Dos pressupostos da
responsabilidade civil pelo dano ambiental
O presente
trabalho versa sobre o instituto da responsabilidade civil no âmbito dos danos
ambientais.
A aplicação
deste instituto não tem sido uma tarefa fácil quanto à verificação de todos os
pressupostos que o mesmo exige.
Em termos
ambientais é difícil isolar de forma clara a actuação do lesante e estabelecer uma
relação com o dano causado.
No entanto, este
é um regime que não tem ficado estanque nem tão pouco tem deixado de evoluir
Faremos
assim uma breve alusão à aplicação do seu regime geral assim como à evolução legislativa
que se tem verificado dentro desta matéria.
Ambiente enquanto
Direito Fundamental
A tutela
jurídico-constitucional do ambiente em Portugal é recente, apenas afirmada
constitucionalmente em 1976, tendo sido antecedida por preocupações ambientais
insuficientes para a materialização de uma área normativa autónoma.
O despertar internacional
para questões ambientais foi despoletado pela Organização das Nações Unidas na
preparação da Conferência de Estocolmo, realizada em Junho de 1972 onde se
verificou um cruzamento entre ciências naturais, ecologia, politica, economia e
direito.
Note-se que a Constituição da República
Portuguesa (doravante designada abreviadamente “CRP”) apresenta alguma
singularidade em termos de Direito Comparado, uma vez que contrariamente às Constituições
doutros países que optam por um modelo de protecção ambiental único, a CRP
assume dois modelos: o de tarefa fundamental do Estado (artigos 9.º, 66.º n.º 2
e 81.º da CRP) e o de direito fundamental ao ambiente e vida humana saudável e
ecologicamente equilibrada (artigo 66.º n.º 2 da CRP).
O conceito
de ambiente surge assim como unitário, estrutural e funcional uma vez que
engloba um conjunto de sistemas ecológicos, físicos, químicos e biológicos,
assim como factores económicos, sociais e culturais, funcionais entre si.
Direito do Ambiente
enquanto Direito subjectivo
Na opinião
do Professor Vasco Pereira da Silva, o Direito do Ambiente é um direito
subjectivo fundamental, princípio que radica na dignidade da pessoa humana.
O Direito do
Ambiente tem assim uma dupla dimensão: uma dimensão positiva enquanto valores e
princípios de toda a ordem jurídica e uma dimensão negativa que atende à defesa
contra agressões de entidades públicas e privadas.
Neste
sentido, o Professor Gomes Canotilho, em matéria de Direito do Ambiente,
defende que este é um direito fundamental e um direito subjectivo do tipo dos
direitos económicos sociais e culturais.
Por outro
lado, a Professora Carla Amado Gomes, diz-nos que não há qualquer direito subjectivo,
uma vez que este não surge como autónomo em relação aos outros direitos
pessoais e patrimoniais, sendo que também não é possível uma livre disposição
de fruição de um bem que não pertence ao individuo. Neste sentido, não tem
subjacente a lógica de aproveitamento individual de um bem inerente à definição
de direito subjectivo.
Responsabilidade Civil
Regime Geral
A responsabilidade
civil ambiental encontra o seu fundamento jurídico na consagração de um direito
subjectivo ao ambiente consagrado no artigo 66º da CRP.
A
responsabilidade civil relaciona-se com a ressarcibilidade de danos sofridos
numa alçada jurídica, que serão suportados por outrem.
No mundo
actual, caracterizado pela industrialização intensiva, pela automatização de
produção e pela complexidade da actividade económica, geram-se situações
potencialmente geradoras de danos que tornam difícil a prova dos pressupostos
clássicos da responsabilidade civil subjectiva.
De acordo
com a doutrina civilística os elementos componentes do direito do ambiente com
o ar, as aguas, a fauna e a flora, inserem-se naqueles que designados de coisas
inconceptíveis de apropriação individual (artigo 202.º n.º 2 do Código Civil),
não podendo ser objecto de direitos privados.
Assim, não
cabendo na previsão do artigo 483.º do Código Civil que é exige a uma violação
de direitos como pressuposto a tutela do ambiente não poderia passar pela
responsabilidade civil.
A
demonstração do caracter finito do meio ambiente que tende a ser rapidamente
destruído, plasma a urgência de disciplinar a sua utilização e de uma
necessidade de proteção pelo Direito, tendo vindo a nossa Constituição a
reconhecer o direito genérico a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado,
constituindo num bem jurídico.
Reconhece-se
assim, da ilicitude de lesão ambiental e para a configura-se um novo tipo de
dano: o dano que resulta de uma ofensa ecológica ou lesão da natureza
abrindo-se caminho para a tutela do ambiente através da responsabilidade civil
nascendo a denominada “responsabilidade
civil ambiental”.
O quadro
classico da responsabilidade civil tem feito surgir algumas dificuldades,
relativamente à determinação dos seus pressupostos e à eficácia da imposição da
obrigação de indemnizar.
Nos casos
dos pressupostos, de acordo com o Professor Menezes Leitão, podem apontar-se
como problemas essenciais:
a) Estabelecer
o nexo causal entre o acto que prejudica o ambiente em danos que podem surgir a
centenas de quilómetros ou que ocorrem muito tempo depois.
b) Como
resolver o problema da pluralidade de responsáveis pelo dano e a sua
interacção.
c) Como
avaliar em termos de indemnização o prejuízo resultante das lesões ecológicas.
d) Como
determinar os titulares do direito de indemnização.
e) Como
resolver o problema da prescrição da responsabilidade civil, uma vez que o
prazo se inicia a partir do mentos em que o lesado tem conhecimento do direito
que lhe compete.
f) Como
atender a direitos futuros para alem dos estritos limites do art. 564.º n.º2 do
Codigo Civil.
Do ponto de vista da eficácia da obrigação de
indeminização coloca-se o problema de a responsabilidade civil apenas assegurar
o ressarcimento de danos e não obstar à continuação da actividade danosa.
A aplicação do regime geral de
responsabilidade civil do artigo 483.º de Código Civil poder-se-á tornar
possível estando todos os pressupostos preenchidos, podendo-se responsabilizar
o agente pelos danos resultantes de uma lesão ambiental.
Assim, resulta deste princípio genérico de
responsabilidade subjectiva que, para ser possível a o ressarcimento de danos,
são necessários os seguintes pressupostos:
a)
A existência de um facto voluntário;
b) A ilicitude entendida como violação dos
direitos subjectivos ou de normas de protecção destinadas a proteger interesses
alheios;
c)
A culpabilidade, entendida como
censurabilidade da conduta do agente;
d)
O dano;
e)
O nexo de causalidade e o dano.
Esta tarefa tem vindo a ser facilitada em
virtude dos desenvolvimentos dogmáticos surgidos a propósito dos pressupostos
de responsabilidade, que facilitam a admissibilidade de uma responsabilidade
civil ambiental.
·
O facto voluntário, pode resultar
de uma acção ou de uma omissão.
Relativamente
a acção temos, como exemplo, uma descarga num curso de água superficial de um
resíduo industrial liquido com uma elevada concentração de um composto
altamente tóxico (acido de sódio).
Quanto
a omissão, a não verificação periódica através do controlo radiográfico das
soldaduras da tubagem do circuito de arrefecimento de um reactor nuclear que dê
origem a uma fuga de vapor neste circuito e a consequente sobreaquecimento das controladoras
do reactor.
Tratando-se de provas de factos, apenas
abrange os factos voluntários, excluindo desse âmbito os factos involuntários e
situações de força maior que possam gerar danos, mas escapem ao controlo
razoável do agente, com o qual tenham conexão (actos de guerra, terrorismo,
etc.)
·
Quanto
à ilicitude, a mesma irá versar essencialmente sobre a violação de
normas de protecção, destinadas a proteger interesses alheios.
·
Relativamente
à culpa, decorre do artigo 487.º n.1 do Código Civil que ao lesado
incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa.
Assim, nos
casos de lesão ambiental parece ser dispensada a culpa, acolhendo a
presunção prevista no art.483.º n.º 2 do Código Civil de que quem pratica uma
actividade perigosa se presume responsável pelos danos verificados, excepto se
demonstrar que tomou todas as previdências exigidas pelas circunstâncias como
vim de as prevenir.
De facto, justifica-se esta opção, uma vez que em termos ambientais
provar a culpa será sempre uma tarefa bastante complexa.
Ainda que, quanto aos pressupostos do facto, da ilicitude e da culpa o
caminho tenha sido adaptado sem grandes dificuldades do regime geral do Direito
Civil, surge na responsabilização por danos ambientais aquele que tem sido o
maior obstáculo à adaptação deste regime à matéria ambiente. Falamos do dano
e do nexo de casualidade.
A doutrina tem feito distinção entre dois tipos de danos, o dano
ecológico e o dano ambiental.
·
O
dano ecológico versa sobre lesões intensas causadas ao sistema ecológico
natural, sem que tenham sido violados direitos individuais enquanto os danos
ambientais verificam-se através da existência de uma lesão de bens
jurídicos concretos. Nesses casos o dano surge com um resultado isolado (por
exemplo, extinção de um animal devido acções de caça de forma desmedida
geralmente sem autorização administrativa e extra-sazonal).
Quanto aos danos ecológicos existira sempre uma dificuldade em recorrer
ao regime da responsabilização individual, uma que vez que são danos sem lesado
individual ou são danos sem causador individual determinado, pelo que apenas
poderia intervir o direito público.
Neste termos, não sendo possível a atribuição de uma indemnização a
solução passaria sempre prelo recurso ao princípio do “poluidor pagador”, como
a criação de taxas ou impostos ecológicos ou pela ideia de repartição
comunitária de danos através da criação de fundos colectivos de indemnização.
O dano ambiental coloca o problema de determinar o quantum indemnizatório, uma vez que se
verificam lesões de situações jurídicas individuais.
No nosso sistema, não sendo admissível uma ideia de punitive damages a solução tem passado pela elaboração de critérios
para a avaliação do dano ambiental.
Uma vez que o artigo 562.º do Código Civil dá primazia a uma
reconstituição natural, sendo este um critério de extrema importância no
direito ambiental, o mesmo não impede aos Tribunais atribuírem indemnizações pecuniárias
por danos ambientais, não sendo possível fixar de forma exacta o montante
relativo aos danos, nos termos do artigo 566.º n.º 3 do Código Civil.
·
Quanto
ao nexo causal, tem-se vindo a abandonar a solução da causalidade
adequada, adoptando-se a doutrina do escopo da norma violada, ou seja, imputando-se
ao agente por recurso à teoria da conditio
sine qua non os danos correspondentes às posições que são garantidas pelas
normas violadas.
Não obstante, esta solução não tem sido suficiente em sede ambiental uma
vez que a própria demonstração da conditio
sine qua non raramente ocorre em sede ambiental, sendo a prova de causalidade
limitada a hipóteses puramente estatísticas, ocorrendo ainda situações de causalidade
alternativa, não se sabendo em concreto qual o agente provocou o dano, podendo-se
apenas delimitar um grupo de vários agentes, dentro do qual estará o autor da
lesão.
De acordo com o Professor Menezes Leitão, a melhor solução passaria pela
adopção das teorias anglo-saxónicas, da responsabilidade segundo a quota de mercado
(market-share liability), ou seja, a
responsabilidade é repartida consoante a presença no mercado ou da
responsabilidade segundo o nível das emissões poluentes (pollution-share liability) em que a responsabilização se reparte de
acordo com o nível das emissões poluente, não sendo necessária qualquer
demonstração de que a concreta emissão conduziu ao dano.
Lei de Bases do
Ambiente
Lei n.º 11/87, de 7 de Abril
A Lei de
Bases do Ambiente veio procurar resolver alguns dos problemas colocados supra.
De acordo
com o artigo 41.º desta mesma lei, que materializou um regime de responsabilidade
objectiva pelo risco, existe uma obrigação de indemnizar independentemente de
se verificar culpa sempre que o agente tenha causado danos significativos ao
ambiente em virtude de uma ação especialmente perigosa, determinado que o
quantitativo de indemnização será estabelecido em legislação complementar.
Coloca-se a
questão de saber o que será na verdade “um dano significativo”.
No caso
concreto estaremos perante a frustração grave das utilidades proporcionadas por
um bem ambiental que é objecto de tutela jurídica. Serão estes, de acordo com o
artigo 6.º desta lei, o ar, a luz, a água, o solo vivo, o subsolo, a flora e a
fauna.
O artigo 8.º
e seguintes da lei tipificam uma série de lesões ecológicas, que podem ser
consideradas como danos significados susceptíveis de responsabilização nos
termos do artigo 41.º, sendo elas:
a) A
poluição atmosférica (artigo 8.º)
b) A
perturbação do nível de luminosidade (artigo 9.º)
c) A
poluição hídrica (artigo 11.º n.º 2)
d) A
danificação do solo ou do subsolo (artigo 13.ºn.º 2)
e) A
danificação da flora (artigo 15º n.º2)
f) A
danificação da fauna (artigo 16.º)
g) A
ofensa à paisagem (artigo 18.º)
h) A
poluição sonora (artigo 22.º)
Conclui-se assim, que em qualquer um destes
danos, não há um lesado individual concreto, plasmando assim a grande inovação
desta lei em relação ao sistema do Código Civil, que reside no reconhecimento
do dano ecológico, admitindo a ressarcibilidade de danos de natureza social ou
colectiva.
Não obstante, esta disposição tem sido
objecto de algumas críticas. Em primeiro lugar, o sistema previsto no artigo
41.º n.º 2 parece funcionar como um travão à concessão da indemnização com
bases em critérios judiciais de avaliação do danos ecológico, o que na pratica
dificulta o âmbito de aplicação da norma.
O recurso à previsão do artigo 566.º n.º 3 do
Código Civil poderá ser a solução para colmatar esta lacuna, uma vez que
permite a fixação da indemnização segundo critérios judiciais.
A segunda crítica versa sobre o artigo 41º
n.º 1 da Lei de Bases do Ambiente, uma vez que estabelece uma responsabilidade
pelo risco mas exigindo a prática de uma “acção especialmente perigosa”,
limitando a responsabilidade pelo risco a situações excepcionais o que provoca
uma deficiente articulação com o artigo 493.º n.º2 do Código Civil que já
institui uma previsão de culpa no âmbito de actividades perigosas.
Leia-se assim que no caso de actividades
“especialmente perigosas” fica vedado ao agente a possibilidade de demonstrar
que empregou todos os meios exigidos pelas circunstâncias com o fim de prevenir
os danos.
Porém, com excepção dos casos de poluição
química e radioactiva, a lei não define o que seja uma “acção especialmente
perigosa”, cabendo assim ao intérprete preencher este conceito vago e
indeterminado.
O n.º 4 do artigo 40º salvaguarda
expressamente o regime geral da responsabilidade civil para a protecção do
ambiente, sendo portanto necessário fazer funcionar o esquema de pressupostos
do art.º 483.º do Código Civil, já acima referidos.
Por
ultimo, o n.º 5 do mesmo artigo reconhece às autarquias e aos cidadãos o
direito a compensações por parte das entidades responsáveis pelos danos
causados.
O direito a estas compensações ultrapassa
assim o âmbito do recurso aos meios gerais da responsabilidade civil, pelo que
João Pereira Reis tem-lhe atribuído um carácter de “indemnização suplementar” e
para José Magalhães de um caso especifico de obrigação de indemnizar, que
derroga o princípio da restauração natural previsto no artigo 562.º de código
civil e no artigo 48.º da Lei de Bases.
Para o Professor Menezes Leitão encontramos
nesta disposição uma segunda variante do principio do “poluidor pagador”, não
estando assim consagrada uma situação de responsabilidade civil.
Independentemente do cumprimento de deveres de prevenção de danos ambientais ou
da ilicitude da lesão ambiental, é sempre devida uma compensação financeira á
coletividade, para que os encargos ambientais sejam suportados pelo próprio
responsável.
Lei
da Acção Popular
(Lei
83/95, de 31 de Agosto)
A Lei da Acção popular procura assegurar a
tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos como a saúde pública, o
ambiente, a qualidade de vida e a protecção do consumo de bens e serviços, o
património cultural e o domínio público, não susceptíveis de apropriação
individual por cada um dos membros da colectividade, individualmente
concretizado.
Estes interesses não são públicos, uma vez
que o titular não é o estado, nem são privados, pois não visam satisfazer
exclusivamente as necessidades de indivíduos determinados.
Falamos
assi, de interesses supra-individuais, comuns a todos os membros de uma
colectividade, cuja tutela jurisdicional pode por isso ser desencadeada por
entidades ou cidadãos que participem desses mesmos interesses.
O artigo 22.º e 23.º da lei, estabelecem
regras especificas de responsabilidade civil aplicáveis a qualquer situação em
que se verifique uma lesão a estes interesses. Reconhecer o direito de acção
popular trouxe assim consequências importantes no âmbito da responsabilidade
civil ambiental.
Decreto-lei
147/2008, de 29 de Junho
Regime
da responsabilidade por danos ambientais.
O Decreto-lei 147/2008, de 29 de Junho, que
transpôs a Directiva 2004/35/CE, de Parlamento Europeu e do Conselho, foi um
grande avanço dado em relação à responsabilidade civil ambiental.
Lê-se no seu preâmbulo “Durante muitos anos a problemática
da responsabilidade ambiental foi considerada na perspectiva do dano causado às
pessoas e às coisas. O problema central consistia na reparação dos danos
subsequentes às perturbações ambientais — ou seja, dos danos sofridos por
determinada pessoa nos seus bens jurídicos da personalidade ou nos seus bens
patrimoniais como consequência da contaminação do ambiente”.
Como refere o Tiago
Antunes, retiramos a existência de um regime de dupla vertente, dois tipos de
dano, dois mecanismos paralelos de tutela como se enunciou supra: “Assim,
estabelece -se, por um lado, um regime de responsabilidade civil subjectiva e
objectiva nos termos do qual os operadores -poluidores ficam obrigados a
indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente
ambiental. Por outro, fixa -se um regime de responsabilidade administrativa
destinado a reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade,
transpondo desta forma para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º
2004/35/CE […]” (6º parágrafo). Se nós atendermos aos Capítulos II e III do
referido diploma, de facto, temos dois mecanismos diferentes, no primeiro, cabe
a tutela de lesados directos por uma outra entidade/particular, no segundo, uma
lógica de responsabilidade prevencionista e de reparação, que se impõem ao
causador da ameaça, devendo o cumprimento ser assegurado pela Administração.
Não obstante grande parte do seu regime já se
encontrar previsto da Lei de Bases do Ambiente e na Lei de Acção Popular, a sua
introdução significou uma melhoria expressiva relativamente às dificuldades
interpretativas existentes nos anteriores diplomas.
O novo regime de responsabilidade civil
ambiente instituiu tanto um regime de responsabilidade objectiva como de
responsabilidade subjectiva pelos danos ambientais.
A responsabilidade subjectiva,
prevista no artigo 8.º adopta um regime em muito semelhante ao do previsto no
artigo 483.º do Código Civil, estabelecendo que “Quem, com dolo ou mera culpa,
ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um componente
ambiental fica obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa”.
Relativamente à responsabilidade objectiva,
(artigo 7.º) prevê que “Quem, em virtude do exercício de uma actividade
económica enumerada no anexo iii ao presente decreto-lei, que dele faz parte
integrante, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um
qualquer componente ambiental é obrigado a reparar os danos resultantes dessa
ofensa, independentemente da existência de culpa ou dolo”.
A prova de nexo de causalidade é um
requisito exigido para ambos os casos, constituindo o elemento de demonstração
mais fácil no âmbito de responsabilidade por danos ambientais.
A
prova de nexo de causalidade
Artigo
5.º do Decreto-Lei 147/2008, de 29 de Junho
O nexo causal encontra-se regulado no artigo 5.º
do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Junho podendo extrair do artigo o grau do
risco, normalidade da acção lesiva, possibilidade de prova científica do
percurso causal e o cumprimento ou não de deveres de protecção.
Todavia nem sempre é fácil determinar o
nexo causal do dano ambiental, isto porque muitas vezes existem multiplicidade
de causas ou pode haver uma longa distancia entre a fonte emissora e o
resultado lesivo.
A fisionomia típica do dando ambiental e
respectivo processo causal conduzem a problemas de imputação objectiva de danos
ambientais e ecológicos em termos de responsabilidade objectiva e subjectiva.
Se de certa forma o legislador foi capaz de
prescindir em certas situações do carácter ilícito e culposo da atuação do lesante
optando por forma de responsabilidade objectiva e assim flexibilizando as
exigências da responsabilidade civil, não conseguiu prescindir do pressuposto
do nexo de causalidade.
O Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Junho
procurou resolver os problemas patentes do nexo de casualidade no âmbito dos
danos ambientais em termos de responsabilidade objectiva e subjectiva.
O seu artigo 5.º prevê assim que “A
apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de
verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão
verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando,
em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a
possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não,
de deveres de protecção.”
A lei atenuou o grau de prova de nexo de
causalidade.
O critério de probabilidade com determinante
para estabelecer a apreciação do nexo de causalidade plasma a da opção do
legislador pela suficiência de mera justificação como medida de prova.
Não se
exigiu a probabilidade de o facto ser a causa mas tão só a probabilidade de poder
ser a causa, tendo o lesado somente de demonstrar a probabilidade da criação do
risco pelo agente “tendo em conta as circunstâncias do caso concreto”.
Conclui-se assim que a probabilidade a que se
refere o artigo 5.º se reporta apenas ao primeiro passo do juízo de imputação,
abrange a criação ou aumento do risco mas não da sua materialização no
resultado lesivo., não obstante que feita a prova se acabe por presumir que o
risco irá materializa-se no resultado.
O agente a quem é imputada esta presunção não
deixa no então de estar protegido pela possibilidade de contraprova a
probabilidade do risco podendo “fazer a
prova negativa da materialização do risco no resultado lesivo., demonstrando
assim que apesar da criação do risco ser provável, não foi esse risco que se
materializou no dano ocorrido”.
A Professora Ana Perestrelo de Oliveira faz
um balanço da actual problemática do nexo de causalidade na responsabilidade
civil, concluindo que:
·
Do ponto de vista material o dano é objectivamente
imputável ao agente quando este criou/ aumento o risco de verificação do dano e
esse risco se materializou no resultado lesivo.
·
O lesado terá de fazer prova do nexo
causal e o juiz terá de ficar certo da criação/aumento do risco e da materialização
do risco no resulta lesivo.
·
A probabilidade apenas indiretamente contribuirá
para a formação da convicção do juiz sobre a realidade do nexo causal.
·
Basta porém, que o juiz fique convicto
da probabilidade de se verificar o nexo causal.
·
Reduz-se, assim, o grau de prova que
deixa de ser a certeza e passa a ser a mera probabilidade, devendo a referência
legal à verosimilhança ser objecto de interpretação ab-rogante.
·
O lesado apenas tem de provar que é
provável determinado facto ter criado ou aumentado o risco de verificação do
dano, avaliando-se o caso concreto e presumindo-se a materialização do risco no
resultado.
·
Basta então demonstrar que um
determinado facto é idóneo ou apto a provocar determinado facto (risco
abstracto).
·
As circunstâncias do caso concreto
tornam determinado facto a produzir a produzir o evento lesivo (risco
concreto).
·
No juízo de probabilidade, atende-se não
só às circunstâncias do caso mas também a critérios estatísticos.
·
A contraparte pode demonstrar que não é
provável ter criado o risco mas também que sendo provável não foi aquele risco
que se materializou naquele resultado, sendo admissível a contraprova com a
prova negativa da sua materialização.
Indemnização
Lei
50/2006, de 29 de Agosto - Lei -Quadro das Contra-
Ordenações Ambientais
Decreto-Lei n.º 150/2008, de 30 de Julho
Se é certo que anteriormente a
responsabilização pelos danos ambientais apenas recaía em situações que
ultrapassavam a esfera ambiental e se atingia o âmbito patrimonial, com o
surgimento do Direito do Ambiente abriram-se portas para o alargamento do
âmbito de incidência da responsabilidade civil, imputando-se o ao causador de
danos ambientais o dever de indemnizar.
Todavia, não se configura fácil o tratamento
de lesões ambientais, uma vez que se trata de um bem jurídico de natureza colectiva
dos recursos naturais.
Verificando-se um dano ambiental a
titularidade da correspondente indemnização é do fundo de Intervenção
Ambiental, criado pelo n.º 1 do artigo 68.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto
(Lei – Quadro das Contra-Ordenações Ambientais), e
regulado pelo Decreto-Lei n.º 150/2008, de 30 de Julho, ou Fundo Autónomo para
Recuperação das Lesões Ambientais, instrumento público de cariz financeiro,
destinada à resolução de problemas que afectam o ambiente.
Foram assim,
estabelecidos dois propósitos essenciais: o princípio do poluidor pagador e a
mutualização ou socialização do risco ecológico.
A este propósito, pode ler-se no preâmbulo o Decreto-Lei n.º 150/2008, de
30 de Julho que “
a Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, ao estabelecer
o regime jurídico das contra -ordenações ambientais, institui, por meio do seu
artigo 69.º, o Fundo de Intervenção Ambiental (FIA), concebendo -o como um
instrumento público de prevenção e reparação dos danos resultantes de catividades
lesivas para o ambiente, nomeadamente nos casos em que os responsáveis não os
possam ressarcir em tempo útil”.
Conclui-se assim concordando
com o Professor Menezes Leitão dizendo que”
Apesar das dificuldades
que os funcionamentos clássico da responsabilidade civil coloca à reparação dos
danos ambientais têm sido sucessivos os regimes de responsabilidade civil
ambiental que o Direito Português tem vindo a consagrar”.
Bibliografia
·
MENEZES, Leitão, Luís, “A Responsabilidade Civil por Danos causados
ao Ambiente”, in Actas Do Colóquio A Responsabilidade Civil Por Dano
Ambiental.
·
OLIVEIRA, Ana Perestrelo De, “A Prova do Nexo de Causalidade na Lei da
Responsabilidade Ambiental” , in
Temas Direito do Ambiente, nº 6, 2011.
·
MOREIRA, Vital e CANOTILHO, José
Joaquim Gomes, “Constituição da Republica
Portuguesa Anotada, Volume I” ,
Coimbra Editora, 2007.
·
SILVA, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do
Ambiente, Almedina, 2002.
·
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito
Constitucional – “Direito Fundamentais,
tomo IV”, Coimbra Editora, 2012
·
GOMES, Carla Amado, “Introdução ao Direito Do Ambiente”, AAFDL, 2012.
Raquel Paiva Moreira Rosas