhecida mundialmente que devem ser objecto de reconhecimento a nível nacional. Já quanto à tipologia, nº2, parece-nos que se enquadram como “monumentos naturais”, nos termos do Art 20º, que dá essa qualificação quando “uma ocorrência natural, contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais, exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade (nº1). Classificando-as como monumentos naturais visamos a protecção dos valores naturais subjacentes, nomeadamente as ocorrências notáveis a nível do património geológico, e a integridade das suas características e das zonas circundantes, bem como a adopção de medidas compatíveis com os objectivos da sua classificação, designadamente a limitação ou impedimento de formas de exploração ou ocupação susceptíveis de alterar as suas características[15].

Deste enquadramento resultam uma série de consequências. Desde logo, as ondas objecto deste trabalho deverão ser susceptíveis de adquirir um estatuto legal de protecção, adequado à manutenção da biodiversidade, dos ecossistemas e do património geológico[16]. Quanto à gestão dessas áreas, a mesma será de competência da autoridade nacional, sem prejuízo das tarefas de gestão ou das acções de conservação activa ou de suporte poderem ser contratualizadas quer com entidades públicas, quer com entidades privadas[17]. Já no que toca à classificação como áreas protegidas de âmbito nacional, e ao respectivo procedimento subjacente, esta pode ser proposta pela autoridade nacional ou por quaisquer entidades públicas ou privadas, designadamente autarquias locais e associações de defesa do ambiente[18]. Assim, dando um exemplo prático, poderá a Associação S.O.S salvem o Surf propor a classificação de determinada onda como área protegida. Esta proposta deve, no entanto, respeitar certos requesitos: deverá ser acompanhada da caracterização da área sob os aspectos geológicos, geográficos, biofísicos, paisagísticos e sócio-económicos, alínea a); da justificação da necessidade de classificação da área protegida, que deve incluir, obrigatoriamente, uma avaliação científica qualitativa e quantitativa do património natural existente e as razões que impõem a sua conservação e protecção, alínea b); e, por fim, a tipologia de área protegida considerada mais adequada aos objectivos de conservação visados, alínea c). Uma vez apresentadas à autoridade nacional, que procede à sua apreciação técnica e pode propor ao membro do Governo responsável pela área do ambiente a respectiva classificação como área protegida de âmbito nacional[19]. Antes da tomada de decisão deverá, no entanto, proceder-se a um período de discussão pública, com o objectivo de recolher observações e sugestões, bem como à promoção da audição das autarquias locais envolvidas. Infra, trataremos a questão da da discussão pública com mais pormenor. O procedimento administrativo termina com a classificação feita por decreto regulamentar [20], que pode interditar ou condicionar a autorização da autoridade nacional, no interior da área protegida, a acções, actos e actividades susceptíveis de colocar em causa o estatuto de protecção conferido. Entre as actividades referidas, está a execução de obras ou empreendimentos, públicos ou privados[21]. Uma vez que se trata de um processo de conservação da natureza, que não se reduz a um mero formalismo, mas antes iniciando uma relação duradoura de protecção, a lei estipula quais as autoridades que devem concorrer para a conservação da natureza e da biodiversidade[22]. Por fim, uma nota para o facto de, enquanto monumentos naturais de âmbito nacional, não disporem de um plano de ordenamento, sendo-lhes aplicável o regime constante dos respectivos actos de criação e dos planos municipais de ordenamento do território[23].

 

 

Não obstante termos defendido, supra, a qualificação das ondas que são objecto do nosso trabalho como “monumentos naturais”, nos termos do Decreto-Lei nº142/2008, importa questionar, no entanto, se as poderemos integrar na Reserva Ecológica Nacional, cujo regime está previsto no Decreto-Lei nº 166/2008, de 22 de Agosto. De facto, atendendo ao conceito que a lei nos dá no Artigo 2º, nº1 – “A REN é uma estrutura biofísica que integra o conjunto das áreas que, pelo seu valor e sensibilidade ecológicos ou pela sua exposição e susceptibilidade perante riscos naturais são objecto de protecção especial” –, conjugado com o número 3 alínea a) – “a REN visa contribuir para a ocupação e o uso sustentáveis do território e tem por objectivos: proteger os recursos naturais água e solo, bem como salvaguardar sistemas e processos biofísicos associados ao litoral” –, parece existir uma forte intimidade com a realidade das ondas que temos vindo a aprofundar. Mais: o Diploma, no Artigo 4º número 1 e 2, ao delimitar quais são as áreas de protecção do litoral que são alvo dos objectivos já referidos, integra nas mesmas tipologias com ligação directa com a realidade das ondas, designadamente a faixa marítima de protecção costeira (alínea a)), as praias (alínea b)), as dunas costeiras (alínea g)), arribas e respectivas faixas de protecção (alínea h)) e a faixa terrestre de protecção costeira (alínea i). Por outras palavras, o fenómeno das ondas está sempre dependente de, pelo menos uma, destas tipologias. Nesse sentido, cumpre analisar melhor uma a uma.

Neste ponto, os anexos do Diploma assumem grande importância.

 

No anexo I, secção I, alínea a), a faixa marítima de protecção costeira é definida como “uma faixa ao longo de toda a costa marítima no sentido do oceano (…) delimitada superiormente pela linha que limita o leito das águas do mar e inferiormente pela batimétrica dos 30m” (nº1), caracterizando-se “pela sua elevada produtividade em termos de recursos biológicos e pelo seu elevado hidrodinamismo responsável pelo equilíbrio dos litorais arenosos, bem como por ser uma área de ocorrência de habitats naturais e de espécies da flora e da fauna marinhas” (nº2). Por esta mesma razão, os usos e acções[24] nesta zona não devem colocar em causa as funções acima descritas, os processos de dinâmica costeira e o equilíbrio dos sistemas biofísicos (nº3)[25].

As praias são definidas na alínea b) do mesmo Anexo e Secção, que as delimita como “a área compreendida entre a linha representativa da profundidade de fecho para o regime da ondulação no respectivo sector de costa e a linha que delimita a actividade do espraio das ondas ou de galgamento durante episódio de temporal” (nº2), correspondendo a “áreas sujeitas à influência das marés e (…) das ondas” (nº1, 2ª parte). Também aqui a lei dispõe que não podem ser realizados usos e acções que coloquem em causa a manutenção dos processos de dinâmica costeira, de conservação dos habitats naturais e das espécies da flora e da fauna, e a manutenção da linha de costa (nº3).

Já no que toca às dunas, procede-se a uma distinção entre dunas costeiras e dunas fósseis, ambas no âmbito da alínea g). As dunas costeiras são “delimitadas, do lado do mar, pela base da duna embrionária ou frontal, ou pela base da escarpa de erosão entalhada no cordão dunar, abrangendo as dunas frontais semi-estabilidazadas, localizadas mais para o interior, e outras dunas estabilizadas pela vegetação ou móveis, cuja morfologia resulta da movimentação da própria duna” (I, nº1), não podendo ser realizados usos e acções que coloquem em causa a garantia dos processos de dinâmica costeira e da diversidade dos sistemas naturais, designadamente da estrutura geomorfológica, dos habitats naturais e das espécies da flora e da fauna (nº3,iii)), o equilíbrio dos sistemas biofísicos (iv)) e a manutenção da linha da costa (v)), entre outros[26]. Já as dunas fósseis, consolidadas e formadas em época geológica antiga, não parecem relevar para a nossa questão, não se justificando por isso maior aprofundamento.

A alínea h) caracteriza as arribas como “uma forma particular de vertente costeira abrupta ou com declive elevado, em regra talhada em materiais coerentes pela acção conjunta dos agentes morfogenéticos marinhos, continentais e biológicos” (nº1), não permitindo que sejam realizados usos e acções que coloquem em risco a constituição de barreira contra fenómenos de galgamento oceânico (nº3, i)), a garantia dos processos de dinâmica costeira (ii)), a garantia da diversidade dos sistemas biofísicos (iiii)), a conservação de habitats naturais e das espécies da flora e da fauna (iv)) e a estabilidade da arriba (v))[27].

Por fim, a faixa terrestre de protecção costeira é delimitada no nº 2 da alínea i) como “a faixa medida a partir da linha que limita o leito das águas do mar para o interior, com a largura adequada à protecção eficaz da zona costeira, a definir com base no declive e na natureza geológica e pedológica, onde se inclui a margem do mar”, ocorrendo em situações de ausência de dunas costeiras ou de arribas (nº1). Nesta área não poderão ser realizados usos e acções que coloquem em causa a conservação de habitats naturais (nº3 ii)) e o equilíbrio dos sistemas biofísicos (iv))[28].

 

Feito este aprofundamento, podemos concluir que, de facto, a ideia inicial não é despropositada: a REN integra áreas específicas que fazem parte da realidade das ondas, no seu sentido amplo. Neste contexto, importa saber como compatibilizar esta protecção com a classificação de monumento natural, que por nós foi defendida supra. A resposta parece ser mais simples do que parece: em bom rigor, qualquer que sejam os termos da protecção – integrando-se enquanto monumento natural, nos termos do DL n.º142/2008, ou enquanto REN, nos termos do DL.nº166/2008 – a verdade é que será garantida a preservação dos elementos naturais em causa, que é sempre o fim último de qualquer um dos dois regimes[29]. Mais, a própria REN integra a Rede Fundamental de Conservação da Natureza, nos termos do Art 5º/1 b) i) e do Art 3º/3 do DL n.º 166/2008, favorecendo a sua conectividade com as áreas integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas – onde se integram os monumentos naturais.

Não obstante esta compatibilização prática, pensamos que a melhor opinião será aquela que considera as ondas que aqui se procura defender como monumentos naturais, na medida em que se trata da conjugação perfeita de uma série de elementos naturais que se traduzem na existência de fenómenos naturais únicos. Por outras palavras, dada a particularidade, isto é, o caso concreto de determinada onda, justifica-se que seja dada a qualificação de monumento natural: já a realidade das tipologias que integram a REN (dunas, faixas de proteccção costeira, e outras que já vimos) são alvo de protecção pelo que são em si mesmas, e não como resultado da combinação de uma séria de elementos naturais como é o caso das ondas, encontrando-se espalhadas por toda a linha costeira portuguesa. Tal não significa, no entanto, que estas não devam ser protegidas – como aliás já vimos que devem – mas significa que, no limite, serão apenas um complemento à protecção dada às ondas enquanto monumentos naturais.

 

 

Perante uma análise do enquadramento legislativo da problemática abordada neste nosso trabalho, assume igual importância o DL.nº197/2005, de 8 de Novembro, relativo à Avaliação do Impacto Ambiental. Este instrumento preventivo é fundamental na política do ambiente e do ordenamento do território[30], tendo por base a realização de estudos ambientais pluridisciplinares e abrangentes (elementos naturais mas também socias e culturais), uma efectiva participação pública e a análise de possíveis alterativas à execução dos projectos por ele abrangidos. O artigo 1º, que define as situações sujeitas a avaliação de impacto ambiental, não deixa margem para dúvidas de que os projectos que colocam em causa as ondas que pretendemos defender estão por ele abrangidos: desde logo por força do nº3, que remete para os anexos I e II, onde podemos constatar que estão incluídos projectos como a construção de portos e instalações portuárias[31], obras costeiras de combate à erosão marítima tendentes a modificar a costa, como por exemplo diques, pontões, paredões e outras obras de defesa contra a acção do mar (quando não estão previstos em planos de ordenamento da orla costeira)[32] e dragagens nas barras entre molhes e nas praias marítimas[33], entre outras potencialmente incluídas. No limite, o nº4 garante essa avaliação ainda que os projectos elencados não estejam abrangidos atendendo aos limiares nele fixados, ou, até, mesmo que não estejam elencados em nenhum anexo, nº5 – basta, para isso, que sejam “susceptíveis de provocar um impacto significativo no ambiente, tendo em conta os critérios estabelecidos no Anexo V”, que tem em conta a sensibilidade geográfica, designadamente em zonas costeiras e zonas protegidas (Anexo V, nº2, a) e e)), e até a irreversibilidade do impacto (nº3), que como já tivemos oportunidade de ver é uma das características do impacto nos casos em análise.

 

 

Por fim, também relevante é o DL.nº56/2002 de 11 de Março, que relaciona o contexto legal e ambiental acima descrito com a realidade social, cultural e económica, estabelecendo assim a ponte de ligação que iremos aprofundar de seguida. Relativamente a este diploma, no âmbito ambiental – designadamente das ondas – importa salientar que este conjuga a realidade das áreas protegidas com os “desportos de natureza[34], que se podem reconduzir aos desportos praticados nas ondas. Assim, uma vez que estamos perante ondas de reconhecida qualidade, parece-nos claro que a realidade legal e ambiental legitima a sua protecção.

 

II.            Impacto Económico

 

Como já tivemos oportunidade de ver, o impacto da destruição ou danificação de uma onda tem efeitos que ultrapassam os efeitos ambientais: pode manifestar-se, também, economicamente desastroso.

 

Neste trabalho vamos abordar essa perspectiva económica tendo em conta três áreas: o turismo, as actividades locais e a oportunidade de investimento que as ondas representam.

 

Turismo

 

Os espaços naturais surgem cada vez mais, no contexto nacional mas também internacional, como destinos turísticos em que a existência de valores naturais e culturais constituem atributos indissociáveis do turismo de natureza. Neste sentido, perante a exigência de uma resposta ao surgimento de outros tipos de procura, nomeadamente a procura de actividades ligadas ao recreio, ao lazer e ao contacto com a natureza e a cultura local, torna-se vital proteger determinadas áreas.

O contexto actual de crise, que se materializa em fortes obstáculos ao desenvolvimento – leia-se, crescimento – da nossa economia, impõe alternativas viáveis que permitam a Portugal dar a volta à difícil situação. Assim, e uma vez que a falta de eficiência e a produtividade da nossa economia se mostra uma realidade difícil de combater, importa retirar vantagens do que, em parte e aparentemente, nos coloca nesta situação: a nossa localização geográfica. Por outras palavras, o facto de não estarmos no centro da Europa, nem de beneficiarmos de recursos naturais que potencializem a nossa economia (como é o caso do petróleo na Noruega, do carvão na Alemanha, ou do ferro na Suécia), não significa que não sejamos privilegiados do ponto de vista natural. De facto, sem prejuízo de existirem outras áreas naturais igualmente únicas no nosso país, a nossa linha costeira apresenta uma série de particularidades bastante atractivas. A conjugação de um clima amigável com praias de uma beleza rara e com águas limpas, bem como outras realidades impressionantes que envolvem a linha costeira portuguesa, são um importante ponto de atracção turística que importa salvaguardar. Considerando que o turismo de natureza é, ainda, uma vertente da actividade turística incipiente no nosso país, torna-se urgente dotá-la de capacidade de afirmação e competitividade. No entanto, a par dessa atitude, para que dê, de facto, resultado, é também necessário que se proceda à regulamentação necessária à compatibilização com a preservação dos valores naturais e com as premissas do desenvolvimento local sustentável.

Perante este enquadramento, a reconhecida qualidade das ondas portuguesas assume-se como uma realidade a ser preservada. Portugal é reconhecido, no mundo dos desportos náuticos praticados nas ondas, como um dos melhores locais do Mundo para a prática dos mesmos, com diversas reportagens internacionais publicadas a este respeito. Assim, numa primeira linha, podemos retirar, desde logo, duas consequências: procura estrangeira e procura nacional. Em termos breves, a procura estrangeira é alimentada – para além da qualidade das ondas, naturalmente – pelas águas temperadas desta zona do atlântico, simpatia do povo português, gastronomia local e acessibilidade do custo de vida. Já a procura nacional é alimentada pela (tendencial) falta de recursos financeiros para viajar para fora de Portugal, que leva a que os apreciadores dessas actividades se desloquem internamente.

Perguntar-se-á se o impacto no sector turístico que resulta da procura de Portugal pelas suas ondas é significativo. A resposta deve ser afirmativa, desde logo por quatro razões: não se trata apenas de uma modalidade ou duas, há vários desportos que têm como objecto (a qualidade das) ondas; actualmente as actividades como o surf já não estão mais ligadas ao estereótipo de – na falta de melhor expressão na língua portuguesa – “anti-establishment”, mas antes integradas nas diversas classes sociais e profissões, o que se traduz em praticantes com poder económico e, consequentemente, interesse económico enquanto conjunto; tais desportos têm vindo a ganhar cada vez mais praticantes, como é o caso do surf, que tem registado um crescimento exponencial, sendo considerado um dos desportos (no mundo) que maior aumento de praticantes tem registado nos últimos 10 anos; e, por fim, pela própria natureza que é intrínseca a este tipo de desportos, que se traduz na constante procura pela “melhor” onda.

Importa, ainda, referir outro factor relevante: o turismo decorrente das ondas é um turismo realizado todo o ano, dispensando a sazonalidade típica do turismo. Mais: no limite, se quisermos defender que há uma dita “época forte”, esta tende a coincidir, curiosamente, com a época baixa dos restantes sectores do turismo – o Inverno. Cumpre, ainda, fazer uma breve nota dizendo que, no seguimento do argumento já apresentado no parágrafo anterior, o turismo em causa não se encontra limitado a determinado tipo ou classificação de empreendimentos turísticos, mostrando-se relevante para a actividade económica, desde pequenas unidades até hotéis de classificação superior.

 

O DL.nº56/2002 de 11 de Março, já referido infra, é prova do reconhecimento do legislador da importância do “turismo de natureza” (Artigo1º) integrando no conceito do mesmo as modalidades de “desporto de natureza”, conforme resulta dos Artigo 2º, número 2 e) e 9º número 3[35].

 

Actividades Locais

 

Relativamente às actividades locais, enquadramos aqui a pesca e o comércio local.

A pesca está intrinsecamente ligada ao mar, mas não às ondas necessariamente. Tal não significa, contudo, que não seja afectada com a construção de empreendimentos que colocam em causa a faixa costeira. De facto, se é verdade que em certos casos tais infra-estruturas poderão ter um reflexo positivo na actividade – a nível, por exemplo, da protecção das embarcações –, também é certo que podem trazer consequências negativas – uma vez que colocam em causa a biodiversidade natural, nomeadamente a vida marinha, poderão também significar escassez de peixe.

 

Já no que toca ao comércio local a questão é bastante diferente. Dependendo, naturalmente, do tipo de actividade em que o projecto consiste, regra geral, o comércio local tenderá a sair prejudicado. A deslocação de praticantes de desportos em ondas para os locais onde elas existem é uma realidade diária, semanal, mensal e anual – sempre ininterrupta, pelo menos enquanto há luz. Para confirmar este facto basta, aliás, ir até à praia de Carcavelos num qualquer dia do ano. O facto de por vezes as ondas não estarem boas e isso afastar as pessoas de determinado local não constitui um problema, fazendo, quanto muito, parte da dinâmica que o constitui: tal situação significa que a deslocação está a ocorrer para outra zona onde o mar está melhor… e onde também há comércio local. Assim, em termos práticos isto implica que haja um constante consumo nos restaurantes, cafés, parques de estacionamento pagos, entre outros negócios locais. No limite, podemos até concluir que – na medida em que a época balnear se resume apenas a três meses em doze[36] e uma vez que, apesar das pessoas se deslocarem às praias nos dias de bom tempo ao longo do ano, tal apenas acontecerá, em princípio, em fins-de-semana, feriados ou férias – é a deslocação dos praticantes das modalidades desportivas que garante o negócio (pelo menos parte dele) durante a chamada “época baixa”, desde logo porque, em princípio, não se trata de locais urbanos ao ponto de beneficiarem de um fluxo significativo de pessoas que sejam trabalhadores nas imediações, ou em situações análogas.

 

Oportunidades de Investimento

 

A qualidade das ondas portuguesas constitui uma oportunidade de investimento, ainda que numa altura de recessão económica: os números comprovam que o investimento feito em matérias relacionadas com os desportos de ondas – seja a nível de publicidade (por exemplo a nível de promoção turística ou de anúncios publicitários) seja a nível de competição – tendem a ter retorno financeiro. Vejamos alguns exemplos.

 

A realização do campeonato Capítulo Perfeito 2013, na praia de Supertubos (Peniche), constitui um dos exemplos paradigmáticos. Este evento foi visto por cerca de 70 mil pessoas através das transmissões televisivas e online, para além dos milhares de pessoas que se deslocaram até à praia para ver os surfistas em acção, gerando mais de 1,5 milhões de euros em publicidade directa em meios de televisão, imprensa, radio e internet[37]. Importa, neste contexto, referir que este evento se realizou numa 3ª feira (dia 19 de Fevereiro) e não num fim-de-semana ou feriado – o que, face aos números de pessoas que seguiram o evento ao longo do dia, não deixa de ser exemplificativo da realidade actual no que toca aos desportos de ondas: eles estão em expansão. Outra prova de que se trata de um investimento com retorno é o facto de esta ser já a segunda edição, estando até já prevista uma terceira para 2014. Como efeito directo deste sucesso, diversas marcas têm procurado associar-se a estas iniciativas, nomeadamente marcas cuja quota no mercado nada tem que ver, em princípio, com o surf: é o caso da Fiat, da TMN, da MEO e da Boundi, no caso concreto do Capítulo Perfeito.

 

Ainda dentro da oportunidade para gerar lucro que os campeonatos de surf representam, surge outro exemplo: o Rip Curl Pro, realizado em Peniche. Desde 2009 que o circuito mundial de surf passa por Peniche, atraindo milhares de entusiastas nacionais e internacionais (por exemplo, espanhóis, uma vez que não nenhuma das etapas passa por Espanha), sendo a sua transmissão directa feita para milhões de pessoas em todo Mundo. De facto, através de Peniche, estamos a promover Portugal: a nível de turismo direcionado para os desportos das ondas mas não só.

Para percebermos melhor o nível de investimento privado que este evento envolve, analisemos os números: em 1,5 milhões de euros de investimento, o Turismo de Portugal avançou com 250 mil euros este ano, o que não chega a 20%[38]. Ou seja, comparando com outras grandes iniciativas, que se calhar só existem porque o Estado as apoia, este apoio de cerca de 15% significa que os outros 85% são resultado da iniciativa privada. Esta situação é reveladora da posição da iniciativa privada neste tipo de eventos, que acredita e investe.

 

Outro exemplo de investimento cujo retorno financeiro foi (é) claro consiste no investimento por detrás das ondas da Nazaré. A ideia é simples: a zona costeira da Nazaré beneficia de um fenómeno raro em todo o Mundo – um fenómeno geomorfológico submarino que lhe permite ter ondas de um tamanho e perfeição fora do normal – e há quem esteja disposto a surfá-las. Isto não significa, contudo, que o retorno económico deste tipo de eventos esteja apenas no dia em que a maior onda de sempre é surfada ou nos dias em que os atletas surfam: estamos perante um tipo de actividade que gera muita curiosidade e que movimenta muita gente ao longo de todo o ano, até porque as ondas que deram fama à região estão sempre lá. A ideia base do projecto de investimento assenta, assim, na ideia de que as ondas gigantes que levam a Nazaré a todo o mundo, podem também ser aquelas que vão trazer todo o mundo à Nazaré, impulsionando a economia da região e do país.

Com um investimento de 500 mil euros para um projecto de três anos, assegurado em 98% pelas marcas patrocinadores (nacionais e internacionais) e apenas 2% pela Câmara da Nazaré, acredita-se que o impacto económico na região a curto, médio e longo prazo será significativo, desde logo porque servirá para atenuar a sazonalidade do turismo. Quanto ao retorno financeiro das marcas, também ele parece salvaguardado: a ZON, uma das principais marcas patrocinadoras do projecto, estima que valor do retorno financeiro seja de um milhão de euros tomando em conta, apenas, o impacto nos media nacional[39].

A força da imagem foi o grande impulsionador desta campanha que fez com que o mar da Nazaré chegasse a todo o mundo, através da imprensa estrangeira e da internet – atraindo a atenção de media prestigiados como é o caso do jornal britânico “The Times”, que fez capa com uma fotografia da onda tirada por um português, e da CNN, que enviou uma equipa para Portugal com o único efeito de fazer uma reportagem sobre as ondas e a região.

 

É certo que nem todas as ondas têm a capacidade de alterar a economia de uma região inteira, mas é inegável que existem casos em que isso acontece: no início do nosso trabalho ressalvamos que o mesmo assentava sobre ondas de qualidade para a prática de desportos de ondas acima da média e a costa portuguesa está repleta delas, de Norte a Sul do país. Por outras palavras, ao dispormos de um património natural único, susceptível de investimento sem que o mesmo seja posto em causa, temos uma possível solução para dar a volta à difícil conjuntura económica em que vivemos – o mundo não está condenado a ficar imobilizado e é em áreas emergentes, como o desporto de ondas, que as coisas devem mudar. A prova desta realidade é-nos dada pelas próprias marcas, que estão a passar por fases economicamente muito difíceis mas que cada vez mais se associam ao surf e outros desportos idênticos.

 

III.           Impacto Político

 

Atravessamos, neste momento, um período em que, cada vez mais, se assiste a um debate, abrangente e transversal, em torno das potencialidades económicas, desportivas e energético-ambientais do mar, nos órgãos político-administrativos e no espaço público português. Dos mais altos dirigentes políticos aos media nacionais, passando pelas autarquias e associações locais, o mar tornou-se tema de agenda, segundo uma perspectiva de valorização e potencialização de recursos com vista a alavancar importantes sectores da sociedade e economia portuguesas. Mais: a própria Europa está cada vez mais voltada para o oceano.

Vejamos dois exemplos reveladores dessa tendência.

Em Setembro de 2011, um deputado do PSD, ex-vereador da Câmara Municipal de Mafra, inaugurou a sessão plenária na Assembleia da República com a primeira alocação política subordinada ao surf e desportos análogos, algo nunca antes enunciado na sede do parlamento nacional. Começando por evocar e congratular a consagração da Ericeira como Reserva Mundial de Surf (questão a ser desenvolvida infra), o deputado estendeu o seu discurso à globalidade do país, sublinhando a importância estratégica dos desportos de ondas para a potencialização do turismo e da economia do mar.

Já o segundo exemplo remete-nos para a Irlanda, que tomou uma decisão histórica que pode muito bem constituir um valioso precedente na questão da protecção das zonas de surf da União Europeia: os membros da câmara municipal da cidade irlandesa de Bundoran indeferiram unanimemente a autorização para um projecto que iria transformar uma das melhores ondas do país numa marina. A decisão foi tomada após anos de intensa discussão entre os promotores da obra, que viam na marina uma forma de incentivar a economia local, e os surfistas, que defendiam a onda como uma fonte de turismo natural sem custos de manutenção. Perante um cepticismo inicial demonstrado por parte da assembleia municipal, que questionava o impacto financeiro do surf-turismo, os vereadores acabaram convencidos de que as ondas de Bundoran constituíam uma das maiores atracções da cidade, sobretudo após terem sido ouvidos os testemunhos de vários proprietários de estabelecimentos comerciais cuja actividade beneficia directamente das constantes visitas de surfistas[40].

De facto, ainda que tenha ocorrido na Irlanda, este caso é manifestamente exemplificativo de que cada vez mais o poder político procura proteger os seus tesouros naturais – as ondas, entenda-se –, cuja notoriedade gera incalculáveis quantidades de marketing gratuito para as regiões.

 

IV.          Impacto Social e Cultural

 

Os desportos são actividades que têm, essencialmente, duas consequências: melhoram a saúde de quem os pratica e permitem uma maior interacção e coesão social.

Perante uma sociedade com cada vez piores hábitos ao nível da saúde, os desportos de ondas contrariam essa tendência, melhorando a aptidão física dos praticantes e, consequentemente, melhorando a sua qualidade de vida. De facto, trata-se de actividades praticadas ao ar livre, em pleno contacto com a natureza, cujos efeitos físicos – e até psicológicos – são evidentes.

Outra consequência da prática dos desportos de ondas é a sua importância para a educação, integração e formação dos praticantes (em especial dos jovens), já que abrangem todas as classes sociais e todos os grupos etários da população, tal como a promoção dos valores democráticos e sociais. Através do desporto garantem-se, assim, diversos valores, como a inserção, a participação na vida social, a tolerância, a aceitação das diferenças e a noção do respeito pelas regras. O desporto é um direito de qualquer cidadão, i.e, as actividades desportivas são acessíveis a todos e quaisquer que sejam as suas capacidades ou interesses subjacentes, funcionado como um elemento de união social e de identidade cultural. Estas consequências socias e culturais têm efeitos concretos bastante importantes, nomeadamente manter os jovens afastados de um estilo de vida pouco saudável, como o uso de drogas e o crime. O princípio da função social e pública do património natural está, aliás, previsto no artigo 4º número a) do DL.Nº142/2008 de 24 de Julho, que associa expressamente o património natural ao desenvolvimento social e à qualidade de vida dos cidadãos.

 

Neste enquadramento, importa ainda referir a letra da Constituição da República Portuguesa, que prevê no Artigo 9º alínea d) que incumbe ao Estado “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses”. Mais, atendendo à construção de um carácter amigo do ambiente que, tendencialmente, decorre da prática de desportos de ondas, podemos ainda sugerir, no limite, o enquadramento na alínea g) do Artigo 66º da CRP, que dispõe que incumbe ao Estado “promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente”.

 

 

Como consequência do interesse social que a problemática envolve, é dada aos interessados a possibilidade de participar no procedimento que envolve a autorização de um projecto susceptível de os prejudicar[41]. A necessidade dos diversos grupos sociais existentes na comunidade intervirem, não só de forma consultiva mas também com um papel activo na tomada de decisões relevantes para o ambiente, resulta da exigência de transparência da intervenção administrativa: se é necessário prevenir os atentados ambientais e garantir que os seus causadores sejam responsabilizados, é consequentemente imperioso permitir que os cidadãos – individualmente considerados ou organizados em grupos ou associações – possam ser ouvidos na formulação e execução da política de ambiente. Face ao disposto, o direito de informação assume grande importância, uma vez que apenas quando os cidadãos estão devidamente informados é que poderá estar garantida a utilidade do exercido dos seus direitos de participação.

 

Este interesse, constitucionalmente previsto no Artigo 52º número 3 da CRP, é tutelado, desde logo, pela Lei de Bases do Ambiente, designadamente nos artigos 3º alínea c)[42] e 4º alínea i)[43], cujo regime é concretizado na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto. No que toca à nossa problemática em concreto, conforme o enquadramento legislativo que foi feito supra relativamente ao impacto ambiental, relevam os artigos 2º alíneas f) e m), 4º alínea c), 14º, 15º e 16º do DL.nº197/2005 de 8 de Novembro (relativo à Avaliação de Impacto Ambiental) e o artigo 14º números 4, 5 e 6 do DL.nº142/2008 de 24 de Julho (relativo às áreas protegidas).

Nota, ainda, para a relevância da Lei 35/98 de 18 de Julho, quando a participação é feita sob a forma de associações[44]. Nesse caso relevam os artigos 2º, 5º, 6º, 9º número 1 e, por fim, o 10º.

 

Casos reais paradigmáticos

 

Esta problemática não assume contornos meramente abstractos. De facto, ao longo dos últimos anos, várias foram as situações em que ondas de reconhecida qualidade e com manifestos efeitos económico-sociais foram destruídas. Relativamente a essas pouco resta a fazer, atendendo ao carácter irreversível da intervenção já aqui referido: no entanto, cumpre alertar para a situação e impedir que o mesmo aconteça noutros locais, hoje ameaçados.

 

A primeira construção de que pretendo falar é o quebra-mar construído no Jardim do Mar, no concelho da Calheta. O seu carácter intromissivo no elemento natural concretizou-se na forma de blocos de cimento que enterraram e modificaram a linha costeira, comprometendo a constituição geológica do local e espécies animais e vegetais, estragando, para sempre, a melhor onda da ilha e uma das melhores ondas do mundo.

A acrescentar à óbvia intromissão ambiental, está o facto de nada acrescentar a nível económico ou de segurança, antes pelo contrário. A nível económico não só não potencializou a pesca no local como provocou o fim do turismo e comércio local, já que, uma vez que não se trata de uma zona turística como certas regiões da ilha da Madeira, os negócios locais acusavam uma forte dependência da passagem de turistas de natureza ao longo do ano. Já em termos de segurança para a população, o projecto – sob pena de não ter cumprido o único propósito que poderia relevar – não respeitou a regra da sua própria sustentabilidade, não procedendo a uma leitura correcta do comportamento do mar a médio-longo prazo, sendo já visível, poucos anos depois, uma forte erosão de toda a construção, que alguns especialistas apontam que ceda no espaço temporal de dez anos. Ou seja, não só foi destruído de forma permanente, sem que interesses maiores assim o exigissem, um local geologicamente único, como o projecto, aparentemente, foi mal elaborado e concretizado, comprometendo a sua durabilidade e exigindo que, a médio prazo, se tenha que proceder à reconstrução – implicando mais despesas a ser cobertas por dinheiro público.

A forte redução do número de visitantes foi evidente, sendo que, actualmente, para além de uma obra esteticamente pouco conseguida, à população local pouco mais resta do que indignação para com a actuação do governo regional. Um facto curioso, revelador da noção que o governo regional tem da importância das ondas, é estar uma imagem – desactualizada, claro está – da onda do Jardim do Mar à entrada do aeroporto da Madeira.

 

Ainda dentro da Ilha da Madeira, surgiu outro caso polémico em que a actuação do Governo Regional colocou em causa uma onda de reconhecida qualidade. Abstraindo-nos, agora, dos efeitos ambientais e socio-económicos implícitos, este caso releva, também, pelo facto de ter tido como base um estudo notoriamente defeituoso: procedeu-se à construção de uma marina (a marina do Lugar de Baixo) num local fustigado frequentemente pela ondulação marítima, o que em termos práticos se traduz numa onda que parte exactamente no sítio por onde as embarcações entram e saem da marina. Assim, dada a aparente falta de consulta ao mais básico senso comum – e, possivelmente, a falta de consulta a pescadores, surfistas ou a quem realmente percebe de mar e de ondas – construiu-se uma marina potencialmente incapaz de cumprir a função para a qual foi projectada.

 

Um terceiro exemplo, desta vez em Portugal Continental, prende-se com o caso da onda de Santo Amaro de Oeiras. Nos primeiros anos da década passada, perante a construção de um pontão a meio de uma das melhores ondas de Portugal e da Europa, procedeu-se a um movimento espontâneo com o intuito de proteger a onda, despertando uma atenção inédita junto da comunicação social, tendo sido alvo de cobertura nos noticiários das estações televisivas, jornais e rádio. Perante a projecção deste movimento, a Câmara Municipal de Oeiras acabou por se reunir com os seus representantes, mostrando-se disponível para remediar a situação – visto que parte do pontão há havia sido construído. Assim, numa atitude reveladora da noção do impacto que uma onda pode ter numa região, a CM de Oeiras acabou por concordar em reduzir os 120 metros originais do pontão para metade, procurando salvaguardar parte da qualidade da onda, que ainda assim sofreu notórias alterações.

Esta atitude – ainda que tardia – dos órgãos políticos em causa revelou compreensão face à causa que aqui abordamos, constituindo, por isso, um exemplo paradigmático da importância de proteger os interesses subjacentes à destruição de uma onda.

 

Em 2005 surgiu uma nova ameaça, desta vez relativamente a uma das melhores ondas urbanas do mundo: a praia de Carcavelos. Esta situação mostrou-se especialmente alarmante face ao facto de esta ser, possivelmente, a praia que mais surfistas movimenta – todos os dias, ao longo de todo o ano – em Portugal, face ao fácil acesso que beneficia por parte de quem vive, ou trabalha, quer na zona de Lisboa, quer na zona de Cascais.

 

Por fim, e uma vez que há um limite de páginas a cumprir, resta fazer uma nota breve – mas bastante importante – sobre a nomeação da Ericeira como Reserva Mundial de Surf, a primeira na Europa e a segunda no mundo inteiro. Classificando este trecho de costa “perdido” algures num país periférico como Portugal como sendo de interesse público e uma espécie de património da humanidade[45] permite-nos retirar duas conclusões que vão de encontro com o nosso trabalho: Portugal alberga ondas de qualidade mundialmente reconhecida e há um esforço em procurar potencializar – e por isso, salvaguardar – as mesmas.


Conclusão

 

Portugal tem o maior mar da Comunidade Europeia, tem as melhores ondas da Europa e tem o melhor peixe do mundo. Falta, apenas, acreditarmos que estas são, possivelmente, as nossas maiores riquezas – e potencializá-las.

Ano para ano o mar vai reconquistando o lugar que sempre deveria ter mantido no coração e cabeça dos Portugueses. O mar está dentro de nós, na nossa poesia, na nossa gastronomia, no ar que respiramos, na nossa personalidade. E os desportos de ondas, em particular, estão cada vez mais presentes na nossa realidade social, cultural e económica. Ainda assim, o surf continua a não ser considerado nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) de obras costeiras privadas ou de intervenção pública.

Portugal tem uma extensa zona costeira, comparativamente com a sua área geográfica, pelo que desde cedo demonstrou preocupação com a sua preservação, tendo mesmo uma das mais antigas, se não a mais antiga, legislação sobre esta temática, de que a criação da figura de domínio público marítimo, no século XIX, é um exemplo. Não obstante, ao longo dos últimos anos temos assistido a uma política de ocupação e gestão da zona costeira que parece colocar em evidência os interesses (essencialmente) económicos subjacentes às construções que a colocam em risco, em detrimento dos interesses sociais, culturais e também económicos que resultam do recurso natural que são as ondas – que, ao contrário das infra-estruturas, não exigem custos de construção nem de manutenção.

É certo que é uma questão que deve ser analisada casuisticamente, afinal, em bom rigor, trata-se de uma questão de ponderação de interesses: por essa mesma razão é que defendemos que deve ser um (sério) critério de decisão no âmbito da avaliação do impacto ambiental – com efectiva relevância –, permitindo a participação pública e promovendo a investigação científica e objectiva sobre o custo-benefício de um determinado projecto em análise. Mais: sem prejuízo da adopção de medidas mais formais, sejam administrativas, institucionais ou jurídicas, urge, sobretudo, garantir uma plataforma de diálogo entre as partes interessadas, uma vez que muitas vezes a resolução poderá estar na flexibilização. De facto, ainda que se proceda à construção, o projecto poderá, eventualmente, ser corrigido de forma a não afectar a qualidade das ondas sem que essa alteração coloque em causa o fim do mesmo. O resultado dessa preservação pode revelar-se bem significativo: os factos comprovam que uma onda ao final da rua pode alterar a economia e a comunidade de uma região inteira.

 

 

“Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.”


 

 

Bibliografia

 

CLÁUDIA MARIA CRUZ SANTOS, “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, 1998.

DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Análise Preliminar da Lei de Bases do Ambiente”, in “Textos – Ambiente, CEJ, 1994.

DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Direito Administrativo”, Volume I, Almedina, 2012.

J.J. GOMES CANOTILHO, “Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais”, Boletim da Universidade de Direito de Coimbra, Volume 69, 1993.

PAULO OTERO, “Legalidade e Administração Pública”, Almedina, 2003.

VASCO PEREIRA DA SILVA, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2004.


Legislação

 

Constituição da República Portuguesa

Lei de Bases do Ambiente

DL n.º197/2005, de 8 de Novembro

DL n.º135/2012, de 29 de Junho

DL n.º112/2002, de 17 de Abril

DL n.º142/2008, de 24 de Julho

DL n.º166/2008, de 22 de Agosto

DL n.º56/2002, de 11 de Março

Portaria n.º53/2008, de 18 de Janeiro

Relatório “Bases para a Estratégia da Gestão Integrada das Zonas Costeiras, versão final de Junho de 2006.

 
Índice

 

Introdução
Página 1
Desenvolvimento – primeira aproximação
2
Sujeitos
4
Impacto Ambiental
8
Impacto Económico
18
Impacto Político
25
Impacto Social e Cultural
26
Casos reais paradigmáticos
28
Conclusão
31

 



[1] Exemplo do “Pescador de Chalupa”, VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2004.
[2] Especificidade do Direito do Ambiente, cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2004.
[3] Cfr. Artigo 183º, nº3, da Constituição da República Portuguesa; Decreto-Lei n.º7/2012, de 17 de Janeiro.
[4] Cfr. Decreto-Lei n.º135/2012, de 29 de Junho.
[5] Cfr. Artigos 249º e ss da Constituição da República Portuguesa.
[6] V. Infra.
[7] V. Infra.
[8] Cfr. O entendimento do Sr. Professor Freitas do Amaral, que, utilizando a expressão “ofensa ecológica”, qualifica como dano ambiental “todo o acto ou facto humano, culposo ou não, que tenha como resultado a produção de um dano nos componentes ambientais protegidos por lei”. DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Análise Preliminar da Lei de Bases do Ambiente”, in Textos – Ambiente, CEJ, 1994, p. 249.
[9] Cfr. Alínea b) do Artigo citado, da CRP.
[10] Cfr. Alínea c) do Artigo citado, da CRP.
[11] Lei n.º11/87, de 7 de Abril, alterada pela Lei n.º13/2002, de 19 de Fevereiro.
[12] O artigo 5º, número 2, alínea d) estabelece o conceito de continuum naturale como “o sistema contínuo de ocorrências naturais que constituem o suporte da vida silvestre e da manutenção do potencial genético e que contribui para o equilíbrio e estabilidade do território”.
 
[13] O Decreto-Lei nº 112/2002, de 17 de Abril, define as duas qualificações de águas marítimas.
[14] Cfr. Artigo 5º, número 1, alínea a) subalínea i) e Artigo 9º, número 1.
[15] Cfr. Artigo 20º, número 2.
[16] Cfr. Artigo 12º.
[17] Cfr. Artigo 13º, números 1 e 3.
[18] Cfr. Artigo 14º, número 1.
[19] Cfr. Número 2 do Artigo citado.
[20] Nos termos do número 3 do Artigo 14º.
[21] Cfr. Número 4 do Artigo citado.
[22] Cfr. Artigo 8º.
[23] Cfr. Artigo 23º, número 3.
[24] Cfr. Artigo 20º, número 1.
[25] Assim como a segurança de pessoas e bens, cfr. a subalínea iv) do mesmo preceito.
[26] Alíneas i), ii), vi) e vii).
[27] As outras subalíneas que o preceito dispõe, vii) e viii), têm conta a segurança das pessoas e bens e a prevenção de riscos, respectivamente.
[28] O preceito complementa, ainda, com as subalíneas i) e iii).
[29] Cfr. Artigo 29º da Lei de Bases do Ambiente.
[30] Cfr. Artigos 30º e 31º da Lei de Bases do Ambiente.
[31] Cfr. Anexos I – 8 a) e II – 10 e).
[32] Cfr. Alínea k).
[33] Cfr. Alínea n).
[34] Cfr. Artigo 2º, número 2, alínea e) e Artigo 4º.
[35] O artigo 9º, número 3, dispõe que se consideram actividades de desporto de natureza “todas as que sejam praticadas em contacto directo com a natureza e que, pelas suas características, possam ser praticadas de forma não nociva para a conservação da natureza”. Assim, usando a definição de surf, bodyboard, windsurf, kitesurf e kayaksurf que resulta do Artigo 34º da Portaria nº53/2008 de 18 Janeiro, podemos concluir que essas modalidades se enquadram nos termos do Diploma
[36] Cfr. Decreto-Lei n.º 44/2004, de 19 de Agosto.
[37] Números divulgados pela organização do evento.
[38] Revista Surf Portugal, número 225, Outubro de 2011.
[39] Jornal Expresso, 26 de Janeiro de 2013.
[40] Revista Surf Portugal, número 139, Agosto de 2004.
[41] Cfr. CLÁUDIA MARIA CRUZ SANTOS, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998.
[42] Referente ao Princípio da Participação, onde se lê “os diferentes grupos sociais devem intervir na formulação e execução da política de ambiente e ordenamento do território, através dos órgãos competentes de administração central, regional e local e de outras pessoas colectivas de direito público ou de pessoas e entidades privadas”.
[43]Que dispõe que deverá ser promovida a participação das populações “na formulação e execução da política de ambiente e qualidade de vida, bem como o estabelecimento de fluxos contínuos de informação entre os órgãos da Administração por ela responsáveis e os cidadãos a quem se dirige”.
[44] Revogou a Lei n.º10/87, de 4 de Abril.
[45] O enquadramento jurídico da qualificação enquanto Reserva Mundial de Surf não é claro, mas parece não recolher em si (ainda, pelo menos) força jurídica para torná-la vinculativa para os decisores políticos e entidades privadas.



Filipe Valentim Ramos, nº18136

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