FACULDADE
DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Restauração natural de
um dano ecológico
Trabalho
da Disciplina de Direito do Ambiente regida pelo Professor Doutor Vasco Pereira
da Silva
Sofia
Inês Fidalgo Vicente
Aluna
n.º 19864
Subturma 3
Lisboa,
17 de Maio de 2013
INTRODUÇÃO
A
prevenção de danos causados ao ambiente assume-se como um dos princípios
estruturantes do Direito do Ambiente. Não obstante, no caso de um dano já
consumado, terá de se recorrer à responsabilidade dos danos causados ao
ambiente e a respectiva reparação in
natura de um dano ecológico.
De
modo a determinar os casos em que seja necessária uma reparação in natura, há primeiramente que definir
o que se entende por dano ecológico e distingui-lo do dano ambiental. Uma vez
delimitados estes conceitos, pretendemos delinear os casos em que deve haver
lugar a uma reparação natural de um dano ecológico assim como o respectivo
procedimento a adoptar.
Faremos
uma abordagem aos modos de reparação dos danos ecológicos e aos seus critérios
concretizadores. De seguida, analisaremos os limites à restauração natural.
Mais precisamente, casos em que a restauração ecológica não seja possível,
sendo necessário recorrer à compensação ecológica. De seguida, há que analisar
a relação de subsidiariedade entre a restauração natural e a indemnização
pecuniária. Há ainda que abordar o facto de a compensação pecuniária pretender
um ressarcimento dos danos causados, ao passo que na responsabilidade civil por
danos ecológicos o que se pretende é antes a reparação do bem ambiental
afectado.
Apesar
de não ser o nosso objecto de estudo, uma vez que se relaciona com a
responsabilidade civil por danos ambiental, faremos ainda uma breve referência
ao Decreto-lei n.º 147/2009, de 29 de Julho, que transpôs a Directiva n.º
2004/35/CE.
Sociedade
de Risco
Este conceito de sociedade de risco foi introduzido por
Ulrich Beck.[1]O
sociólogo alemão escreveu a propósito da evolução da sociedade que “as
sociedades pré-industriais eram sociedades de catástrofe. Durante a
industrialização tornaram-se sociedades de risco calculado. No centro da Europa
as sociedades industriais desenvolveram tecnologias e sistemas de segurança
técnica e social que as tornaram em sociedades seguras. Todavia, algures no
processo automático e tempestuoso de modernização a possibilidade de cálculo
dos riscos sociais perdeu-se. É aí que começa a sociedade de risco. A sociedade
nega os princípios da sua racionalidade. Há muito tempo que os deixou para trás
porque opera para além do limite do segurável”.[2]
No contexto da actual
sociedade, a prevenção alarga-se perante emergência de situações de risco. Este
consiste num perigo pressentido, embora não comprovado.[3]
Nem todas as lesões
causadas ao ambiente são susceptíveis de ser consideradas danos ambientais ou
ecológicos. É certo que no dia-a-dia percepcionamos danos ao ambiente que no
entanto são admissíveis, nomeadamente o avião que provoca ruído ou os carros
que emitem monóxido de carbono (CO). Esta admissibilidade decorre da
necessidade de sopesar o desenvolvimento económico e a preservação do ambiente.
A poluição socialmente admissível resulta do facto de não existirem actividades
ambientalmente puras, pelo que qualquer actividade humana tem necessariamente
repercussões no ambiente. O conceito de poluição em sentido amplo abarca não só
na emissão de substâncias cuja presença é lesiva para o elemento receptor do
ambiente (nomeadamente para a o ar, água, solo ou subsolo) como também as
emissões imateriais não corporizadas em substâncias (designadamente a poluição
sonora, térmica ou ainda “estética”).[4]
No artigo 21.º, n.º 1 da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, a Lei de Bases do
Ambiente (doravante LBA) são elencados factores de poluição do ambiente. O
artigo 2.º, alínea o) do Decreto-lei n.º 173/2008, de 26 de Agosto, define
poluição como a introdução directa ou indirecta, em resultado de acção humana,
de substâncias, vibrações, calor ou ruído no ar, na água ou no solo,
susceptíveis de: prejudicar a saúde humana ou qualidade do ambiente; causar deteriorações
dos bens materiais ou causar entraves, comprometer ou prejudicar ou uso e
fruição e outros usos legítimos do ambiente.
O princípio do
desenvolvimento sustentável resulta da ponderação circunstanciada entre o
interesse da preservação do ambiente e os interesses de desenvolvimento
económico. Desta feita, segundo um critério de razoabilidade, a prevenção não
significará a antecipação de todo e qualquer risco. Como este princípio não
visa estritamente a protecção ambiental, compreende-se a sua duvidosa
juridicidade, nomeadamente no que concerne ao Direito do Ambiente.[5]
Há que ter consideração
a ponderação entre por um lado o direito fundamental ao ambiente, nos termos do
artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), e por
outro lado a livre iniciativa económica privada, como disposto no artigo 61.º
da CRP. A este propósito, importa mencionar os “standards ambientais” que
consistem em limites máximos de tolerabilidade da poluição, assentes em
critérios objectivos, a partir dos quais a Administração (a partir de uma
margem de livre apreciação administrativa) estabelece standards limitadores de
actividades poluentes, funcionando como solução ao conflito entre direitos
fundamentais.[6] A
vantagem destes critérios será a de encontrar um equilíbrio entre as
actividades poluentes e a livre iniciativa económica por um lado, com a
necessidade de protecção do meio ambiente por outro. Como refere o Professor
Tiago Antunes, “ a utilização de standards permite fixar níveis de convivência
aceitáveis e razoáveis entre a protecção dos habitats naturais e o
desenvolvimento industrial”,[7]
pelo que não seria razoável nem sequer possível, tendo em conta a sociedade em
que vivemos e que tende a desenvolver-se progressivamente, reduzir a zero as
emissões poluentes. Estes limites funcionam em concertação com o princípio da
prevenção, na medida em que antecipam as quantidades de emissões poluentes
permitidas, compatíveis com a preservação do ambiente.
O princípio da
prevenção traduz-se na necessidade de evitar lesões ao ambiente. As acções que
incidem sobre o meio ambiente devem procurar evitar (entre outras) situações de
poluição, antecipando os efeitos lesivos e não pelo combate dos seus efeitos à posteriori. Este princípio encontra-se
constitucionalmente consagrado no artigo 66.º, n.º 2, alínea a) da CRP assim
como no artigo 3.º, alínea a) da LBA. Já o princípio da precaução não se
encontra expresso na CRP nem na LBA. O Professor Vasco Pereira da Silva adopta
uma concepção ampla de prevenção ao invés da distinção entre prevenção e
precaução.[8]
Todavia, estes
“standards ambientais” suscitam questões como a de saber se será possível a
compra e venda do direito a poluir assim como se será admissível que quem polua
menos possa vender a sua quota a quem polui mais, não excedendo deste modo os
limites globais impostos.[9]
A nosso ver, a questão colocada poderá ser controversa na medida em que em
última análise permitirá a negociação da protecção ao ambiente. Não obstante,
consideramos que, apesar de determinada empresa exceder a sua quota de poluição
permitida, será preferível que possa comprar a outra entidade menos poluidora a
quota que excedeu a ser penalizada de alguma maneira. Isto porque apesar de
desrespeitado aquele limite, o certo é que em última análise o que verdadeiramente
importa é que o limite global máximo seja respeitado. Acresce ainda o facto de
que a entidade mais poluidora já estaria a ser “penalizada” ao ter que suportar
o custo da quota-parte que teria de comprar. Por sua vez, a entidade menos
poluente seria premiada ao receber aquele montante. Esta lógica é similar à
estipulada no artigo 6.º do Protocolo de Quioto, aprovado para ratificação pelo
Decreto n.º 7/2002, de 25 de Março, que regula a transferência e aquisição de
redução de emissões, visando a redução das emissões antropogénicas por fontes
ou o aumento das remoções antropogénicas por sumidouros de gases de efeito de
estufa em qualquer sector da economia, desde que cumpridos os requisitos
mencionados no artigo 6.º. As partes mencionadas no Anexo I podem adquirir
direitos de emissão de gases poluentes com efeitos de estufa a outros países.
O Direito do Ambiente é
considerado um “direito de terceira geração”, sendo um direito fundamental da
pessoa.[10]
Á luz do artigo 9.ºalínea d) da CRP, a protecção do meio ambiente constitui uma
obrigação natural do Estado, tratando-se de um direito positivo a uma acção do
Estado de modo a defender o ambiente.[11]
O não cumprimento de determinadas prestações que visem a defesa do ambiente,
constitui uma situação de inconstitucionalidade por omissão, por via do
disposto no artigo 283.º da CRP.[12]
Apesar de o Direito
permitir a estipulação de níveis de poluição admissíveis, quando esses limites
sejam ultrapassados e violados, haverá necessariamente lugar a responsabilidade
por danos ambientais e ecológicos. Os causadores de danos ambientais ao serem
responsabilizados pela reparação de danos que causarem terão ai um elemento
dissuasor, pelo que para lá da responsabilidade civil função de ressarcimento
tem também uma função preventiva.
Dano
ambiental e Dano ecológico
O dano ambiental tem
como alvo pessoas e bens, sendo susceptível de individualização no que diz
respeito aos titulares. Já o dano ecológico incide sobre um elemento natural.
Nos termos do artigo 6.º da LBA, são componentes ambientais naturais o ar, a
luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna. Os elementos naturais
não são susceptíveis de avaliação pecuniária na medida em que não são bens
apropriáveis. Nesta sequência, a Professora Carla Amado Gomes refere que apesar
de certos bens ambientais naturais se revestirem de forma corpórea (fauna,
flora, água, solo e subsolo), no que concerne à tutela das utilidades materiais
assumem uma dimensão material. Desta forma, enquanto coisas, os elementos
naturais são apropriáveis e patrimoniais, pelo que são susceptíveis de
avaliação pecuniária. Ao invés, quando considerados valores de equilíbrio dos
ecossistemas, assumem uma dimensão imaterial, não sendo apropriáveis nem
avaliáveis em dinheiro.[13]
A lesão ao ambiente só consubstancia um dano ecológico no caso de perturbar o
elemento natural de modo significativo. O dano ecológico, sendo inapropriável e
insusceptível de avaliação pecuniária, corresponde ao conceito de dano moral,
por contraposição aos danos patrimoniais. A distinção não tem que ver com a
natureza do bem afectado mas sim com o tipo de utilidades proporcionadas com
esse bem e que vieram a ser frustradas por via da lesão.[14]
Esta distinção entre dano ambiental e dano
ecológico poderá parecer um pouco artificial, por na prática ambos os danos parecerem
coincidentes.[15]
O dano ecológico pode
ter origem quer no exercício de actividades lícitas, nomeadamente por
intermédio de actividades industriais devidamente licenciadas, quer na
sequência de um acto ilícito. Fica excluído do âmbito do conceito de dano
ecológico danos patrimoniais assim como danos não patrimoniais, como a
afectação do repouso ou da saúde pública.[16]
Restauração
natural
Para além de uma função
preventiva de modo a evitar danos futuros, o Direito do Ambiente assume uma
feição de reparação do dano ecológico que efectivamente se tenha concretizado.
A restauração natural
ou reparação in natura, de modo a
reparar os danos ecológicos, poderá assumir uma de duas formas: a restauração
ecológica ou a compensação ecológica.
Consideramos reparação
natural visa não a reposição da situação anterior à do facto lesivo[17]
mas antes a reposição da situação que se verificaria no momento da reposição
caso não houvesse dano ecológico. Subjacente está a lógica de que a reparação
visa repor a situação tal e qual se verificaria como se aquele dano nunca
tivesse ocorrido, ou seja, como a situação se verificaria no momento da
reposição, como se aquele dano nunca tivesse ocorrido. Ora, se defendermos a
reposição ao estado em que se encontrava no momento do dano, verifica-se um espaço
temporal – entre o momento da ocorrência do dano e o momento em que há
reposição – que deve ser considerado, pois não tendo ocorrido a situação
danosa, esse lapso temporal não seria estático. Assim, o lesado é afectado não
só pelo prejuízo verificado no bem protegido como também num momento posterior
em que fruto daquele dano não se encontra no seu estado “normal” com todas as
desvantagens que isso acarrete. Esta última posição apesar de preferível
suscita dificuldades na determinação de qual seria a situação actual no caso de
não ter ocorrido aquele facto lesivo[18]
A doutrina diverge
quanto ao âmbito de reparação do dano ecológico, entendendo um sector que devem
apenas ser abrangidos os danos emergentes[19],
contrariamente a outra corrente doutrinária que defende que devem ser incluídos
não apenas os danos emergentes como também os lucros cessantes, uma vez que se
verifica uma perda de serviços causada pelo dano, não bastando a recuperação da
capacidade funcional do bem, sendo ainda necessária a recuperação das
capacidades de auto-regulação e de auto-regeneração do bem[20].
Compartilhamos a opinião de que a reparação do dano ecológico abrange não
apenas danos emergentes como também lucros cessantes. Conforme disposto no
artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil (doravante CC) o dano emergente corresponde
à utilidade que alguém adquiriria caso não tivesse ocorrido aquele dano. Já o
lucro cessante é todo aquele que alguém viria a adquirir no caso de não ter
ocorrido a lesão. Apesar de cessantes, não deixam de ser lucros perecidos em
virtude daquele dano devendo, como tal, ser abrangido pela indemnização
(reconstituição in natura ou
indemnização pecuniária, conforme a modalidade de indemnização que venha a ter
lugar). Se é objectivo da indemnização a reposição da situação actual
hipotética, então a exclusão dos lucros cessantes não cumpriria esse propósito
porquanto na situação hipotética aqueles lucros no futuro seriam obtidos.
Apesar de certas
actividades causadoras de prejuízos para o ambiente serem alvo de normas com
efeitos justificativos de ilicitude e preclusivos, tal não implica
necessariamente a exclusão do dever de compensação de danos ambientais e
ecológicos. [21]
1.
Restauração Ecológica
Consiste na reparação do
dano através de recuperação dos bens naturais afectados. O objectivo é o de
reintegrar ou recuperar os bens ambientais lesados. Nos termos do artigo 48.º,
n.º 1 da LBA, o infractor é obrigado a repor a situação anterior à prática do
facto lesivo ou situação equivalente. Conforme o entendimento do Professor José
Cunhal Sendim, reparação da situação anterior não implica necessariamente a
reconstrução de uma situação idêntica à anterior antes da verificação do dano.
Visa antes que a recuperação e restauração dos componentes ambientais afectados
de modo a proporcionar capacidade funcional equivalente à que existia
anteriormente ao facto lesivo. Não se pretende a reposição na íntegra da
situação anterior à verificação do dano, mas antes uma recuperação auto-sustentada
e o desenvolvimento de um processo de auto-regeneração do recurso natural
lesado.[22]
Também a Professora Lucía Gomis Catala adopta um conceito amplo de reparação in natura de modo a abranger medidas
distintas destinadas a alcançar a reconstituição através de um efeito ecológico
equivalente.[23] A Professora
Heloísa Oliveira contrapõe esta concepção de restauração ecológica,
designando-a de conceito amplo. Sendo o essencial da restauração ecológica a
recuperação dos bens naturais de modo a ser atingido o estado funcionalmente
equivalente ao anterior, a reparação só se poderia verificar por uma de duas
vias. Ou por intermédio de recuperação do componente natural afectado ou
através da recuperação do componente que seja funcionalmente equivalente. Esta
segunda via entra no âmbito da compensação ecológica. Daí que a Professora
Heloísa Oliveira entenda que só fará sentido a adopção de conceito amplo de
restauração ecológica no caso de não se pretender autonomizar a compensação
ecológica. Quanto mais amplo for o conceito de restauração natural menor será o
número de casos que são ressarcidos por intermédio de uma compensação pecuniária.
Assim sendo, entende antes que a restauração ecológica inclui a recuperação do
elemento natural assim como a adopção de medidas temporárias que sejam aptas à
recuperação funcional do bem, de modo a permitir uma compensação pelos efeitos
de redução da capacidade funcional até ser alcançando o restabelecimento.[24]
Neste caso não se
pretende a restauração dos bens ambientais afectados mas antes a sua
substituição por bens equivalentes, de modo a que o património permaneça igual.
Deste modo, é introduzido no ambiente um bem natural diverso mas com idêntica
capacidade funcional. Como refere o Professor José Cunhal Sendim e como quem
concordamos na íntegra, o que se pretende é a possibilidade de compensar a
Natureza com a Natureza.[25]
Os casos em que se recorre
à compensação ecológica justificam-se pelo facto de a restauração ecológica se
verificar desproporcional ou quando não seja total ou parcialmente possível de
levar a cabo por ter ocorrido destruição irreversível do bem jurídico lesado.
Na jurisprudência
norte-americana surgiu um exemplo de compensação ecológica pela impossibilidade
e desproporcionalidade de restauração ecológica. No caso Commonwealth of Puerto Rico vs. SS Zoe Colotroni, que data de 1980,
o tribunal decidiu, na sequência dos danos provocados na sequência de um
derrame de crude à fauna e flora numa floresta desabitada e de grande interesse
ecológico, pela indemnização no sentido de compensar o ecossistema lesado
noutros locais, nomeadamente adquirindo terrenos destinados a parques públicos
ou reflorestação de zonas semelhantes que tenham sido afectadas. Deste modo
visou-se compensar bens naturais com bens naturais equivalentes. Todavia, neste
processo de substituição há que ter presente que a protecção jurídico-ambiental
não deve visar exclusivamente a preservação de capacidade de aproveitamento
humano dos bens naturais, pretendendo-se também, e diríamos nós em primeira
linha, a tutela da capacidade funcional ecológica.[26]
O facto de não existir
uma substituição dos recursos naturais perfeita, poderá constituir uma crítica
adversa à compensação ecológica. Não obstante, muito dificilmente é possível
uma reparação in integrum.[27]
Quando o artigo 48.º,
n.º 1 da LBA refere que o lesante deve repor a situação anterior ao dano ou
equivalente, nesta última expressão cabe a possibilidade de que por intermédio
de substituição do bem jurídico afectado por outros que se localizem noutro
local mas com capacidade de prestação idêntica.
Tanto a restauração
ecológica como a compensação ecológica pretendem a remoção de um dano ecológico
concreto. Ambas visam a reposição de modo sustentado da capacidade funcional do
bem lesado. Não obstante, o que as diferencia é o modo de reintegração do bem
lesado. Enquanto na restauração ecológica se pretende uma recuperação ou
reintegração in situ do bem natural
lesado, no caso da compensação ecológica, a reintegração do bem ambiental
prossegue-se por intermédio de introdução no ambiente de um bem natural
distinto ao lesado mas com capacidade funcional idêntica.
Em Portugal, a
Comarca de Coruche decidiu, a propósito do dano ambiental causado pelo derrube
de 27 ninhos de cegonhas, que a autora deveria construir suportes artificiais
para colocação de estruturas aptas de modo a substituírem adequadamente a
função de habitat dos ninhos derrubados, ao abrigo do disposto no artigo 48.º,
n.º 1 da LBA. O Ministério Público deduziu um pedido de indemnização,
requerendo a condenação na reposição da situação que existiria, "se não se tivesse verificado
o evento que obriga à reparação", através da construção de dois suportes
artificiais. No dia 12 de Março de 1988, deslocou-se ao Concelho de Coruche um
grupo do núcleo de Lisboa da "Associação Nacional de Conservação da
Natureza" ("Quercus"), com o intuito de efectuarem o
recenseamento da cegonha branca existente na área. Neste seguimento, visitaram
a herdade da Quinta Grande, onde constataram a existência de três pinheiros
mansos que suportavam cerca de 27 ninhos de cegonha branca, dos quais 23 com
ovos, tendo colocado cartazes de modo a identificar a espécie como protegida.
Apesar de a arguida estar alertada para a necessidade de proteger a colónia de
cegonhas brancas e de terem sido colocados cartazes bastante explícitos, os
três mencionados pinheiros foram derrubados e destruídos os ninhos de cegonhas.
“As cegonhas brancas, cuja altura mais importante de nidificação, é no período
compreendido entre Fevereiro e Julho, tendem a proferir, para a construção dos
seus ninhos, suportes altos, isolados e em campo aberto”.[28]
Compensação
pecuniária
A restauração natural e
a compensação pecuniária não são cumulativas, na medida em que ambas respondem
pelo mesmo dano. A compensação pecuniária trata-se antes de um meio
subsidiário, ao qual se recorre apenas no caso de a restauração natural não ser
possível. Quando a restauração natural não seja possível, sendo o dano
ecológico irreparável, a indemnização pecuniária deve ser entendida num sentido
de compensação pecuniária. Consideramos que tal se deve ao facto de a
indemnização pecuniária ser a medida que menos serve ao objectivo de tutela do
ambiente. As medidas preventivas funcionam como modo de evitar o direito a vir
a ser indemnizado por danos ecológico.[29]
Nesta sequência, quanto mais lato sejam os conceitos de reparação ecológica e
compensação ecológica, mais limitado será o campo de aplicação da compensação
pecuniária. Consideramos que tal se verifica como benéfico em termos de tutela
aos bens ambientais afectados, na medida em que a finalidade da tutela do meio
ambiente é a de conservação do bem jurídico ambiente, pela restauração e
prevenção do dano ecológico. Ao invés, o objectivo da responsabilidade civil
será o de ressarcimento de danos.
Apesar de a obrigação
de reparação se concretizar por via do pagamento da indemnização pecuniária,
defende a Professora Heloísa Oliveira que o dano ecológico só se considera
reparado a partir do momento em que essa compensação seja aplicada e reverta a
favor do ambiente.[30]
Subscrevemos na íntegra esta posição, partindo do pressuposto de que apesar de
formalmente o dever de compensação pelo dano ecológico estar cumprido pelo
pagamento de uma indemnização, na prática tal reparação só se reflete no meio
ambiente a partir do momento em que o montante recebido se materializa em
melhoria do bem ambiente que foi afectado.
No regime geral da
responsabilidade civil, a indemnização em dinheiro verifica-se sempre que a
reconstituição natural não seja possível, não possibilite a reparação integral
dos danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, nos termos do artigo
566.º, nº. 1 do Código Civil (doravante CC). Conforme decorre do disposto no
artigo 562.º do CC, o lesante deve reconstituir a situação que existiria no
caso de o dano não ter ocorrido, sendo que a obrigação de indemnização em
dinheiro se reveste de um carácter subsidiário. Assim sendo, o objectivo será o
de remover o dano real, só se recorrendo à indemnização em dinheiro no caso de
a reparação in natura se verificar
impossível[31],
insuficiente ou excessivamente onerosa e desproporcional. A indemnização
pecuniária resulta da diferença entre a situação real em que o lesado se
encontra e a situação hipotética em que se encontraria no caso de aquele dano
não ter ocorrido.
Enquanto a
responsabilidade civil tem por finalidade o ressarcimento de danos, a
responsabilidade por danos ecológicos assume uma feição conservatória. A este
propósito, a Professora Heloísa Oliveira refere que “ a finalidade da
responsabilidade civil ecológica é a reconstituição dos ciclos naturais da
Terra. A restauração e prevenção do dano ecológico é a ideia directriz do
direito de responsabilidade ambiental”.[32]
A responsabilidade
civil revela-se inadequada à protecção do meio ambiente, quando os danos não
podem ter lesados ou lesantes individuais e determinados. Neste caso, não há
ninguém a quem concretamente se possa dirigir aquele pedido de indemnização.
Todavia, mesmo que lesante e lesado sejam determinados, as indemnizações
pecuniárias a pagar podem ser entendidas do ponto de vista do poluidor como um
mero custo de produção, sendo que em alguns casos tais custos nem se
concretizam devido à morosidade judicial ou ainda à difícil prova dos factos.[33]
De modo inverso ao
regime da responsabilidade civil, na responsabilidade por danos ecológicos não
é admitido acordo entre a agente e a entidade pública no sentido de
determinarem a pena concretamente aplicável[34],
ou seja, não podem os sujeitos determinar o montante da indemnização pecuniária
se não foi afastada a possibilidade de restauração natural.
O cálculo da
indemnização pecuniária deve, na nossa opinião, destinar-se a financiar a
reparação natural. Não consideramos que tal se trate de uma possibilidade mas
antes de uma obrigatoriedade.[35]
Tal entendimento decorre da necessidade da tutela ambiental, devendo o meio
ambiental ser compensados dos danos que o afectaram. Certos ordenamentos
jurídicos fixam limites de montante a suportar por via da compensação pecuniária.
Tal medida poderá funcionar como meio dissuasor numa lógica preventiva.[36]
Apesar da dificuldade
inerente à determinação de um montante pecuniário, tal não obsta à obrigação de
indemnização em dinheiro, pois a afirmação do contrário levaria à desresponsabilização
dos lesantes.
No Tribunal da Relação
do Porto, em 23 de Junho de 1999,
foi colocada a questão de uma fábrica sita em Mouquim, S. Pedro Este, Braga,
ter sido condenada a cessar totalmente as suas actividades até possuir
licenciamento para actividade industrial e despejos, assim como a pagar ao
Estado um indemnização. A fábrica de torneiras fazia os despejos nos efluentes
que se apresentavam de “cor amarelo-esverdeado, cheiro intenso e blocos de
espuma”, sem o devido licenciamento para tais emissões. Das análises realizadas
a partir das amostras daquela água ficou provado que “os teores de crómio e
níquel referentes a essas análises, uma vez ingeridos através da água e
alimentos, são susceptíveis de provocar doenças (…), assim como provocam impacto
do meio ambiental por destruição da fauna e da flora”. A fábrica (Ré) recorreu
para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a absolvição da indemnização ou,
subsidiariamente, a condenação em indemnização meramente simbólica. O Tribunal
decidiu no sentido de que as indemnizações simbólicas não se concertavam com as
medidas destinadas a desencorajar e prevenir outras condutas semelhantes à da
fábrica, julgado improcedente a apelação e confirmando e decisão recorrida.[37]
Hierarquia
entre as duas modalidades de indemnização?
Conforme o princípio da
primazia da restauração natural do dano ecológico, a reparação in natura prevalece sobre a indemnização
pecuniária, tal como resulta do disposto no artigo 566.º do CC assim como do
artigo 48.º da LBA. Como refere a Professora Heloísa Oliveira “No caso do dano
ecológico, o ressarcimento de danos só pode ser feito através da reparação in natura, uma vez que só a reposição
das características do elemento natural ou criação de equivalente funcional se
pode considerar que a situação actual hipotética foi reposta. Ou seja, em rigor
a indemnização pecuniária não pode ser vista como uma forma de indemnização,
mas tão-somente como compensação em sentido próprio”[38].
Para a Professora
Heloísa Oliveira a hierarquização entre restauração ecológica e compensação
ecológica não é rígida e inflexível, devendo a preferência de uma sobre a outra
ser apreciação casuisticamente.[39]
Da decisão no caso State of Ohio vs. United States Departement
of the Interior resultou que a restauração natural do dano ecológico é
imperativa, só sendo substituída por indemnização pecuniária no caso de se
verificar desproporcionada. Isto uma vez que do regulamento de avaliação dos
danos ecológicos imputáveis nos termos do CERCLA, resultava a possibilidade de
se substituir a reparação natural pela indemnização pecuniária quando o custo
daquela fosse superior ao custo desta. Assim, o tribunal condenou o Ministério
do Interior (Departement of the Interior)
a aprovar um novo regulamento onde se previsse a imperatividade da restauração
natural face à indemnização pecuniária, o que veio a suceder em 1994.[40]
Limites
que obstem à Restauração natural
Surgem limites de vária
ordem que podem obstar à restauração ecológica, desde logo pela dificuldade de
concretização que suscita a reconstituição de uma situação actual hipotética de
um bem afectado. Casos há em que não se consegue alcançar a reconstituição
material do bem afectado, designadamente por não ser possível fazê-lo através
de uma restauração ecológica. [41]
Também porque a reposição poderá acarretar custos ambientais que não sejam os
desejáveis, nomeadamente ao nível dos efeitos que possam causar ao ambiente. A
restauração ecológica pode ainda ser afastada pelo facto de se revelar
excessivamente onerosa para o causador do dano.[42]
Limites
científicos
Consideramos que,
devido à dificuldade em determinar com exactidão qual a situação em que o bem
se encontrava antes da ocorrência do dano, é levado a cabo um juízo de forte
probabilidade, ou invés de um juízo de certeza. Claro que o ideal seria a concreta
certeza da situação anterior ao facto lesivo. Porém, nem sempre se verifica
fácil a determinação do estado anterior do meio ambiente lesado. São
necessários estudos científicos realizados antes do facto dano.
O
Princípio da Proporcionalidade
1.
Princípio da proporcionalidade em sentido estrito
Terá de haver uma
ponderação entre o bem jurídico ecológico a reintegrar e as vantagens jurídicas
advenientes dos custos necessários suportados pelo responsável de modo a
realizar a indemnização.
Uma solução possível
será a de excepcionar a restauração natural quando seja excessivamente onerosa
para o responsável pelos danos. Quando haja uma flagrante desproporção entre o
interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável.
2.
Princípio da necessidade ou da exigibilidade
A necessidade da medida
indemnizatória escolhida consiste na concretização da indemnização do dano
ecológico. No caso de se apresentarem várias alternativas possíveis, o
princípio da necessidade impõe a escolha pela opção que se conforma com maior
grau de proporcionalidade.
3.
Princípio da adequação de meios ou da conformidade
Consiste na relação
entre a adequação de medida-fim. A medida de restauração natural deve ser
apropriada de modo a prosseguir os fins subjacentes à norma jurídico-ambiental.
Prevalência
de auto-regeneração ecológica
Deve o julgador optar
por processos de auto-regeneração ecológica em que não existe manipulação
humana do património natural. A intervenção humana deverá limitar-se ao
estritamente necessário, designadamente através do acompanhamento e controlo da
recuperação do ecossistema bem como ao condicionamento dos usos humanos do
local lesado.
Está intimamente ligada
ao princípio da homeostasia, o qual consiste na capacidade dos sistemas de se
auto-regenerarem independentemente da intervenção humana que ocorra. Sendo que
a Natureza por si só retoma o seu equilíbrio.
Esta regra da
auto-regeneração ecológica poderá ser excepcionada quando se justifique a
intervenção humana. Nomeadamente, nos casos em que a auto-regeneração não se
figura suficiente de modo a obter os fins exigidos pela norma
jurídico-ambiental.[43]
Soluções
para os problemas ambientais
Á emanação de um acto
autorizativo vem associada a ideia fiscalização e controlo inspectivo da
actividade licenciada.[44]
Isto porque apesar de a actividade poder reunir as condições necessárias à
emissão de uma licença, tal não significa que durante a sua operatividade não
venham a decorrer danos que excedam os limites toleráveis, mais concretamente
os “standards ambientais”, como vimos supra. A Professora Carla Amado Gomes,
não obstante a transição da Administração agressiva para Administração
prestadora, refere que a actividade inspectiva face às actividades licenciadas
consubstancia a vertente de Estado polícia, não significando um ressurgimento
mas antes uma subsistência deste modelo no que respeita aos mecanismos de
coercibilidade.[45]
Conforme a definição de
Ranelletti[46],
autorização administrativa consiste na “remoção de limites (legais) ao livre
exercício de uma actividade individual por razões de ordem pública”,
desempenhando desta forma uma função preventiva de danos ao ambiente por
intermédio da imposição de limites.
Verificou-se uma
evolução do papel desempenhado pela Administração no que respeita aos actos
autorizativos, na medida em que se antes a Administração Pública respondia ao
requerimento no sentido de deferimento ou indeferimento, baseado em finalidades
de prevenção negativas, hoje verifica-se que esta função foi alargada no
sentido de as autorizações abrangerem uma programação das actividades dos
particulares no sentido de incentivar a iniciativa privada.[47]
A responsabilidade
civil não se configura como uma solução adequada à protecção do ambiente. São
antes preferíveis a utilização de instrumentos de protecção jurídica de cariz
preventivo como a avaliação de impacto ambiental, a eco-rotulagem que indique
as características ambientais do produto de modo a fomentar o eco-consumo, as
eco-auditorias, que procedam à avaliação da qualidade ambiental de uma empresa,
bem como a eco-gestão, passando por uma gestão da empresa de forma
ambientalmente eficiente, assumindo funções de prevenção positiva.[48]
Reparação
de danos ambientais e indemnização por danos ecológicos
Como referimos supra,
apenas quando a restauração natural não seja possível é que se recorre à
substituição da reparação natural pelo pagamento de uma indemnização.
Porém, há situações em
que os bens ambientais lesados são direitos privados. Nestes casos, surge o
problema de compatibilizar o regime civil em que é aplicável a indemnização do
dano no bem privado com o regime de indemnização por danos ecológicos. Nestes
casos, poderá acontecer que o proprietário de um bem afectado prefira optar
pela indemnização pecuniária ao invés da restauração ou recuperação do bem
ambiental lesado.
No direito alemão,
perante esta problemática, a doutrina dominante adere à possibilidade de o
proprietário poder preferir o pagamento de indemnização, aplicando-se a regra
da responsabilidade civil segundo a qual pertence ao credor o direito de exigir
a restauração natural.[49]
Porém, para alcançar a tutela ambiental será preferível a reconstituição in natura à indemnização pecuniária.
No direito português
estaríamos na presença de um concurso de normas, aplicando-se à indemnização
ambiental do dano privado, por um lado o artigo 566.º do CC, segundo o qual a
restauração natural poderá ser substituída por indemnização pecuniária; por
outro seria aplicável o artigo 48.º da LBA ao dano ecológico. No caso de haver
acordo entre credor e devedor no sentido de se optar pela indemnização
pecuniária, a restauração natural seria afastada. O Professor Cunhal Sendim,
perante esta solução, entende que se justifica a prevalência do regime
especial, ou seja, do disposto no artigo 48.º da LBA, pois a intenção normativa
de tais regras é a de assegurar a conservação do bem ambiental impondo desta
forma a recuperação do bem, de modo a repor a situação anterior à prática do
facto lesivo. Poderá assim verificar-se que a indemnização de danos ecológicos
não permita a reparação integral de danos e nesse remanescente em falta poderá
verificar-se a indemnização pecuniária. Tal situação é semelhante ao caso em
que a restauração ecológica não seja possível, sendo necessário recorrer à
compensação ecológica, substituindo-se os componentes danificados por outros
equivalentes no mesmo local.
Pode a reparação do
dano ambiental ser coincidente com a reparação do dano ecológico. Não obstante,
poderá a reparação do dano natural não ficar completa por via da reparação do
dano ambiental. Esta afirmação terá maior concretização para quem entenda que
os lucros cessantes apenas se reconduzem ao dano ambiental mas não aos danos
ecológico.[50] Como já
mencionámos anteriormente, não compartilhamos deste entendimento.
Conforme o entendimento
de determinada corrente doutrinária, a responsabilidade por danos ao ambiente
visa compensar o dano causado à vítima.[51]
Consideramos que o conceito de vítima não pode ser entendido no sentido de um
lesado que, por exemplo seja proprietário de uma propriedade danificada.
Entendemos que este conceito assume uma feição ampla no sentido de abranger
para além do individuo o próprio ambiente que também é afectado. Não deve a
tutela ambiental ser subalternizada face à tutela do particular lesado.
A
titularidade do direito à indemnização dos danos ecológicos
1.
O direito dos particulares ver a lei de acção popular
Sendo os particulares
titulares de um direito subjectivo ao ambiente, nos termos do artigo 52.º, n.º
3 da CRP, poderão pessoalmente ou por intermédio de associações de defesa dos
interesses em causa e direito de promover a prevenção, cessação ou perseguição
judicial das infracções contra o ambiente, assim como requerer a respectiva
indemnização de danos ecológicos. Qualquer cidadão, independentemente da sua
relação específica com o bem lesado, poderá interpor uma acção popular de modo
a defender os bens ecológicos. A indemnização decorrente de um dano a um bem
ambiental consiste num direito, liberdade e garantia expressão do direito
fundamental, como constitucionalmente consagrado na CRP. Também no artigo 40.º,
n.º 4 da LBA vem reconhecido o direito a indemnização por danos ao ambiente.
2.
O Estado como titular do direito à indemnização de danos ao ambiente
Para determinada
corrente doutrinária, sendo o ambiente entendido como um bem jurídico e o dano
ecológico como um dano ao Estado comunidade, tende-se a considerar o Estado com
legitimidade para propor acção jurídico-pública-ressarciatória-indemnizatória
perante os agentes responsáveis pelos danos ambientais.
Conforme o entendimento
de outro sector na doutrina, o Estado actua como mero representante do público,
tendo legitimidade para exigir a indemnização por intermédio de reparação do
dano ecológico. Nestes moldes, o ambiente é entendido como um bem colectivo,
sendo um direito de toda a colectividade.
Nos Estados Unidos da
América o Congresso aprovou o CERCLA (Comprehensive Environmental
Response, Compensation, and Liability Act) em 11 de Dezembro de
1980. Também conhecido como Superfund, consistiu na criação de um imposto
sobre as indústrias químicas e de petróleo. O que se pretende é a
responsabilidade solidária das partes potencialmente responsáveis face à
autoridade pública.[52]
No
regime norte-americano, a C.E.R.C.L.A. atribui ao Estado a legitimidade activa
de modo a imputar ao lesante o dano que causou e consequente responsabilidade
por danos ambientais.
O
problema do lapso temporal
O tempo que decorre
entre a verificação do dano e a sua reparação pode vir a revelar consequências
agravantes ao nível do próprio dano. Um dano que inicialmente seja de diminuta
importância quanto ao seu impacto no meio ambiente, pode vir a ganhar elevadas
proporções. Imaginemos o exemplo de uma fábrica que desencadeia emissões poluentes,
tanto para o ar como para um efluente, acima do admitido pelos “standards
ambientais” fixados. Enquanto aquela actividade não for suspensa, pela passagem
do tempo, vão sendo continuamente produzidas mais emissões. Mas mesmo no caso
de uma actividade que não seja continuada, como por exemplo no caso de derrame
de crude no mar, a não remoção deste elemento com a maior brevidade trará
consequências agravantes pelo decurso do tempo em que permanece e continua a
afectar o ambiente.
Procedimento
Para imputar o dano
ecológico ao lesante, será necessário em primeiro lugar identificar o dano,
determinando se se trata de um dano ecológico ou ambiental. Há igualmente que
delimitar os lesados afectados e a origem daqueles danos (que poderá ter um ou
vários factores concorrentes).
Dependendo das
circunstâncias de cada caso, deve ser levada a cabo a reparação ecológica,
compensação ecológica ou, subsidiariamente, a compensação pecuniária. A
Professora Heloísa Oliveira delineia a ordem de aplicação destas medidas do
seguinte modo: restauração ecológica com auto-regeneração; restauração
ecológica com manipulação de bens naturais; compensação ecológica com
auto-regeneração; compensação ecológica com manipulação de bens naturais;
compensação pecuniária.[53]
No caso de uma
reparação in natura, ter-se-á que
determinar o estado do bem afectado no momento anterior à lesão e a partir daí
concretizar a situação em que esse mesmo bem se encontraria no momento da
reposição.[54]
Verifica-se uma
complexa dificuldade no que concerne à concretização da prova do nexo de
causalidade entre as acções do lesante e os danos, nomeadamente pela distância
entre a instalação poluente e a zona afectada; a multiplicidade de fontes que
poderão concorrer na verificação daquele dano; assim como o tempo decorrido
entre a origem do dano e a sua efectiva verificação.[55]
Tribunal
Competente
No que concerne à
responsabilidade civil ambiental, tanto são competentes a jurisdição judicial
como a jurisdição administrativa (nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). Como sublinha o Professor
Vasco Pereira da Silva verifica-se uma situação de “Dualidade de jurisdições
que se toma ainda mais indesejável no domínio da responsabilidade
administrativa em matéria de ambiente, causando «problemas insolúveis» de
determinação do tribunal competente para a reparação de danos causados pela
Administração pública”.[56]
Na óptica da Professora
Carla Amado Gomes, o controlo judicial de actos administrativos ambientais
enfrenta o problema de falta de preparação do juiz para lidar com pressupostos
de validade do acto bem como a proibição de substituição que recai sobre o juiz
relativamente à actuação administrativa, por força da regra de separação de
poderes.[57]
O factor tempo tem um
relevante papel na medida em que a morosidade pode agravar o dano ao ambiente.
Deste modo, justifica-se o recurso a providências cautelares como forma de
evitar o agravamento daquela lesão ambiental. Nos termos do artigo 42.º da LBA,
pode ser mandada suspender de imediato a actividade que origine o dano, por
intermédio de embargos do ambiente. Esta figura tem equivalência ao embargo de
obra nova, dispondo o artigo 412.º e seguintes do Código de Processo Civil
(doravante CPC).
O
regime jurídico da responsabilidade civil por danos ambientais – Decreto-lei
n.º 147/2008, de 29 de Julho
O Decreto-lei n.º
147/2008, de 29 de Julho surge da necessidade de transpor a Directiva
2004/35/CE acerca da responsabilidade civil ambiental.
Trata-se de um regime
que consagra simultaneamente a prevenção e a reparação dos danos ambientais.
O regime jurídico da
responsabilidade civil por danos ambientais (doravante RJRDA) consagra
simultaneamente dois regimes: quer a responsabilidade civil subjectiva e
objectiva pela qual os operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os
indivíduos lesados; quer a responsabilidade administrativa destinada a reparar
danos causados ao ambiente perante toda a colectividade.[58]
Dentro das inovações
deste novo regime jurídico da responsabilidade civil por danos ambientais
destacam-se a responsabilização pública, independente de uma posterior
responsabilização do sujeito causador do dano; a consagração de uma noção ampla
de “dano ambiental” em confronto com a distinção doutrinária entre dano ambiental
e dano ecológico; noção ampla de responsabilidade que abrange tanto o “antes”
como “após” a verificação do dano, verificando-se acções de prevenção e de
reparação de danos ambientais; a preferência pela “reconstituição natural” ao
invés da simples reparação; bem como o estabelecimento de deveres de
colaboração entre os Estados- membros na adopção em matéria de prevenção e
reparação.[59]
CONCLUSÃO
Consideramos
que a reparação natural visa não a reposição da situação anterior à do facto
lesivo mas sim a reposição da situação que se verificaria no momento da
reposição caso não houvesse dano ecológico. De igual modo defendemos que a
reparação do dano ecológico abrange não apenas danos emergentes como também
lucros cessantes.
A
compensação pecuniária trata-se antes de um meio subsidiário, ao qual se
recorre apenas no caso de a restauração natural não ser possível.
Constituem
como limites à restauração natural limites de ordem científica na avaliação da
situação anterior ao dano, limites decorrentes da imposição de uma medida
proporcional.
Quanto
ao factor temporal, assume especial relevância porquanto no lapso temporal
entre a verificação do dano e a sua reparação podem vir a desenvolver-se
consequências agravantes para o bem ambiental lesado.
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AAFDL, 2009.
SILVA,
Vasco Pereira da/ Sendim, José Cunhal/ Miranda, João
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Caderno Verde, Lisboa, AAFDL, 2005.
[1]
Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no
Direito do Ambiente, Coimbra Editora, 2000, pág. 15 e ss.
[2]
Ulrich Beck apud Vasco
Pereira da Silva, José Cunhal Sendim e João Miranda, O Meu Caderno Verde, Lisboa, AAFDL, 2005, pág. 25.
[3] Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Acto Autorizativo concretizador de deveres de
Protecção do Ambiente, Dissertação de doutoramento em Ciências
Jurídico-Políticas (Direito Administrativo) pela Faculdade de Direito de
Lisboa, 2006, pág. 242 e ss.
[4] Vide Maria Alexandra de Sousa Aragão, O princípio do poluidor pagador: pedra
angular da política comunitária do ambiente, Coimbra Editora, 1997.
|
[5]
Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL,
Lisboa, 2012, pág. 68 e ss.
[6] A este propósito vide Tiago Antunes, O ambiente entre o direito e a
técnica, Lisboa, AAFDL, 2003, pág.41 e ss.
[8]
Tal concepção ampla do
conceito de prevenção alicerça-se na natureza linguística na medida em que se
verifica uma similitude vocabular entre prevenção e precaução, por razões de
conteúdo material, bem como por razões de técnica jurídica, conforme o
entendimento de Vasco Pereira da Silva, Verde
Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, pág. 66 e
ss.
[9]
Estas interrogações são
suscitadas por Tiago Antunes, O ambiente
entre o direito e a técnica…, pág.50.
[10]
Francesco Lucarelli, Tutella dell’ Ambiente e nuove Tecnologie, CEDAM,
Padova, 1995, pág.147 e ss.
[11]A defesa da natureza e do
ambiente como tarefa fundamental do Estado consta da alínea e) do artigo 9.º
desde a revisão constitucional de 1982 como referido em Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I,
2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 191.
[12] Gomes Canotilho e Vital Moreira, A Constituição da República Portuguesa Anotada,
3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, pág. 349.
[13]
Ulrich Beck, apud Carla
Amado Gomes, Introdução ao Direito do
Ambiente,… pág. 21.
[14]
Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 6.ª
edição, Almedina, 2007, pág. 335 e ss.
[15] A este propósito, a partir de um exemplo dado por
Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano
Ecológico, Relatório de Mestrado em Ciências Jurídico-Ambientais
apresentado na Faculdade de Direito de Lisboa, Ano lectivo 2008/2009, pág.6, no
caso do abate de uma árvore por um terceiro é susceptível de causar um dano
ambiental, mais concretamente ao proprietário daquela árvore, também causa um
dano ecológico ao ambiente.
[16]
Cfr. Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág.7.
[17]
Adoptando esta posição,
Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por Daños
al Medio Ambiente, Pamplona, Aranzadi Editorial, 1998, pág 247.
[18]
A este propósito, no caso
do abate de sobreiros, a plantação dos mesmos não permite, dado o período de
crescimento da espécie, a reposição da situação actual hipotética. Como
exemplifica Heloísa Oliveira, A Reparação
do Dano Ecológico, Relatório …, pág.21 e ss.
[19]
Neste sentido, Heloísa
Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico,
Relatório …, pág.20.
[20]
Vide José de Sousa Cunhal
Sendim, Responsabilidade civil por danos
ecológicos. Da reparação do dano através da Restauração natural, Coimbra
Editora, 1998, pág. 181 e ss.
[21]
Gomes Canotilho, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e
Responsabilidade por Danos Ambientais, … pág. 65.
[22]
Vide José de Sousa Cunhal
Sendim, Responsabilidade Civil por danos
ecológicos…, pág. 183 e ss.
[23]
Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por Daños al Medio Ambiente,
Pamplona, Aranzadi Editorial, 1998, pág 264.
[24]
Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…
[25]
A propósito desta distinção,
vide José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade
Civil por danos ecológicos…, pág. 187.
[26]
Vide José de Sousa Cunhal
Sendim, Responsabilidade Civil por danos
ecológicos…, pág. 196 e ss.
[27]
Neste sentido, Heloísa
Oliveira, … pág. 25.
[28]
Tribunal Judicial de
Coruche, de 23 de Fevereiro de 1990 (Ana Teixeira e Silva), Processo nº 278/79.
[29]Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 252.
[30]
Heloísa Oliveira,A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág. 27.
[31]
A impossibilidade de
reconstituição pode ser material no
caso de ocorrer uma destruição de coisa não fungível ou jurídica quando haja uma alienação sucessiva do mesmo imóvel a duas
pessoas, registando a última a aquisição a seu favor. Sobre esta distinção vide
Pires Lima e Antunes Varela, Código Civil
anotado, vol.I, 2.ª edição, Coimbra
Editora, 1979, pág.506.
[32]
Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág.33.
[33] Neste sentido, José Joaquim Gomes Canotilho,
(coord.) Introdução ao Direito do
Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998, pág. 146.
[34]
Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág.33.
[35]
No sentido da possibilidade
de a indemnização pecuniária se destinar financiar a reparação in natura, Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 265 e ss.
[36]
Lucía Gomis Catala, Responsabilidad por…, pág. 276 e ss.
[37]
Tribunal da Relação do
Porto, de 23 de Junho de 1999 (Azevedo Moreira e Rui Botelho), Processo nº 446/97.
[38]
Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág.30.
[39]
Heloísa Oliveira,A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág. 34 e ss.
[40]
José de Sousa Cunhal
Sendim, Responsabilidade Civil por danos
ecológicos – Da Responsabilidade do Dano através de restauração natural, Coimbra
Editora, 1998, pág. 154 e ss.
[41]
Cfr. Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 259 e ss.
[42]
Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág.
[43]
José de Sousa Cunhal
Sendim, Responsabilidade Civil por danos
ecológicos – Da Responsabilidade do Dano através de restauração natural, Coimbra
Editora, 1998, pág. 243e ss.
[44]
Vide José Joaquim Gomes
Canotilho, Actos Autorizativos
Jurídico-Públicos e Responsabilidade por danos ambientais, Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume n.º 69, 1993, pág. 39 e
ss.
[46]
Ranelletti Apud Carla Amado
Gomes, A Prevenção à Prova no…,
pág.61. Ranelletti também citado por Paolo dell’Anno.
[47]
Paolo dell’ Anno Apud Carla
Amado Gomes, A Prevenção à Prova no…,
pág.64 e ss.
[48]
Esta enumeração de
instrumentos preventivos de tutela ambiental consta de José Joaquim Gomes
Canotilho (coordenador), Introdução ao
Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta,1998, pág. 147.
[49]
Vide José de Sousa Cunhal
Sendim, Responsabilidade Civil por danos
ecológicos…, pág. 198 e ss.
[50]
Nomeadamente, Heloísa
Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág.51.
[51]
Cfr. Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 285.
[52]
Vide Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por … pág 159.
[53]
Cfr. Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório
…, pág.45.
[54] De acordo com a lógica que adoptámos supra de que a
restauração natural não se limita a uma reposição à situação anterior à prática
do facto lesivo, exigindo antes a reposição conforme a situação se encontraria
no momento da reposição, no caso de não ter ocorrido o dano.
[55]
Vide [55] Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 309.
[56] Vasco Pereira da Silva, “Ventos de Mudança no Direito do
Ambiente – A Responsabilidade Civil Ambiental” in Carla Amado Gomes e Tiago
Antunes (Org.), O que há de novo no Direito do Ambiente? – Actas das Jornadas
de Direito do Ambiente, 15 de Outubro de 2008, Lisboa, AAFDL, 2009, pág. 13.
[57]
Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no…, pág.96.
[58]
Tiago Antunes, “Da natureza
jurídica da Responsabilidade ambiental”, in
Teorias de Direito do Ambiente, Cadernos O Direito, Almedina, n.º 6, 2011, pág.
142.
[59]
A enunciação destas
inovações constantes do novo regime em Vasco Pereira da Silva, “Ventos de Mudança no Direito do
Ambiente …, pág.17.
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