sexta-feira, 17 de maio de 2013

DIREITO DE PROPRIEDADE E PROTEÇÃO AMBIENTAL.


O conceito de propriedade, sua regulamentação legal e sua consequente disponibilidade e uso por meio particular está intimamente ligado com o fundamento ambiente, devendo ser observada a vinculação com o objetivo de proteção ambiental.

            A propriedade é um direito real que confere a posse de determinada coisa a uma pessoa, bem como confere o direito de usar, gozar e dispor da mesma.

Contudo, com a evolução e mudanças sociais é preciso levar em conta os limites impostos a tal direito, tendo a consciência de que a propriedade não é um direito intangível e imutável, mas que esta em constante mudança, sendo modelado de acordo com as necessidades sociais.

Claramente, a propriedade é um dos institutos jurídicos que mais sofre afetação pela novidade da legislação ambiental, sendo que seu conceito clássico deve sofrer alterações para que o exercício deste direito seja compatível com a proteção ao meio ambiente.

            Encontra-se regulamentado por diversas maneiras a ligação entre o meio ambiente e o ser humano, devendo a proteção ambiental ser cada vez mais encarada como um direito-dever.

            Contudo, nem sempre houve tal preocupação, esta tem se intensificado na medida em que o desequilíbrio ecológico passa a se tornar uma realidade concreta e a degradação ambiental se acentua progressivamente.

Assim, faz-se necessário criar meios que impeçam as condutas que degradam o meio ambiente. A sociedade se encontra obrigada a exigir do Estado mecanismos de preservação do meio ambiente.

Assim, na medida em que todos tem um direito de usufruir de um meio ecologicamente equilibrado, sendo possível exigir medidas estatais que visem sua proteção, também tem o dever de manter e cuidar deste meio. Cabe ao particular, ao lado do Estado, garantir o implemento da dignidade humana e da natureza em si mesma considerada. 

A admissão de uma função ambiental levou a alterações quanto as incumbências do Estado, sendo que este passa a dividir as responsabilidades, os ônus de proteção ambiental com o particular, excluindo do âmbito essencialmente público. Como consequência, os deveres passam aos particulares e a coletividade como um todo.

Nesse sentido, permite-se maior proteção ao bem ambiental, tendo em vista um olhar a partir de toda a sociedade, sendo este patrimônio considerado um bem de interesse público, surgindo assim uma via para a superação da bipartição entre bem público e bem particular.

Contudo, é preciso esclarecer que o patrimônio ambiental e o público não se confundem, o meio ambiente não deve ser considerado propriedade estatal, mas na verdade uma propriedade da humanidade.

Considerando estes argumentos, a legislação ambiental impõe que o exercício de propriedade atenda aos requisitos de proteção ao meio ambiente, podendo haver consequência de que a própria propriedade não mereça proteção.

Deve-se pensar no direito ambiental não como um direito unitário, mas vê-lo como um feixe de direitos, havendo múltiplos destinatários.

Identifica-se, também, a importância e preocupação internacional com a matéria, tendo como base a Conferência de Estocolmo de 1972, a qual visou a sistematização de mecanismos de proteção ambiental. Resultou em uma Declaração que já em seu princípio primeiro delimita: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras".

Esta conferencia foi objeto da necessidade de se reger temas ambientais que pudessem levar a conflitos internacionais, pois as nações mais desenvolvidas acreditavam que o crescimento econômico de suporte industrial e o crescimento demográfico dos países em desenvolvimento eram os grandes responsáveis pela poluição e degradação dos recursos naturais não renováveis.

Alguns anos mais tarde, foi realizada a Conferência das Nações de Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, segunda manifestação solene da ONU em prol do meio ambiente. Resultando na elaboração da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo princípio primeiro estabelece: "Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente”. Neste documento ficou clara a necessidade de proteção ambiental voltada para o ser humano, bem como reafirmava-se a expressão desenvolvimento sustentável.

Na mesma Conferência em 1992 foi definida a Agenda 21, a qual consiste em um guia para implantação de ações para a proteção ambiental no século XXI. Esta deve ser vista como uma proposta estratégica destinada a subsidiar um planejamento estratégico, sendo adaptadas no tempo e no espaço as peculiaridades de cada país e a vontade de sua população, devendo haver conformidade com os princípios contidos na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

            No Brasil, no âmbito interno, a Constituição Federal de 1988 outorga fundamentabilidade em relação ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme notamos pela transcrição do artigo 225 deste diploma legal:

 

Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

 

 

Este artigo reflete a preocupação em proteger e preservar o meio ambiente para as gerações futuras, sem comprometer o gozo desses mesmos bens pelas gerações atuais.

Logo, nota-se que apesar de o direito ao meio ambiente equilibrado não estar incluído no catálogo dos direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Brasileira, é encarado como um direito desta natureza, uma vez que está caracterizado o equilíbrio ecológico como bem essencial à sadia qualidade de vida.

Considerando o meio ambiente um bem coletivo, de uso comum do povo e essencial para que haja uma boa qualidade de vida, o artigo 225, supracitado, impõe uma orientação para todo ordenamento infraconstitucional, sendo o poder público e a coletividade obrigados a defendê-lo e preservá-lo, prevendo sanções para as condutas ou atividades lesivas.

            Levando em conta o exposto, a preservação do ambiente passa a ser a base para a política econômica e social. Assim não poderia ser diferente, na medida em que as normas de outros ramos jurídicos que se relacionam com o conceito de meio ambiente, devem ser legisladas levando em conta a ideologia constitucional das normas ambientais.

O artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal do Brasil prevê: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.  

Este mesmo artigo, conjuntamente à consagração do direito ao meio ambiente equilibrado, traz os princípios da propriedade privada (inciso II - propriedade privada) e da livre exploração econômica (Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei).

            Tal estipulação pode levar de primeiro momento aparente contradição, pois o instituto da propriedade privada, de início, pode parecer possuir uma concepção individualista. Sendo tal concepção evidenciada quando se analisa conjuntamente o caput do artigo 1228 do novo Código Civil Brasileiro, disposto abaixo:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

 

            Nesse sentido, principalmente quando leva-se em conta que na Idade Moderna, com o incremento comercial e especulação da propriedade levou a uma regressão ao individualismo, adquirindo, assim, o direito de propriedade um caráter subjetivo. Bem como era considerada ponto de partida a individualidade do proprietário.

Ainda com a formação dos Estados Nacionais e com advento da ideia de soberania, a propriedade era encarada como fundamento da própria soberania estatal.

Além disso, por muito tempo, principalmente em meados da década de 70, havia uma clara oposição entre defesa do meio ambiente e desenvolvimento econômico, não poderia se ter os dois ao mesmo tempo.

Também, é preciso remeter que a propriedade como direito individual do homem foi consagrada desta forma por conta da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no qual este instituto foi delineado nos moldes do pensamento de John Lock.

Segundo o filósofo, a propriedade era um direito anterior ao Estado, e se adquiria pela constante labuta do homem. Considerava que ninguém possui originalmente o domínio sobre alguma coisa de tal forma que possa considera-la privada por natureza.

Embora vista como um direito pré-existente ao Estado, deve ser adquirida por algum meio. Ainda afirmava que a mesma lei da natureza que nos concede a propriedade, também lhe impõe limites.

            No artigo 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão consta: “Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização”. 

            Entretanto, esta noção individualista e liberal da propriedade foi superada, dando lugar a uma concepção de interesses sociais preponderantes, sendo hoje o conteúdo do direito formado por elementos subjetivos (como exemplo o artigo 1228 do Código Civil Brasileiro, que retoma a ideia de que propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, assim como há o direito de reavê-la do poder de quem a possua ou detenha injustamente), como por elementos constitucionais de observância da função social.

            É preciso se ter em mente que os valores ambientais, ecológicos, de qualidade de vida, não são exclusivos, nem excludentes e muito menos necessariamente prevalecentes sob qualquer outro valor ou princípio constitucionalmente concebido, deve-se analisar cada caso, tomando como referência a ponderação e proporcionalidade.

Assim, quando esta em causa algo que envolva interesse público, havendo dúvida quanto à aplicação de uma norma em um caso concreto, deve-se obstar pelo princípio da supremacia do interesse público, privilegiando os interesses da sociedade, assim, “in dubio pro ambiente”.

Tal posicionamento nos leva a conclusão que no processo de ponderação, o bem jurídico ambiente receberá um peso maior do que os valores propriedade privada e exploração econômica.

            Sob outro prisma, podemos analisar que o desenvolvimento econômico sustentável pressupõe o exercício do direito de propriedade, sendo o uso que será dado ao ambiente em área particular a exteriorização, em uma dimensão econômica, deste direito.

            É importante considerar que, atualmente, o Brasil dispõe de uma vasta legislação sobre proteção ambiental, o que influencia, de forma positiva, o ordenamento jurídico nacional, considerando o direito um sistema normativo e não um mero conjunto de normas.

            Visando maior contextualização, pode-se citar o Estatuto da Terra, o qual regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.

Em seus artigos 12 e 13 estipula que a propriedade privada da terra cabe uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo, previsto na Constituição Federal, devendo o Poder Público promover a gradativa extinção das formas de ocupação e de exploração da terra que contrariem sua função social.

            Sendo que a Lei de Reforma Agrária (Lei 8.629 de 25 de fevereiro de 1993) apresenta os requisitos para que se considere por cumprida a função social da propriedade do imóvel rural.

            Em oposição ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Federal Brasileira, em seu título II, dos direitos e garantias fundamentais, no artigo 5º, garante que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade”.

Assim, com a regulamentação Constitucional, não apenas pelo artigo 5º, mas também pelo já mencionado, artigo 225 do mesmo diploma, a propriedade deixa de ter um caráter exclusivamente privatista, pautado no Código Civil, e passa a ser um direito privado de interesse público, sendo as regras para seu exercício de caráter privado, bem como público.

            Além disso, a garantia constitucional da propriedade está condicionada ao atendimento de sua função social, o que leva a conclusão de que o direito não disciplina a propriedade, mas regula as relações civis a ela relacionadas.

    Atualmente, o conceito de propriedade vai muito além daquele descrito como uso, gozo e disposição por parte de seu titular (artigo 1228, caput, Código Civil Brasileiro), há também a obrigatoriedade de cumprir sua função social, intimamente ligada com o uso racional dos recursos ambientais, conforme explicita o parágrafo primeiro do referido artigo (§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas).

O proprietário, como membro da sociedade, esta sujeito a obrigações, que se for além dos limites do direito de vizinhança, no âmbito do direito privado, será abrangido pelo campo dos direitos de coletividade, tendo como fim o bem estar geral, no âmbito do direito público.

            Com a advento da tutela do meio ambiente, houve uma restrição dos poderes do proprietário e gradativa prevalência da função social da propriedade.

            O conceito de função social é aberto e indeterminado, pois depende de variáveis como o tempo, lugar, tipo de propriedade, entre outros. Contudo insere-se a ideia que a propriedade deve direcionar-se para o bem comum.

            A condição da sociedade pós moderna necessita de uma mudança estrutural, quer dizer, a propriedade deve ser vista como um instituto dinâmico e não estático, sendo necessário também uma própria reformulação do fundamento do direito de propriedade. Entendendo este direito com base em fundamentos exigidos pela sociedade atual, fazendo com que o direito caminhe em paralelo com a realidade.

            Desta forma, foram impostas limitações ao proprietário tendo em vista o bem comum, o legislador garante o direito de propriedade, desde que seja observada a sua função social.

Logo, significa que ninguém pode usar de sua propriedade prejudicando a outrem. O caráter absoluto da propriedade foi relativizado pela função social.

Pode-se exigir algo no interesse da coletividade, dos padrões urbanísticos da cidade, ou mesmo no interesse da proteção ambiental, sendo o proprietário obrigado a suportar isso.

            A função social da propriedade se traduz de forma que ninguém possa utilizar de sua propriedade solitariamente, sendo o seu uso solidário com toda a comunidade.

Tal instituto pode ser visto como elemento intrínseco, determinando a própria existência do direito de propriedade. Esta função impõe ao proprietário uma postura de mero usufrutuário dos bens ecológicos, coletivos, de forma sustentável, tem, desta forma, a responsabilidade de preservá-los para devolvê-los às gerações futuras em estado igual ou melhor do que recebeu.

Neste mesmo diapasão, é importante ressaltar que o direito de construir não é inerente ao direito de propriedade privada, tratando-se de matérias diferentes, porém conexas, devendo este direito ao ser exercido também se levar em conta os ditames da função social.

Na Constituição Federal Brasileira já esta disposto o significado da função social. Para solos urbanos, o artigo 182, parágrafo 2º regulamenta que “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.

Assim, o poder público municipal fica autorizado, no meio urbano, a exigir, através de normas contidas no Plano Diretor, o qual é uma lei municipal, definido no Estatuto das Cidades como instrumento básico para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana do município, que o proprietário construa e utilize a sua propriedade dentro de certos requisitos e padrões.

Desta forma, a Carta Magna Brasileira insere expressamente a propriedade urbana no contexto de normas e planos urbanísticos, vinculando sua função social à ordenação da cidade expressa no plano diretor.

Quanto ao meio rural, o artigo 186 do mesmo diploma, veicula que é que cumprida sua função social quando a propriedade atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

            No sistema Brasileiro, decorrendo da regulamentação Constitucional (prevista no art. 5º, inc. XXII, art. 170, inc. II, art. 182, parágrafo 2º, art. 186, incisos I e II), elaborou-se, também, uma concepção de “função social ambiental” da propriedade, referente a atividade do proprietário e do poder público exercida como poder-dever em favor da sociedade.

            Esta função é definida como conjunto de atos praticados pelo proprietário e pelo poder público, em benefício da coletividade, titular absoluta do direito difuso ao meio ambiente.

Quer dizer que não constitui um simples limite ao exercício do direito de propriedade, como a restrição tradicional, a qual permite ao proprietário, nos limites do seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente, mas autoriza, de certa forma até impõe ao proprietário comportamentos positivos, incluindo prestações de fazer, e não apenas as de não fazer, para que assim no exercício de seu direito, a sua propriedade realmente se adeque à preservação do meio ambiente.

A função ambiental do direito de propriedade encontra-se fundamentada na preservação dos recursos naturais para toda a posteridade. Dessa forma, o proprietário deve exercer o direito de propriedade sobre a coisa tendo a consciência de que é o seu dever de conservar o meio ambiente para transmitir para as gerações futuras.

Consolidando este conceito, o Supremo Tribunal Federal Brasileiro já proclamou o meio ambiente como direito fundamental de todos e obrigação político-jurídica dos poderes do Estado, conforme transposições abaixo:

 

 

“- Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206).”

 

 

“Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161).”

 

 

Logo, o próprio Supremo Tribunal Federal Brasileiro já admite que a preservação ambiental é um direito e um dever, cujos beneficiários são os próprios cidadãos, assim como as gerações futuras.

            Sendo assim, o livre exercício do direito de propriedade privada é preservado na medida em que o proprietário atenda a essa função sócio-ambiental, concluindo que o próprio conteúdo essencial do direito de propriedade se restou modificado com a imposição de preservação ambiental.

            Os princípios do desenvolvimento econômico sustentável e da função sócio-ambinetal da propriedade, os quais objetivam prevenir a degradação ambiental, decorrem da necessidade de compatibilização dos princípios Constitucionais mediante a ponderação de valores, sendo o ambiente um interesse público e difuso, não pode ser menosprezado em função de interesses privados do proprietário.

            Encarado como um direito fundamental, apesar de divergência doutrinária, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, visto como bem de uso comum do povo, inclusive das futuras gerações, levou a visualização da autonomia do bem ambiental com relação aos seus bens integrantes.

            Assim, vistos pela perspectiva da fundamentabilidade, o direito de propriedade e do meio ambiente, constata-se a possibilidade de o individuo formular pretensões positivas ou negativas perante o Estado, quer dizer, há a possibilidade de reclamar condutas estatais e também há a previsão de limitação.

            Quando presente um conflito entre tais direitos, o aplicador da lei deve utilizar da razoabilidade, ponderando interesses, bem como os bens jurídicos tutelados para que assim se chegue à melhor solução.

            A ponderação de interesses é relevante perante as dimensões fáticas do problema, levando a uma coordenação ou conjunção dos bens jurídicos conflitantes, harmonizando-os nas circunstâncias da situação material, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros.

No Brasil, essa técnica jurídica ainda não se encontra no mesmo patamar em que estão os países europeus, como por exemplo, Alemanha, Portugal e Espanha, no sentido de que as decisões proferidas não abordam o tema com clareza, muito menos utilizam métodos e técnicas específicas.

Quando se faz restrições aos direitos fundamentais se deve ter atenção para que seja preservado seu conteúdo mínimo e intangível, o qual deve ser preservado em quaisquer instâncias sob pena de fulminar o próprio direito.

Logo, tais restrições encontram sua constitucionalidade na preservação do núcleo essencial do direito, sendo este um limite a possibilidade de limitar, na medida em que a atividade limitadora não pode ultrapassar tal critério.

            Como o direito de propriedade está condicionado ao cumprimento de uma função social, sendo esta o fator que legitima o exercício do direito de propriedade pelo seu titular, faz com que a propriedade seja exercida em prol da coletividade e do ambiente.

Sendo assim, vista a impossibilidade do uso ilimitado e intolerável do meio, enquadrando-se no conceito do direito à vida diga, o meio ambiente afirma-se mais uma vez como um direito fundamental.

            Na Constituição Portuguesa, o direito de propriedade apesar de incluído no título relativo aos direitos e deveres econômicos, vide artigo 62, CRP, pode-se considerar como um direito de natureza análoga (artigo 17, CRP) aos direitos de liberdades e garantias.

            Possui, também, um viés objetivo e outro subjetivo, está associada a ideia de liberdade pessoal. Isto não quer dizer que não haverá restrições ao direito de propriedade, que embora não haja nada previsto explicitamente na Constituição Portuguesa quanto aos termos dessas restrições, nada impede que a lei ou instrumentos de planificação o façam.

            Em contrapartida, o meio ambiente é abordado, pela Constituição Portuguesa, como uma tarefa fundamental, apesar de haver discussão doutrinária a respeito do seu caráter de direito fundamental, conforme dispositivo 9º - são tarefas fundamentais do Estado: d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas econômicas e sociais; e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território.

Assim, a proteção do ambiente tem um valor acrescido nesta consagração Constitucional, tendo consequência em diversos âmbitos do Direito (administrativo, judiciário, legislativo, entre outros).

A administração esta obrigada à satisfação coletiva, sendo obrigada a consagrar os princípios e valores constitucionais. Os tribunais ao julgar estão obrigados a buscar não apenas regras materiais para proteção ambiental, mas também meios processuais adequados para a tutela.

Além disso, surge de certo modo uma noção mais ampla de ambiente, levando a considerar a autonomização do bem jurídico ambiente.

Como já abordado, o bem jurídico ambiente também no ordenamento Português é visto como pertencente a coletividade e não apenas ao individuo, sendo um bem inapropriável individualmente, não podendo ser atribuído em exclusividade a qualquer sujeito.

Também fica evidente, considerando a Constituição Portuguesa, que o ambiente não é sujeito de direitos, assim, coloca-se em causa a noção de interesses difusos ou coletivos, tendo em vista a natureza do bem jurídico ambiente.

Encontra-se, também, no artigo 66º da Constituição Portuguesa uma definição substantiva do bem ambiente protegido e dos direitos e deveres a ele associados.

A epígrafe do referido artigo dispõe sobre o ambiente e qualidade de vida. Em continuidade, na primeira parte deste artigo notamos estar consagrado um interesse difuso, uma vez que este não tem portador institucional. Refere-se como um direito de todos, assim como de todos é o dever de protegê-lo, abrindo assim espaço para o exercício do direito de ação popular.

Assim como fica evidente que não é adotado um conceito restritivo de ambiente, mas é elegido um conceito extensivo, reconhecendo-se dimensões econômicas, sociais e culturais para além da ecológica.

Em matéria ambiental os ordenamentos Português e Brasileiro se aproximam, na medida em que visam salvaguardar um interesse coletivo em prol de intenções egoísticas particulares.

Ambos os ordenamentos consideram que este direito não é absoluto e ilimitado, podendo o legislador modelar seu conteúdo em função da sua vinculação social.

 Logo, o direito de propriedade só é reconhecido na ordem jurídica se cumprir com a função social, paralelamente ao proveito social do proprietário. Caso não respeite a função social, não haverá direito a ser amparado.

Bem como, ambos os ordenamentos consideram que os direitos fundamentais refletem os valores essenciais de uma sociedade, e tendo em vista a vastidão de direitos consagrados, eventualmente poderá surgir conflitos entre estes, sendo a proporcionalidade fator essencial para que sejam solucionados.

Bem como adotam o posicionamento de que nenhum direito fundamental é absoluto ou hierarquicamente superior a outro, as Constituições possibilitam a flexibilização dos direitos em conflito, para que, diante do caso concreto, seja determinado qual valor detém maior importância e assim deva prevalecer.

Obsta-se por uma dimensão positiva da tutela do ambiente, dependendo, para a sua proteção, da participação do cidadão, sendo uma obrigação não só do Estado, mas também dos indivíduos. A atuação dos indivíduos integra uma ordem jurídica.

Para exemplificar o assunto, dentro do ordenamento Português, pode-se citar o caso do processo da Quinta do Tapaial. No caso há o conflito de interesses em relação aos proprietários da chamada Quinta do Tapaial, que pretendiam enxugar cinquenta hectares de imóvel, a fim de destiná-los à cultura do arroz.

Assim, o Ministério Público, em 1989, visando pela conservação da natureza, intentou na comarca de Montemor-o-Velho, uma verdadeira causa ambiental.

Trata-se desta forma, pois se abordou pela primeira vez num Tribunal o ambiente como um valor a se considerar por si mesmo, até então as causas ambientais eram abordadas como “relações de vizinhança”, sendo resolvidas pelos artigos 1344º e seguintes do Código Civil.

O tribunal julgou procedente a ação, proibindo a execução de quaisquer trabalhos de enxugo na área, tais que pudessem por em causa o equilíbrio ecológico ou destruíssem a fauna.

Fundamentou que por se tratar de uma zona húmida, abrigo de garças e de outras aves aquáticas migradoras de espécies raras, e refúgio de lontras, as quais se encontram em perigo de extinção no continente europeu, entendeu-se pela fragilidade a nível ecológico, impondo uma particular proteção, e consequente proibição aos proprietários de realizar o enxugo do terreno.

No julgamento recorreu-se a preceitos constitucionais, legislação interna, norma de convenções internacionais, diretivas e regulamentos comunitários, sendo evidente uma interpretação mais favorável ao ambiente.

A decisão foi finalizada com a argumentação de que o direito de propriedade não pode ser visto como absoluto, mas sim limitado pelo espaço de outros direitos conflitantes, como por exemplo, o dever fundamental de todos os cidadãos defenderem o ambiente.

Em 1992 e 1994, os acórdãos da Relação de Coimbra confirmaram a decisão de primeira instância, tendo como base uma colisão de direitos, tendo prevalência o direito ao Ambiente, em detrimento do direito de propriedade, pois na verdade não haveria limitação deste, uma vez que a limitação abarcava apenas uma parcela do imóvel, com pouco peso na economia.

Foi afastada a tese defendida pelos proprietários do imóvel, os quais entendiam estar em causa uma expropriação, sendo admitida, no entanto, eventual compensação econômica, que deveria ser intentada em uma ação a parte.

Em contrapartida, no ano de 1995, o Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão da Relação e a sentença de primeira instância, considerando que não haviam sido apreciadas questões de fato e de direito que tinham sido abordadas na ação, bem como que a propriedade estava vinculada a uma situação de quase indisponibilidade, o que seria ilegítimo, na medida em que apenas a Administração pode criar servidões administrativas ou restrições de utilidade pública, mediante pagamento de indenização.

Ainda, argumentou-se que as decisões anteriores acabavam por criar uma área protegida ou uma reserva, tarefa esta de competência exclusiva da administração.

Ainda que perante o Supremo Tribunal de Justiça o ambiente não tenha prevalecido na decisão, houve grande pertinência jurídica deste acórdão em função do tema suscitado.

 Apesar de sua decisão, o Supremo concordou acerca da necessidade de preservação e defesa do Ambiente, mencionando a artigo 9º, alínea “e” e o artigo 66, número 1. Contudo, optou, na verdade, passar a responsabilidade para o Estado, o qual tinha ainda pendente a declaração como área protegida da zona na qual se situava a propriedade dos réus.

Muitos consideram o caso da Quinta do Taipal importante para a jurisprudência ambientalista portuguesa, uma vez que a retórica argumentativa desenvolvida no Acórdão do juiz da comarca de Montemor-o-Velho aponta uma abordagem dos vários problemas metódicos e metodológicos.

Evidencia-se a forma como fez a aplicação do principio da unidade da ordem jurídica. A aplicação de normas constitucionais, da Lei de bases do ambiente, e de normas do Código Civil, nota-se uma percepção de um sistema jurídico completo e um conhecimento perfeito do bloco de normatividade.

Deve-se ter como regra fundamental o princípio da interpretação mais amiga do ambiente, contudo, tal princípio não goza, em termos abstratos, de uma prevalência absoluta.

No caso, a ausência de uma ponderação mais aberta dos direitos conflitantes com o direito do ambiente, conduziu o juiz a infravalorar os argumentos da parte recorrente e centrar-se na ideia de privilégio agrário.

Nota-se a admissão de que a proibição do enxugo de terrenos para o cultivo de arroz seria uma medida indispensável à preservação de espécies selvagem e de biótipos naturais especialmente protegidos. Esta orientação aponta para a ideia de uma função ecológica do direito de propriedade, sendo irrelevante saber se esta função é hoje autônoma ou se ainda remonta à clássica função social da propriedade.

Em contraste volta-se para a questão de saber se a privação do uso dos solos, ou mesmo se sua limitação constitui ou não uma limitação também da propriedade sem qualquer relevância indenizatória ou se existe uma imposição autoritária, quase expropriativa, a qual merece compensação.

Assim, a ideia de restrição à propriedade tendo em conta determinada situação, leva parte da doutrina e da jurisprudência a sustentar a ausência de indenização justificada pela proteção da natureza.

Ao meu ver, restando demonstrado que o enxugo da área causaria dano ambiental, prejudicando espécies, mesmo tratando-se de propriedade privada, deveria ser observado o postulado do interesse coletivo, primando-se pelo direito difuso ambiente.

Contudo, como trata-se de atividade econômica desenvolvida pelos proprietários, se demonstrada a afetação econômica, não restando outra forma de adquirir proventos, nem mesmo forma alternativa de exploração, seria devido uma indenização compensatória.

Neste mesmo sentido, venho apresentar ementa, abaixo transcrita, de um processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro, no qual também discutiu-se o conflito de interesses entre o direito individual e coletivo.

 

“MEIO AMBIENTE - RESERVA EXTRATIVISTA - CONFLITO DE INTERESSE - COLETIVO VERSUS INDIVIDUAL. Ante o estabelecido no artigo 225 da Constituição Federal, conflito entre os interesses individual e coletivo resolve-se a favor deste último. PROPRIEDADE - MITIGAÇÃO. O direito de propriedade não se revela absoluto. Está relativizado pela Carta da República - artigos 5º, incisos XXII, XXIII e XXIV, e 184. ATO ADMINISTRATIVO - PRESUNÇÃO. Os atos administrativos gozam da presunção de merecimento. RESERVA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - CRIAÇÃO - ALTERAÇÃO - SUPRESSÃO. A criação de reserva ambiental faz-se mediante ato administrativo, surgindo a lei como exigência formal para a alteração ou a supressão - artigo 225, inciso III, do Diploma Maior. RESERVA AMBIENTAL - CONSULTA PÚBLICA E ESTUDOS TÉCNICOS. O disposto no § 2º do artigo 22 da Lei nº 9.985/2000 objetiva identificar a localização, a dimensão e os limites da área da reserva ambiental. RESERVA EXTRATIVISTA - CONSELHO DELIBERATIVO GESTOR - OPORTUNIDADE. A implementação do conselho deliberativo gestor de reserva extrativista ocorre após a edição do decreto versando-a. RESERVA EXTRATIVISTA - REFORMA AGRÁRIA - INCOMPATIBILIDADE. Não coabitam o mesmo teto, sob o ângulo constitucional, reserva extrativista e reforma agrária. RESERVA EXTRATIVISTA - DESAPROPRIAÇÃO - ORÇAMENTO. A criação de reserva extrativista prescinde de previsão orçamentária visando satisfazer indenizações.”

(MS 25284, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2010, DJe-149 DIVULG 12-08-2010 PUBLIC 13-08-2010 EMENT VOL-02410-02 PP-00298).

 

            Neste caso, proprietários de terras localizadas na área decretada como Reserva Extrativista Verde para Sempre pelo Presidente da Republica impetram mandado de segurança visando afastar o campo de eficácia de tal decreto.

            No voto do ministro Marco Aurélio, o relator, fica evidente a transformação e adequação do direito de propriedade as novas visões e concepções sociais, sendo visto não como um direito absoluto, mas que deve ser adequado ao interesse comum.

Em sua argumentação afirma que “a proteção da propriedade não se sobrepõe ao interesse comum”, vinculando a sua garantia constitucional ao cumprimento da função social.

            O Tribunal, por unanimidade, acompanhando o ministro relator, denegou a segurança, ou seja, não acolheu o pedido dos autores, neste caso prevaleceu a proteção do meio ambiente.

            Tais questões nos faz suscitar a importância do Direito na proteção do ambiente. O legislador no momento de criação de normas deve levar em conta as dificuldades de previsão das condições ambientais, voltando-se para a criação num sentido que posteriormente a norma não venha a definir condutas que possam ser lesivas ao ambiente.

            O direito como sistema normativo, através do qual a sociedade é regida, deve estar em constante atualização, obrigando-se a renovar-se, reformular-se.

Podemos dizer que o direito deve estar voltado para uma ética do futuro, buscando evoluir a partir de questões pretéritas, aperfeiçoando as diversas formas de relação em sociedade.

            A preocupação por questões ecológicas faz abandonar um pensamento individualista, assim como aquele utilitarista, substituindo uma ética do bem-estar por uma ética da responsabilidade.

            Cada vez mais se notam reflexões em inúmeros ramos da sociedade ao compreender que o meio ambiente é dimensão indissociável da vida humana e elemento essencial para a manutenção e perpetuação de todas as formas de vida existentes.

            Tal percepção fez com que surgisse uma conscientização ambiental por parte da sociedade, o que resultou na realização de conferências e encontros internacionais, objetivando a adoção de praticas sociais e politicas voltadas para o desenvolvimento sustentável.

            Em conclusão, deve-se fazer com que as ações sejam voltadas para uma escolha pelo futuro, em favor do ambiente, conferindo durabilidade ao desenvolvimento. O proprietário deve ser visto como guardião do patrimônio ecológico, o qual é coletivo, sendo considerado mero usufrutuário dos bens, deve usufruí-los consciente de que também é o responsável pela transmissão desses bens às gerações futuras.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

PEREIRA DA SILVA, Vasco. Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente. Almedina, Coimbra, 2002.

 

WACHOWICZ, Marcos; NOGUEIRA MATIAS, João Luis. Propriedade e Meio Ambiente: da Inconciliação à Convergência. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011.

 


 

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm




                                                                                                                 
                                                                                                          Publicado por:

                                                                                                          Paula Spoladore Pistelli

                                                                                                          Nº23966 – subturma 3

                                                                            

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