sábado, 18 de maio de 2013


FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

 

 


 

Restauração natural de um dano ecológico

 

Trabalho da Disciplina de Direito do Ambiente regida pelo Professor Doutor Vasco Pereira da Silva

 

 

 

Sofia Inês Fidalgo Vicente

Aluna n.º 19864

 Subturma 3

Lisboa, 17 de Maio de 2013

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

A prevenção de danos causados ao ambiente assume-se como um dos princípios estruturantes do Direito do Ambiente. Não obstante, no caso de um dano já consumado, terá de se recorrer à responsabilidade dos danos causados ao ambiente e a respectiva reparação in natura de um dano ecológico.

De modo a determinar os casos em que seja necessária uma reparação in natura, há primeiramente que definir o que se entende por dano ecológico e distingui-lo do dano ambiental. Uma vez delimitados estes conceitos, pretendemos delinear os casos em que deve haver lugar a uma reparação natural de um dano ecológico assim como o respectivo procedimento a adoptar.

Faremos uma abordagem aos modos de reparação dos danos ecológicos e aos seus critérios concretizadores. De seguida, analisaremos os limites à restauração natural. Mais precisamente, casos em que a restauração ecológica não seja possível, sendo necessário recorrer à compensação ecológica. De seguida, há que analisar a relação de subsidiariedade entre a restauração natural e a indemnização pecuniária. Há ainda que abordar o facto de a compensação pecuniária pretender um ressarcimento dos danos causados, ao passo que na responsabilidade civil por danos ecológicos o que se pretende é antes a reparação do bem ambiental afectado.

Apesar de não ser o nosso objecto de estudo, uma vez que se relaciona com a responsabilidade civil por danos ambiental, faremos ainda uma breve referência ao Decreto-lei n.º 147/2009, de 29 de Julho, que transpôs a Directiva n.º 2004/35/CE.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sociedade de Risco

Este conceito de sociedade de risco foi introduzido por Ulrich Beck.[1]O sociólogo alemão escreveu a propósito da evolução da sociedade que “as sociedades pré-industriais eram sociedades de catástrofe. Durante a industrialização tornaram-se sociedades de risco calculado. No centro da Europa as sociedades industriais desenvolveram tecnologias e sistemas de segurança técnica e social que as tornaram em sociedades seguras. Todavia, algures no processo automático e tempestuoso de modernização a possibilidade de cálculo dos riscos sociais perdeu-se. É aí que começa a sociedade de risco. A sociedade nega os princípios da sua racionalidade. Há muito tempo que os deixou para trás porque opera para além do limite do segurável”.[2]

No contexto da actual sociedade, a prevenção alarga-se perante emergência de situações de risco. Este consiste num perigo pressentido, embora não comprovado.[3]

Nem todas as lesões causadas ao ambiente são susceptíveis de ser consideradas danos ambientais ou ecológicos. É certo que no dia-a-dia percepcionamos danos ao ambiente que no entanto são admissíveis, nomeadamente o avião que provoca ruído ou os carros que emitem monóxido de carbono (CO). Esta admissibilidade decorre da necessidade de sopesar o desenvolvimento económico e a preservação do ambiente. A poluição socialmente admissível resulta do facto de não existirem actividades ambientalmente puras, pelo que qualquer actividade humana tem necessariamente repercussões no ambiente. O conceito de poluição em sentido amplo abarca não só na emissão de substâncias cuja presença é lesiva para o elemento receptor do ambiente (nomeadamente para a o ar, água, solo ou subsolo) como também as emissões imateriais não corporizadas em substâncias (designadamente a poluição sonora, térmica ou ainda “estética”).[4] No artigo 21.º, n.º 1 da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, a Lei de Bases do Ambiente (doravante LBA) são elencados factores de poluição do ambiente. O artigo 2.º, alínea o) do Decreto-lei n.º 173/2008, de 26 de Agosto, define poluição como a introdução directa ou indirecta, em resultado de acção humana, de substâncias, vibrações, calor ou ruído no ar, na água ou no solo, susceptíveis de: prejudicar a saúde humana ou qualidade do ambiente; causar deteriorações dos bens materiais ou causar entraves, comprometer ou prejudicar ou uso e fruição e outros usos legítimos do ambiente.

O princípio do desenvolvimento sustentável resulta da ponderação circunstanciada entre o interesse da preservação do ambiente e os interesses de desenvolvimento económico. Desta feita, segundo um critério de razoabilidade, a prevenção não significará a antecipação de todo e qualquer risco. Como este princípio não visa estritamente a protecção ambiental, compreende-se a sua duvidosa juridicidade, nomeadamente no que concerne ao Direito do Ambiente.[5]

Há que ter consideração a ponderação entre por um lado o direito fundamental ao ambiente, nos termos do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), e por outro lado a livre iniciativa económica privada, como disposto no artigo 61.º da CRP. A este propósito, importa mencionar os “standards ambientais” que consistem em limites máximos de tolerabilidade da poluição, assentes em critérios objectivos, a partir dos quais a Administração (a partir de uma margem de livre apreciação administrativa) estabelece standards limitadores de actividades poluentes, funcionando como solução ao conflito entre direitos fundamentais.[6] A vantagem destes critérios será a de encontrar um equilíbrio entre as actividades poluentes e a livre iniciativa económica por um lado, com a necessidade de protecção do meio ambiente por outro. Como refere o Professor Tiago Antunes, “ a utilização de standards permite fixar níveis de convivência aceitáveis e razoáveis entre a protecção dos habitats naturais e o desenvolvimento industrial”,[7] pelo que não seria razoável nem sequer possível, tendo em conta a sociedade em que vivemos e que tende a desenvolver-se progressivamente, reduzir a zero as emissões poluentes. Estes limites funcionam em concertação com o princípio da prevenção, na medida em que antecipam as quantidades de emissões poluentes permitidas, compatíveis com a preservação do ambiente.

O princípio da prevenção traduz-se na necessidade de evitar lesões ao ambiente. As acções que incidem sobre o meio ambiente devem procurar evitar (entre outras) situações de poluição, antecipando os efeitos lesivos e não pelo combate dos seus efeitos à posteriori. Este princípio encontra-se constitucionalmente consagrado no artigo 66.º, n.º 2, alínea a) da CRP assim como no artigo 3.º, alínea a) da LBA. Já o princípio da precaução não se encontra expresso na CRP nem na LBA. O Professor Vasco Pereira da Silva adopta uma concepção ampla de prevenção ao invés da distinção entre prevenção e precaução.[8]

Todavia, estes “standards ambientais” suscitam questões como a de saber se será possível a compra e venda do direito a poluir assim como se será admissível que quem polua menos possa vender a sua quota a quem polui mais, não excedendo deste modo os limites globais impostos.[9] A nosso ver, a questão colocada poderá ser controversa na medida em que em última análise permitirá a negociação da protecção ao ambiente. Não obstante, consideramos que, apesar de determinada empresa exceder a sua quota de poluição permitida, será preferível que possa comprar a outra entidade menos poluidora a quota que excedeu a ser penalizada de alguma maneira. Isto porque apesar de desrespeitado aquele limite, o certo é que em última análise o que verdadeiramente importa é que o limite global máximo seja respeitado. Acresce ainda o facto de que a entidade mais poluidora já estaria a ser “penalizada” ao ter que suportar o custo da quota-parte que teria de comprar. Por sua vez, a entidade menos poluente seria premiada ao receber aquele montante. Esta lógica é similar à estipulada no artigo 6.º do Protocolo de Quioto, aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 7/2002, de 25 de Março, que regula a transferência e aquisição de redução de emissões, visando a redução das emissões antropogénicas por fontes ou o aumento das remoções antropogénicas por sumidouros de gases de efeito de estufa em qualquer sector da economia, desde que cumpridos os requisitos mencionados no artigo 6.º. As partes mencionadas no Anexo I podem adquirir direitos de emissão de gases poluentes com efeitos de estufa a outros países.

O Direito do Ambiente é considerado um “direito de terceira geração”, sendo um direito fundamental da pessoa.[10] Á luz do artigo 9.ºalínea d) da CRP, a protecção do meio ambiente constitui uma obrigação natural do Estado, tratando-se de um direito positivo a uma acção do Estado de modo a defender o ambiente.[11] O não cumprimento de determinadas prestações que visem a defesa do ambiente, constitui uma situação de inconstitucionalidade por omissão, por via do disposto no artigo 283.º da CRP.[12]

Apesar de o Direito permitir a estipulação de níveis de poluição admissíveis, quando esses limites sejam ultrapassados e violados, haverá necessariamente lugar a responsabilidade por danos ambientais e ecológicos. Os causadores de danos ambientais ao serem responsabilizados pela reparação de danos que causarem terão ai um elemento dissuasor, pelo que para lá da responsabilidade civil função de ressarcimento tem também uma função preventiva.   

 

 

Dano ambiental e Dano ecológico

O dano ambiental tem como alvo pessoas e bens, sendo susceptível de individualização no que diz respeito aos titulares. Já o dano ecológico incide sobre um elemento natural. Nos termos do artigo 6.º da LBA, são componentes ambientais naturais o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna. Os elementos naturais não são susceptíveis de avaliação pecuniária na medida em que não são bens apropriáveis. Nesta sequência, a Professora Carla Amado Gomes refere que apesar de certos bens ambientais naturais se revestirem de forma corpórea (fauna, flora, água, solo e subsolo), no que concerne à tutela das utilidades materiais assumem uma dimensão material. Desta forma, enquanto coisas, os elementos naturais são apropriáveis e patrimoniais, pelo que são susceptíveis de avaliação pecuniária. Ao invés, quando considerados valores de equilíbrio dos ecossistemas, assumem uma dimensão imaterial, não sendo apropriáveis nem avaliáveis em dinheiro.[13] A lesão ao ambiente só consubstancia um dano ecológico no caso de perturbar o elemento natural de modo significativo. O dano ecológico, sendo inapropriável e insusceptível de avaliação pecuniária, corresponde ao conceito de dano moral, por contraposição aos danos patrimoniais. A distinção não tem que ver com a natureza do bem afectado mas sim com o tipo de utilidades proporcionadas com esse bem e que vieram a ser frustradas por via da lesão.[14]

 Esta distinção entre dano ambiental e dano ecológico poderá parecer um pouco artificial, por na prática ambos os danos parecerem coincidentes.[15]

O dano ecológico pode ter origem quer no exercício de actividades lícitas, nomeadamente por intermédio de actividades industriais devidamente licenciadas, quer na sequência de um acto ilícito. Fica excluído do âmbito do conceito de dano ecológico danos patrimoniais assim como danos não patrimoniais, como a afectação do repouso ou da saúde pública.[16]

Restauração natural

Para além de uma função preventiva de modo a evitar danos futuros, o Direito do Ambiente assume uma feição de reparação do dano ecológico que efectivamente se tenha concretizado.

A restauração natural ou reparação in natura, de modo a reparar os danos ecológicos, poderá assumir uma de duas formas: a restauração ecológica ou a compensação ecológica.

Consideramos reparação natural visa não a reposição da situação anterior à do facto lesivo[17] mas antes a reposição da situação que se verificaria no momento da reposição caso não houvesse dano ecológico. Subjacente está a lógica de que a reparação visa repor a situação tal e qual se verificaria como se aquele dano nunca tivesse ocorrido, ou seja, como a situação se verificaria no momento da reposição, como se aquele dano nunca tivesse ocorrido. Ora, se defendermos a reposição ao estado em que se encontrava no momento do dano, verifica-se um espaço temporal – entre o momento da ocorrência do dano e o momento em que há reposição – que deve ser considerado, pois não tendo ocorrido a situação danosa, esse lapso temporal não seria estático. Assim, o lesado é afectado não só pelo prejuízo verificado no bem protegido como também num momento posterior em que fruto daquele dano não se encontra no seu estado “normal” com todas as desvantagens que isso acarrete. Esta última posição apesar de preferível suscita dificuldades na determinação de qual seria a situação actual no caso de não ter ocorrido aquele facto lesivo[18]

A doutrina diverge quanto ao âmbito de reparação do dano ecológico, entendendo um sector que devem apenas ser abrangidos os danos emergentes[19], contrariamente a outra corrente doutrinária que defende que devem ser incluídos não apenas os danos emergentes como também os lucros cessantes, uma vez que se verifica uma perda de serviços causada pelo dano, não bastando a recuperação da capacidade funcional do bem, sendo ainda necessária a recuperação das capacidades de auto-regulação e de auto-regeneração do bem[20]. Compartilhamos a opinião de que a reparação do dano ecológico abrange não apenas danos emergentes como também lucros cessantes. Conforme disposto no artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil (doravante CC) o dano emergente corresponde à utilidade que alguém adquiriria caso não tivesse ocorrido aquele dano. Já o lucro cessante é todo aquele que alguém viria a adquirir no caso de não ter ocorrido a lesão. Apesar de cessantes, não deixam de ser lucros perecidos em virtude daquele dano devendo, como tal, ser abrangido pela indemnização (reconstituição in natura ou indemnização pecuniária, conforme a modalidade de indemnização que venha a ter lugar). Se é objectivo da indemnização a reposição da situação actual hipotética, então a exclusão dos lucros cessantes não cumpriria esse propósito porquanto na situação hipotética aqueles lucros no futuro seriam obtidos.

Apesar de certas actividades causadoras de prejuízos para o ambiente serem alvo de normas com efeitos justificativos de ilicitude e preclusivos, tal não implica necessariamente a exclusão do dever de compensação de danos ambientais e ecológicos. [21]

1. Restauração Ecológica

Consiste na reparação do dano através de recuperação dos bens naturais afectados. O objectivo é o de reintegrar ou recuperar os bens ambientais lesados. Nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da LBA, o infractor é obrigado a repor a situação anterior à prática do facto lesivo ou situação equivalente. Conforme o entendimento do Professor José Cunhal Sendim, reparação da situação anterior não implica necessariamente a reconstrução de uma situação idêntica à anterior antes da verificação do dano. Visa antes que a recuperação e restauração dos componentes ambientais afectados de modo a proporcionar capacidade funcional equivalente à que existia anteriormente ao facto lesivo. Não se pretende a reposição na íntegra da situação anterior à verificação do dano, mas antes uma recuperação auto-sustentada e o desenvolvimento de um processo de auto-regeneração do recurso natural lesado.[22] Também a Professora Lucía Gomis Catala adopta um conceito amplo de reparação in natura de modo a abranger medidas distintas destinadas a alcançar a reconstituição através de um efeito ecológico equivalente.[23] A Professora Heloísa Oliveira contrapõe esta concepção de restauração ecológica, designando-a de conceito amplo. Sendo o essencial da restauração ecológica a recuperação dos bens naturais de modo a ser atingido o estado funcionalmente equivalente ao anterior, a reparação só se poderia verificar por uma de duas vias. Ou por intermédio de recuperação do componente natural afectado ou através da recuperação do componente que seja funcionalmente equivalente. Esta segunda via entra no âmbito da compensação ecológica. Daí que a Professora Heloísa Oliveira entenda que só fará sentido a adopção de conceito amplo de restauração ecológica no caso de não se pretender autonomizar a compensação ecológica. Quanto mais amplo for o conceito de restauração natural menor será o número de casos que são ressarcidos por intermédio de uma compensação pecuniária. Assim sendo, entende antes que a restauração ecológica inclui a recuperação do elemento natural assim como a adopção de medidas temporárias que sejam aptas à recuperação funcional do bem, de modo a permitir uma compensação pelos efeitos de redução da capacidade funcional até ser alcançando o restabelecimento.[24]

 

2. Compensação ecológica

Neste caso não se pretende a restauração dos bens ambientais afectados mas antes a sua substituição por bens equivalentes, de modo a que o património permaneça igual. Deste modo, é introduzido no ambiente um bem natural diverso mas com idêntica capacidade funcional. Como refere o Professor José Cunhal Sendim e como quem concordamos na íntegra, o que se pretende é a possibilidade de compensar a Natureza com a Natureza.[25]  

Os casos em que se recorre à compensação ecológica justificam-se pelo facto de a restauração ecológica se verificar desproporcional ou quando não seja total ou parcialmente possível de levar a cabo por ter ocorrido destruição irreversível do bem jurídico lesado.

Na jurisprudência norte-americana surgiu um exemplo de compensação ecológica pela impossibilidade e desproporcionalidade de restauração ecológica. No caso Commonwealth of Puerto Rico vs. SS Zoe Colotroni, que data de 1980, o tribunal decidiu, na sequência dos danos provocados na sequência de um derrame de crude à fauna e flora numa floresta desabitada e de grande interesse ecológico, pela indemnização no sentido de compensar o ecossistema lesado noutros locais, nomeadamente adquirindo terrenos destinados a parques públicos ou reflorestação de zonas semelhantes que tenham sido afectadas. Deste modo visou-se compensar bens naturais com bens naturais equivalentes. Todavia, neste processo de substituição há que ter presente que a protecção jurídico-ambiental não deve visar exclusivamente a preservação de capacidade de aproveitamento humano dos bens naturais, pretendendo-se também, e diríamos nós em primeira linha, a tutela da capacidade funcional ecológica.[26]

O facto de não existir uma substituição dos recursos naturais perfeita, poderá constituir uma crítica adversa à compensação ecológica. Não obstante, muito dificilmente é possível uma reparação in integrum.[27]

Quando o artigo 48.º, n.º 1 da LBA refere que o lesante deve repor a situação anterior ao dano ou equivalente, nesta última expressão cabe a possibilidade de que por intermédio de substituição do bem jurídico afectado por outros que se localizem noutro local mas com capacidade de prestação idêntica.

Tanto a restauração ecológica como a compensação ecológica pretendem a remoção de um dano ecológico concreto. Ambas visam a reposição de modo sustentado da capacidade funcional do bem lesado. Não obstante, o que as diferencia é o modo de reintegração do bem lesado. Enquanto na restauração ecológica se pretende uma recuperação ou reintegração in situ do bem natural lesado, no caso da compensação ecológica, a reintegração do bem ambiental prossegue-se por intermédio de introdução no ambiente de um bem natural distinto ao lesado mas com capacidade funcional idêntica.

Em Portugal, a Comarca de Coruche decidiu, a propósito do dano ambiental causado pelo derrube de 27 ninhos de cegonhas, que a autora deveria construir suportes artificiais para colocação de estruturas aptas de modo a substituírem adequadamente a função de habitat dos ninhos derrubados, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, n.º 1 da LBA. O Ministério Público deduziu um pedido de indemnização, requerendo a condenação na reposição da situação que existiria, "se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação", através da construção de dois suportes artificiais. No dia 12 de Março de 1988, deslocou-se ao Concelho de Coruche um grupo do núcleo de Lisboa da "Associação Nacional de Conservação da Natureza" ("Quercus"), com o intuito de efectuarem o recenseamento da cegonha branca existente na área. Neste seguimento, visitaram a herdade da Quinta Grande, onde constataram a existência de três pinheiros mansos que suportavam cerca de 27 ninhos de cegonha branca, dos quais 23 com ovos, tendo colocado cartazes de modo a identificar a espécie como protegida. Apesar de a arguida estar alertada para a neces­sidade de proteger a colónia de cegonhas brancas e de terem sido colocados cartazes bastante explícitos, os três mencionados pinheiros foram derrubados e destruídos os ninhos de cegonhas. “As cegonhas brancas, cuja altura mais importante de nidificação, é no período compreendido entre Fevereiro e Julho, tendem a proferir, para a construção dos seus ninhos, suportes altos, isolados e em campo aberto”.[28]

Compensação pecuniária

A restauração natural e a compensação pecuniária não são cumulativas, na medida em que ambas respondem pelo mesmo dano. A compensação pecuniária trata-se antes de um meio subsidiário, ao qual se recorre apenas no caso de a restauração natural não ser possível. Quando a restauração natural não seja possível, sendo o dano ecológico irreparável, a indemnização pecuniária deve ser entendida num sentido de compensação pecuniária. Consideramos que tal se deve ao facto de a indemnização pecuniária ser a medida que menos serve ao objectivo de tutela do ambiente. As medidas preventivas funcionam como modo de evitar o direito a vir a ser indemnizado por danos ecológico.[29] Nesta sequência, quanto mais lato sejam os conceitos de reparação ecológica e compensação ecológica, mais limitado será o campo de aplicação da compensação pecuniária. Consideramos que tal se verifica como benéfico em termos de tutela aos bens ambientais afectados, na medida em que a finalidade da tutela do meio ambiente é a de conservação do bem jurídico ambiente, pela restauração e prevenção do dano ecológico. Ao invés, o objectivo da responsabilidade civil será o de ressarcimento de danos.

Apesar de a obrigação de reparação se concretizar por via do pagamento da indemnização pecuniária, defende a Professora Heloísa Oliveira que o dano ecológico só se considera reparado a partir do momento em que essa compensação seja aplicada e reverta a favor do ambiente.[30] Subscrevemos na íntegra esta posição, partindo do pressuposto de que apesar de formalmente o dever de compensação pelo dano ecológico estar cumprido pelo pagamento de uma indemnização, na prática tal reparação só se reflete no meio ambiente a partir do momento em que o montante recebido se materializa em melhoria do bem ambiente que foi afectado.

No regime geral da responsabilidade civil, a indemnização em dinheiro verifica-se sempre que a reconstituição natural não seja possível, não possibilite a reparação integral dos danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, nos termos do artigo 566.º, nº. 1 do Código Civil (doravante CC). Conforme decorre do disposto no artigo 562.º do CC, o lesante deve reconstituir a situação que existiria no caso de o dano não ter ocorrido, sendo que a obrigação de indemnização em dinheiro se reveste de um carácter subsidiário. Assim sendo, o objectivo será o de remover o dano real, só se recorrendo à indemnização em dinheiro no caso de a reparação in natura se verificar impossível[31], insuficiente ou excessivamente onerosa e desproporcional. A indemnização pecuniária resulta da diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que se encontraria no caso de aquele dano não ter ocorrido.

Enquanto a responsabilidade civil tem por finalidade o ressarcimento de danos, a responsabilidade por danos ecológicos assume uma feição conservatória. A este propósito, a Professora Heloísa Oliveira refere que “ a finalidade da responsabilidade civil ecológica é a reconstituição dos ciclos naturais da Terra. A restauração e prevenção do dano ecológico é a ideia directriz do direito de responsabilidade ambiental”.[32]

A responsabilidade civil revela-se inadequada à protecção do meio ambiente, quando os danos não podem ter lesados ou lesantes individuais e determinados. Neste caso, não há ninguém a quem concretamente se possa dirigir aquele pedido de indemnização. Todavia, mesmo que lesante e lesado sejam determinados, as indemnizações pecuniárias a pagar podem ser entendidas do ponto de vista do poluidor como um mero custo de produção, sendo que em alguns casos tais custos nem se concretizam devido à morosidade judicial ou ainda à difícil prova dos factos.[33]

De modo inverso ao regime da responsabilidade civil, na responsabilidade por danos ecológicos não é admitido acordo entre a agente e a entidade pública no sentido de determinarem a pena concretamente aplicável[34], ou seja, não podem os sujeitos determinar o montante da indemnização pecuniária se não foi afastada a possibilidade de restauração natural.

O cálculo da indemnização pecuniária deve, na nossa opinião, destinar-se a financiar a reparação natural. Não consideramos que tal se trate de uma possibilidade mas antes de uma obrigatoriedade.[35] Tal entendimento decorre da necessidade da tutela ambiental, devendo o meio ambiental ser compensados dos danos que o afectaram. Certos ordenamentos jurídicos fixam limites de montante a suportar por via da compensação pecuniária. Tal medida poderá funcionar como meio dissuasor numa lógica preventiva.[36]

Apesar da dificuldade inerente à determinação de um montante pecuniário, tal não obsta à obrigação de indemnização em dinheiro, pois a afirmação do contrário levaria à desresponsabilização dos lesantes.

No Tribunal da Relação do Porto, em 23 de Junho de 1999, foi colocada a questão de uma fábrica sita em Mouquim, S. Pedro Este, Braga, ter sido condenada a cessar totalmente as suas actividades até possuir licenciamento para actividade industrial e despejos, assim como a pagar ao Estado um indemnização. A fábrica de torneiras fazia os despejos nos efluentes que se apresentavam de “cor amarelo-esverdeado, cheiro intenso e blocos de espuma”, sem o devido licenciamento para tais emissões. Das análises realizadas a partir das amostras daquela água ficou provado que “os teores de crómio e níquel referentes a essas análises, uma vez ingeridos através da água e alimentos, são susceptíveis de provocar doenças (…), assim como provocam impacto do meio ambiental por destruição da fauna e da flora”. A fábrica (Ré) recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a absolvição da indemnização ou, subsidiariamente, a condenação em indemnização meramente simbólica. O Tribunal decidiu no sentido de que as indemnizações simbólicas não se concertavam com as medidas destinadas a desencorajar e prevenir outras condutas semelhantes à da fábrica, julgado improcedente a apelação e confirmando e decisão recorrida.[37]

Hierarquia entre as duas modalidades de indemnização?

Conforme o princípio da primazia da restauração natural do dano ecológico, a reparação in natura prevalece sobre a indemnização pecuniária, tal como resulta do disposto no artigo 566.º do CC assim como do artigo 48.º da LBA. Como refere a Professora Heloísa Oliveira “No caso do dano ecológico, o ressarcimento de danos só pode ser feito através da reparação in natura, uma vez que só a reposição das características do elemento natural ou criação de equivalente funcional se pode considerar que a situação actual hipotética foi reposta. Ou seja, em rigor a indemnização pecuniária não pode ser vista como uma forma de indemnização, mas tão-somente como compensação em sentido próprio”[38].

Para a Professora Heloísa Oliveira a hierarquização entre restauração ecológica e compensação ecológica não é rígida e inflexível, devendo a preferência de uma sobre a outra ser apreciação casuisticamente.[39]

Da decisão no caso State of Ohio vs. United States Departement of the Interior resultou que a restauração natural do dano ecológico é imperativa, só sendo substituída por indemnização pecuniária no caso de se verificar desproporcionada. Isto uma vez que do regulamento de avaliação dos danos ecológicos imputáveis nos termos do CERCLA, resultava a possibilidade de se substituir a reparação natural pela indemnização pecuniária quando o custo daquela fosse superior ao custo desta. Assim, o tribunal condenou o Ministério do Interior (Departement of the Interior) a aprovar um novo regulamento onde se previsse a imperatividade da restauração natural face à indemnização pecuniária, o que veio a suceder em 1994.[40]

Limites que obstem à Restauração natural

Surgem limites de vária ordem que podem obstar à restauração ecológica, desde logo pela dificuldade de concretização que suscita a reconstituição de uma situação actual hipotética de um bem afectado. Casos há em que não se consegue alcançar a reconstituição material do bem afectado, designadamente por não ser possível fazê-lo através de uma restauração ecológica. [41] Também porque a reposição poderá acarretar custos ambientais que não sejam os desejáveis, nomeadamente ao nível dos efeitos que possam causar ao ambiente. A restauração ecológica pode ainda ser afastada pelo facto de se revelar excessivamente onerosa para o causador do dano.[42]

Limites científicos

Consideramos que, devido à dificuldade em determinar com exactidão qual a situação em que o bem se encontrava antes da ocorrência do dano, é levado a cabo um juízo de forte probabilidade, ou invés de um juízo de certeza. Claro que o ideal seria a concreta certeza da situação anterior ao facto lesivo. Porém, nem sempre se verifica fácil a determinação do estado anterior do meio ambiente lesado. São necessários estudos científicos realizados antes do facto dano.

O Princípio da Proporcionalidade

1. Princípio da proporcionalidade em sentido estrito

Terá de haver uma ponderação entre o bem jurídico ecológico a reintegrar e as vantagens jurídicas advenientes dos custos necessários suportados pelo responsável de modo a realizar a indemnização.

Uma solução possível será a de excepcionar a restauração natural quando seja excessivamente onerosa para o responsável pelos danos. Quando haja uma flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável.

2. Princípio da necessidade ou da exigibilidade

A necessidade da medida indemnizatória escolhida consiste na concretização da indemnização do dano ecológico. No caso de se apresentarem várias alternativas possíveis, o princípio da necessidade impõe a escolha pela opção que se conforma com maior grau de proporcionalidade.

3. Princípio da adequação de meios ou da conformidade

Consiste na relação entre a adequação de medida-fim. A medida de restauração natural deve ser apropriada de modo a prosseguir os fins subjacentes à norma jurídico-ambiental.

Prevalência de auto-regeneração ecológica

Deve o julgador optar por processos de auto-regeneração ecológica em que não existe manipulação humana do património natural. A intervenção humana deverá limitar-se ao estritamente necessário, designadamente através do acompanhamento e controlo da recuperação do ecossistema bem como ao condicionamento dos usos humanos do local lesado.

Está intimamente ligada ao princípio da homeostasia, o qual consiste na capacidade dos sistemas de se auto-regenerarem independentemente da intervenção humana que ocorra. Sendo que a Natureza por si só retoma o seu equilíbrio.

Esta regra da auto-regeneração ecológica poderá ser excepcionada quando se justifique a intervenção humana. Nomeadamente, nos casos em que a auto-regeneração não se figura suficiente de modo a obter os fins exigidos pela norma jurídico-ambiental.[43]

 

Soluções para os problemas ambientais

Á emanação de um acto autorizativo vem associada a ideia fiscalização e controlo inspectivo da actividade licenciada.[44] Isto porque apesar de a actividade poder reunir as condições necessárias à emissão de uma licença, tal não significa que durante a sua operatividade não venham a decorrer danos que excedam os limites toleráveis, mais concretamente os “standards ambientais”, como vimos supra. A Professora Carla Amado Gomes, não obstante a transição da Administração agressiva para Administração prestadora, refere que a actividade inspectiva face às actividades licenciadas consubstancia a vertente de Estado polícia, não significando um ressurgimento mas antes uma subsistência deste modelo no que respeita aos mecanismos de coercibilidade.[45]

Conforme a definição de Ranelletti[46], autorização administrativa consiste na “remoção de limites (legais) ao livre exercício de uma actividade individual por razões de ordem pública”, desempenhando desta forma uma função preventiva de danos ao ambiente por intermédio da imposição de limites.

Verificou-se uma evolução do papel desempenhado pela Administração no que respeita aos actos autorizativos, na medida em que se antes a Administração Pública respondia ao requerimento no sentido de deferimento ou indeferimento, baseado em finalidades de prevenção negativas, hoje verifica-se que esta função foi alargada no sentido de as autorizações abrangerem uma programação das actividades dos particulares no sentido de incentivar a iniciativa privada.[47]

A responsabilidade civil não se configura como uma solução adequada à protecção do ambiente. São antes preferíveis a utilização de instrumentos de protecção jurídica de cariz preventivo como a avaliação de impacto ambiental, a eco-rotulagem que indique as características ambientais do produto de modo a fomentar o eco-consumo, as eco-auditorias, que procedam à avaliação da qualidade ambiental de uma empresa, bem como a eco-gestão, passando por uma gestão da empresa de forma ambientalmente eficiente, assumindo funções de prevenção positiva.[48]

 

Reparação de danos ambientais e indemnização por danos ecológicos

Como referimos supra, apenas quando a restauração natural não seja possível é que se recorre à substituição da reparação natural pelo pagamento de uma indemnização.

Porém, há situações em que os bens ambientais lesados são direitos privados. Nestes casos, surge o problema de compatibilizar o regime civil em que é aplicável a indemnização do dano no bem privado com o regime de indemnização por danos ecológicos. Nestes casos, poderá acontecer que o proprietário de um bem afectado prefira optar pela indemnização pecuniária ao invés da restauração ou recuperação do bem ambiental lesado.

No direito alemão, perante esta problemática, a doutrina dominante adere à possibilidade de o proprietário poder preferir o pagamento de indemnização, aplicando-se a regra da responsabilidade civil segundo a qual pertence ao credor o direito de exigir a restauração natural.[49] Porém, para alcançar a tutela ambiental será preferível a reconstituição in natura à indemnização pecuniária.

No direito português estaríamos na presença de um concurso de normas, aplicando-se à indemnização ambiental do dano privado, por um lado o artigo 566.º do CC, segundo o qual a restauração natural poderá ser substituída por indemnização pecuniária; por outro seria aplicável o artigo 48.º da LBA ao dano ecológico. No caso de haver acordo entre credor e devedor no sentido de se optar pela indemnização pecuniária, a restauração natural seria afastada. O Professor Cunhal Sendim, perante esta solução, entende que se justifica a prevalência do regime especial, ou seja, do disposto no artigo 48.º da LBA, pois a intenção normativa de tais regras é a de assegurar a conservação do bem ambiental impondo desta forma a recuperação do bem, de modo a repor a situação anterior à prática do facto lesivo. Poderá assim verificar-se que a indemnização de danos ecológicos não permita a reparação integral de danos e nesse remanescente em falta poderá verificar-se a indemnização pecuniária. Tal situação é semelhante ao caso em que a restauração ecológica não seja possível, sendo necessário recorrer à compensação ecológica, substituindo-se os componentes danificados por outros equivalentes no mesmo local.

Pode a reparação do dano ambiental ser coincidente com a reparação do dano ecológico. Não obstante, poderá a reparação do dano natural não ficar completa por via da reparação do dano ambiental. Esta afirmação terá maior concretização para quem entenda que os lucros cessantes apenas se reconduzem ao dano ambiental mas não aos danos ecológico.[50] Como já mencionámos anteriormente, não compartilhamos deste entendimento.

Conforme o entendimento de determinada corrente doutrinária, a responsabilidade por danos ao ambiente visa compensar o dano causado à vítima.[51] Consideramos que o conceito de vítima não pode ser entendido no sentido de um lesado que, por exemplo seja proprietário de uma propriedade danificada. Entendemos que este conceito assume uma feição ampla no sentido de abranger para além do individuo o próprio ambiente que também é afectado. Não deve a tutela ambiental ser subalternizada face à tutela do particular lesado.

A titularidade do direito à indemnização dos danos ecológicos

1. O direito dos particulares ver a lei de acção popular

Sendo os particulares titulares de um direito subjectivo ao ambiente, nos termos do artigo 52.º, n.º 3 da CRP, poderão pessoalmente ou por intermédio de associações de defesa dos interesses em causa e direito de promover a prevenção, cessação ou perseguição judicial das infracções contra o ambiente, assim como requerer a respectiva indemnização de danos ecológicos. Qualquer cidadão, independentemente da sua relação específica com o bem lesado, poderá interpor uma acção popular de modo a defender os bens ecológicos. A indemnização decorrente de um dano a um bem ambiental consiste num direito, liberdade e garantia expressão do direito fundamental, como constitucionalmente consagrado na CRP. Também no artigo 40.º, n.º 4 da LBA vem reconhecido o direito a indemnização por danos ao ambiente.

2. O Estado como titular do direito à indemnização de danos ao ambiente

Para determinada corrente doutrinária, sendo o ambiente entendido como um bem jurídico e o dano ecológico como um dano ao Estado comunidade, tende-se a considerar o Estado com legitimidade para propor acção jurídico-pública-ressarciatória-indemnizatória perante os agentes responsáveis pelos danos ambientais.

Conforme o entendimento de outro sector na doutrina, o Estado actua como mero representante do público, tendo legitimidade para exigir a indemnização por intermédio de reparação do dano ecológico. Nestes moldes, o ambiente é entendido como um bem colectivo, sendo um direito de toda a colectividade.

Nos Estados Unidos da América o Congresso aprovou o CERCLA (Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act) em 11 de Dezembro de 1980. Também conhecido como Superfund, consistiu na criação de um imposto sobre as indústrias químicas e de petróleo. O que se pretende é a responsabilidade solidária das partes potencialmente responsáveis face à autoridade pública.[52] No regime norte-americano, a C.E.R.C.L.A. atribui ao Estado a legitimidade activa de modo a imputar ao lesante o dano que causou e consequente responsabilidade por danos ambientais.

O problema do lapso temporal

O tempo que decorre entre a verificação do dano e a sua reparação pode vir a revelar consequências agravantes ao nível do próprio dano. Um dano que inicialmente seja de diminuta importância quanto ao seu impacto no meio ambiente, pode vir a ganhar elevadas proporções. Imaginemos o exemplo de uma fábrica que desencadeia emissões poluentes, tanto para o ar como para um efluente, acima do admitido pelos “standards ambientais” fixados. Enquanto aquela actividade não for suspensa, pela passagem do tempo, vão sendo continuamente produzidas mais emissões. Mas mesmo no caso de uma actividade que não seja continuada, como por exemplo no caso de derrame de crude no mar, a não remoção deste elemento com a maior brevidade trará consequências agravantes pelo decurso do tempo em que permanece e continua a afectar o ambiente.

 

Procedimento

Para imputar o dano ecológico ao lesante, será necessário em primeiro lugar identificar o dano, determinando se se trata de um dano ecológico ou ambiental. Há igualmente que delimitar os lesados afectados e a origem daqueles danos (que poderá ter um ou vários factores concorrentes).

Dependendo das circunstâncias de cada caso, deve ser levada a cabo a reparação ecológica, compensação ecológica ou, subsidiariamente, a compensação pecuniária. A Professora Heloísa Oliveira delineia a ordem de aplicação destas medidas do seguinte modo: restauração ecológica com auto-regeneração; restauração ecológica com manipulação de bens naturais; compensação ecológica com auto-regeneração; compensação ecológica com manipulação de bens naturais; compensação pecuniária.[53]

No caso de uma reparação in natura, ter-se-á que determinar o estado do bem afectado no momento anterior à lesão e a partir daí concretizar a situação em que esse mesmo bem se encontraria no momento da reposição.[54]

Verifica-se uma complexa dificuldade no que concerne à concretização da prova do nexo de causalidade entre as acções do lesante e os danos, nomeadamente pela distância entre a instalação poluente e a zona afectada; a multiplicidade de fontes que poderão concorrer na verificação daquele dano; assim como o tempo decorrido entre a origem do dano e a sua efectiva verificação.[55]

 

Tribunal Competente

No que concerne à responsabilidade civil ambiental, tanto são competentes a jurisdição judicial como a jurisdição administrativa (nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). Como sublinha o Professor Vasco Pereira da Silva verifica-se uma situação de “Dualidade de jurisdições que se toma ainda mais indesejável no domínio da responsabilidade administrativa em matéria de ambiente, causando «problemas insolúveis» de determinação do tribunal competente para a reparação de danos causados pela Administração pública”.[56]

Na óptica da Professora Carla Amado Gomes, o controlo judicial de actos administrativos ambientais enfrenta o problema de falta de preparação do juiz para lidar com pressupostos de validade do acto bem como a proibição de substituição que recai sobre o juiz relativamente à actuação administrativa, por força da regra de separação de poderes.[57]

O factor tempo tem um relevante papel na medida em que a morosidade pode agravar o dano ao ambiente. Deste modo, justifica-se o recurso a providências cautelares como forma de evitar o agravamento daquela lesão ambiental. Nos termos do artigo 42.º da LBA, pode ser mandada suspender de imediato a actividade que origine o dano, por intermédio de embargos do ambiente. Esta figura tem equivalência ao embargo de obra nova, dispondo o artigo 412.º e seguintes do Código de Processo Civil (doravante CPC).

 

O regime jurídico da responsabilidade civil por danos ambientais – Decreto-lei n.º 147/2008, de 29 de Julho

O Decreto-lei n.º 147/2008, de 29 de Julho surge da necessidade de transpor a Directiva 2004/35/CE acerca da responsabilidade civil ambiental.

Trata-se de um regime que consagra simultaneamente a prevenção e a reparação dos danos ambientais.

O regime jurídico da responsabilidade civil por danos ambientais (doravante RJRDA) consagra simultaneamente dois regimes: quer a responsabilidade civil subjectiva e objectiva pela qual os operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados; quer a responsabilidade administrativa destinada a reparar danos causados ao ambiente perante toda a colectividade.[58]

Dentro das inovações deste novo regime jurídico da responsabilidade civil por danos ambientais destacam-se a responsabilização pública, independente de uma posterior responsabilização do sujeito causador do dano; a consagração de uma noção ampla de “dano ambiental” em confronto com a distinção doutrinária entre dano ambiental e dano ecológico; noção ampla de responsabilidade que abrange tanto o “antes” como “após” a verificação do dano, verificando-se acções de prevenção e de reparação de danos ambientais; a preferência pela “reconstituição natural” ao invés da simples reparação; bem como o estabelecimento de deveres de colaboração entre os Estados- membros na adopção em matéria de prevenção e reparação.[59]  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Na actual sociedade de risco em que vivemos, apesar da tolerância a certos níveis de poluição, devem ser fixados “standards ambientais” de modo a fixar limites razoáveis de poluição socialmente admitida. Perante a questão de saber se será admissível que quem polua menos possa vender a sua quota a quem polui mais,  entendemos que a questão colocada poderá ser controversa na medida em que em última análise permitirá a negociação da protecção ao ambiente, mas possível na medida em que os limites globais impostos sejam respeitados.

Consideramos que a reparação natural visa não a reposição da situação anterior à do facto lesivo mas sim a reposição da situação que se verificaria no momento da reposição caso não houvesse dano ecológico. De igual modo defendemos que a reparação do dano ecológico abrange não apenas danos emergentes como também lucros cessantes.

A compensação pecuniária trata-se antes de um meio subsidiário, ao qual se recorre apenas no caso de a restauração natural não ser possível.

Constituem como limites à restauração natural limites de ordem científica na avaliação da situação anterior ao dano, limites decorrentes da imposição de uma medida proporcional.

Quanto ao factor temporal, assume especial relevância porquanto no lapso temporal entre a verificação do dano e a sua reparação podem vir a desenvolver-se consequências agravantes para o bem ambiental lesado.



[1] Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente, Coimbra Editora, 2000, pág. 15 e ss.
[2] Ulrich Beck apud Vasco Pereira da Silva, José Cunhal Sendim e João Miranda, O Meu Caderno Verde, Lisboa, AAFDL, 2005, pág. 25.
[3] Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Acto Autorizativo concretizador de deveres de Protecção do Ambiente, Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas (Direito Administrativo) pela Faculdade de Direito de Lisboa, 2006, pág. 242 e ss.
[4] Vide Maria Alexandra de Sousa Aragão, O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente, Coimbra Editora, 1997.
 
[5] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2012, pág. 68 e ss.
[6] A este propósito vide Tiago Antunes, O ambiente entre o direito e a técnica, Lisboa, AAFDL, 2003, pág.41 e ss.
[7] Tiago Antunes, O ambiente entre o direito e a técnica, , Lisboa, AAFDL, 2003, pág.44 e ss.
[8] Tal concepção ampla do conceito de prevenção alicerça-se na natureza linguística na medida em que se verifica uma similitude vocabular entre prevenção e precaução, por razões de conteúdo material, bem como por razões de técnica jurídica, conforme o entendimento de Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, pág. 66 e ss.
[9] Estas interrogações são suscitadas por Tiago Antunes, O ambiente entre o direito e a técnica…, pág.50. 
[10] Francesco Lucarelli, Tutella dell’ Ambiente e nuove Tecnologie, CEDAM, Padova, 1995, pág.147 e ss.
[11]A defesa da natureza e do ambiente como tarefa fundamental do Estado consta da alínea e) do artigo 9.º desde a revisão constitucional de 1982 como referido em Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 191.
[12] Gomes Canotilho e Vital Moreira, A Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, pág. 349.
[13] Ulrich Beck, apud Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente,… pág. 21.
[14] Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 6.ª edição, Almedina, 2007, pág. 335 e ss.
[15] A este propósito, a partir de um exemplo dado por Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório de Mestrado em Ciências Jurídico-Ambientais apresentado na Faculdade de Direito de Lisboa, Ano lectivo 2008/2009, pág.6, no caso do abate de uma árvore por um terceiro é susceptível de causar um dano ambiental, mais concretamente ao proprietário daquela árvore, também causa um dano ecológico ao ambiente.
[16] Cfr. Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.7.
[17] Adoptando esta posição, Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por Daños al Medio Ambiente, Pamplona, Aranzadi Editorial, 1998, pág 247.
[18] A este propósito, no caso do abate de sobreiros, a plantação dos mesmos não permite, dado o período de crescimento da espécie, a reposição da situação actual hipotética. Como exemplifica Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.21 e ss.
[19] Neste sentido, Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.20.
 
[20] Vide José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade civil por danos ecológicos. Da reparação do dano através da Restauração natural, Coimbra Editora, 1998, pág. 181 e ss.
[21] Gomes Canotilho, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, … pág. 65.
[22] Vide José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por danos ecológicos…, pág. 183 e ss.
[23] Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por Daños al Medio Ambiente, Pamplona, Aranzadi Editorial, 1998, pág 264.
[24] Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …
[25] A propósito desta distinção, vide José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por danos ecológicos…, pág. 187.
[26] Vide José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por danos ecológicos…, pág. 196 e ss.
[27] Neste sentido, Heloísa Oliveira, … pág. 25.
[28] Tribunal Judicial de Coruche, de 23 de Fevereiro de 1990 (Ana Teixeira e Silva), Processo nº 278/79.
[29]Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 252.
[30] Heloísa Oliveira,A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág. 27.
[31] A impossibilidade de reconstituição pode ser material no caso de ocorrer uma destruição de coisa não fungível ou jurídica quando haja uma alienação sucessiva do mesmo imóvel a duas pessoas, registando a última a aquisição a seu favor. Sobre esta distinção vide Pires Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol.I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1979, pág.506.
[32] Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.33.
[33] Neste sentido, José Joaquim Gomes Canotilho, (coord.) Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998, pág. 146.
[34] Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.33.
[35] No sentido da possibilidade de a indemnização pecuniária se destinar financiar a reparação in natura, Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 265 e ss.
[36] Lucía Gomis Catala, Responsabilidad por…, pág. 276 e ss.
[37] Tribunal da Relação do Porto, de 23 de Junho de 1999 (Azevedo Moreira e Rui Botelho), Processo nº 446/97.
[38] Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.30.
[39] Heloísa Oliveira,A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág. 34 e ss.
[40] José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por danos ecológicos – Da Responsabilidade do Dano através de restauração natural, Coimbra Editora, 1998, pág. 154 e ss.
[41] Cfr. Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 259 e ss.
[42] Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.
[43] José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por danos ecológicos – Da Responsabilidade do Dano através de restauração natural, Coimbra Editora, 1998, pág. 243e ss.
[44] Vide José Joaquim Gomes Canotilho, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por danos ambientais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume n.º 69, 1993, pág. 39 e ss.
[45] Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no Direito … pág. 55 e ss.
[46] Ranelletti Apud Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no…, pág.61. Ranelletti também citado por Paolo dell’Anno.
[47] Paolo dell’ Anno Apud Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no…, pág.64 e ss.
[48] Esta enumeração de instrumentos preventivos de tutela ambiental consta de José Joaquim Gomes Canotilho (coordenador), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta,1998, pág. 147.
 
[49] Vide José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por danos ecológicos…, pág. 198 e ss.
[50] Nomeadamente, Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.51.
[51] Cfr. Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 285. 
[52] Vide Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por … pág 159.
[53] Cfr. Heloísa Oliveira, A Reparação do Dano Ecológico, Relatório …, pág.45.
[54] De acordo com a lógica que adoptámos supra de que a restauração natural não se limita a uma reposição à situação anterior à prática do facto lesivo, exigindo antes a reposição conforme a situação se encontraria no momento da reposição, no caso de não ter ocorrido o dano.
[55] Vide [55] Lucía Gomis Catala, Reponsabilidad por…, pág 309.
[56] Vasco Pereira da Silva, Ventos de Mudança no Direito do Ambiente – A Responsabilidade Civil Ambiental” in Carla Amado Gomes e Tiago Antunes (Org.), O que há de novo no Direito do Ambiente? – Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 15 de Outubro de 2008, Lisboa, AAFDL, 2009, pág. 13.
[57] Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no…, pág.96.
[58] Tiago Antunes, “Da natureza jurídica da Responsabilidade ambiental”, in Teorias de Direito do Ambiente, Cadernos O Direito, Almedina, n.º 6, 2011, pág. 142.
[59] A enunciação destas inovações constantes do novo regime em Vasco Pereira da Silva, Ventos de Mudança no Direito do Ambiente …, pág.17.

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