A criação de Áreas Protegidas
Direito ao Ambiente e Direito de Propriedade
Desde a
Declaração de Estocolmo de 1972 já não mais se discute o papel do meio ambiente
no espectro jurídico-político pois, em momento posterior, surgiu com dignidade
constitucional nos vários Estados. De acordo com esta Declaração, o Homem tem o
direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida
adequadas num meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar o
bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as
gerações presentes e futuras.
A nível interno
o direito ao ambiente e à qualidade de
vida encontra hoje consagração expressa no artigo 66º da Constituição da
República Portuguesa (doravante CRP). Apesar da sua inclusão sistemática no
catálogo dos Direitos Sociais a doutrina tem entendido que se trata, pelo menos
em algumas das suas vertentes, de um direito análogo aos Direitos, Liberdades e
Garantias (artigo 17º CRP), com todas as consequências que desta qualificação decorrem
em termos de regime como a aplicabilidade directa e a vinculabilidade das
entidades públicas e privadas nos termos do artigo 18º, nº1 CRP.
O direito ao
ambiente tem uma vertente negativa
que atribuí um direito de defesa do ambiente, impondo aos cidadãos e ao Estado
a abstenção de condutas lesivas dos bens jurídicos ambientais. Numa vertente positiva impõe-se ao Estado uma
prestação jurídica de acção positiva determinando, consequentemente, que este
ente deve promover um conjunto de medidas directamente orientadas para
desenvolver “um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado”.
Ademais o artigo 9º CRP estabelece que, de entre as tarefas fundamentais do
Estado, se encontra a promoção do bem-estar e da qualidade de vida, mediante a
efectivação dos direitos ambientais. Para além destas vertentes tem-se
entendido que decorre ainda deste direito ao ambiente um direito à participação procedimental dos cidadãos, nos
procedimentos que envolvam a tomada de decisões no domínio ambiental, e um direito a prestações de facto do Estado
no sentido em que este deve criar infra-estruturas que permitam uma melhoria
geral das condições ambientais. Neste sentido muitos reconhecem o direito ao
ambiente como um direito fundamental da terceira geração, marcado pela
solidariedade e fraternidade ambiental.
Para garantir a
efectividade dos preceitos constitucionais foi assumida a necessidade e o
objectivo político de aprovar uma lei de bases com o intuito de dar corpo à Constituição Ambiental (expressão usada,
por exemplo, por Gomes Canotilho por considerar que é notório, na CRP, a riqueza e a potencial densificação dos
comandos normativos em questões ambientais) e assim desenvolver os
respectivos princípios. Surgiu assim, no nosso ordenamento jurídico, a Lei de
Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 07
de Abril). Para Vasco Pereira da Silva esta lei é o melhor instrumento para
moldar juridicamente a política de ambiente e a prosseguir, numa lógica de
verdadeiro e efectivo Estado pós-social de Direito. Actualmente este autor
mostra-se crítico quanto a esta lei devido à sua falta de actualidade e à necessidade
de adequação da mesma a novas realidades neste domínio. No artigo 3º desta lei
podemos encontrar oito princípios caracterizadores da tutela ambiental:
prevenção, equilíbrio, participação, unidade de gestão e acção, cooperação
internacional, procura do nível mais adequado de acção, recuperação e
responsabilização. Para Vasco Pereira da Silva, partindo também da análise do
texto constitucional, existem quatro princípios fundamentais que norteiam a
disciplina ambiental: 1) prevenção: este
princípio, entendido de forma ampla, é o princípio estruturante, âncora. Numa sociedade de risco é
preciso que o Direito antecipe, evite e minimize os efeitos nefastos para o
ambiente. Este princípio tem como objectivo evitar lesões ao meio ambiente
através da antecipação de fenómenos, humanos ou naturais, de possível perigo,
ou seja, é feito um juízo de prognose mas tendo sempre em mente os
acontecimentos do passado para assegurar a previsibilidade; 2) desenvolvimento sustentável: este
princípio tem como objectivo compatibilizar a actuação da economia com a
preservação do equilibro ecológico, ou seja, se a actividade económica for
excessivamente desvantajosa para o ambiente deve ser afastada. Neste sentido
cria-se um especial dever de fundamentação das decisões, devendo prevalecer a
questão ecológica. Assim este princípio atende a um desenvolvimento de acordo
com as necessidades do presente, mas sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras terem as suas próprias necessidades; 3) aproveitamento racional dos recursos: este princípio parte da
constatação de que os recursos naturais são escassos, logo devem ser bem
aproveitados, com vista a atingir a eficiência ambiental na tomada de decisões;
4) poluidor-pagador: este é o
princípio que impõe ao poluidor o dever de suportar as despesas de prevenção,
reparação e repressão da poluição, ou seja, estabelece que o causador da
poluição e da degradação dos recursos naturais deve ser o responsável principal
pelas consequências da sua acção ou omissão. Este começou por fazer parte da
política fiscal de promoção do ambiente com vista à internalização dos custos
ambientais por parte das empresas mas, hoje em dia, corresponde antes a uma
dimensão de subvenção, ou seja, o direito fiscal deu lugar, neste âmbito, ao
direito orçamental. O referido autor realça ainda que, como princípios
constitucionais, vinculam o Legislador à sua efectivação e protecção (havendo responsabilidade
deste por acção e por omissão), o Juiz, na tomada de decisões, e a
Administração Pública, funcionando como limites ao desenvolvimento das suas
funções.
Neste âmbito importa ainda salientar que, havendo uma violação deste
direito, em que seja atingido o núcleo essencial do mesmo, a consequência será
a nulidade (artigo 133º, nº 2, alínea e) do Código Procedimento Administrativo,
doravante CPA).
O direito de propriedade é reconhecido e protegido a nível do
direito internacional quer pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, no
seu artigo 17º, quer pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 1º
do Protocolo Adicional Nº 1). No que respeita à protecção conferida ao direito
de propriedade pela DUDH esta é recebida e aceite directamente pela CRP que, no
artigo 16º, nº2, dispõe que “os preceitos
constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos
do Homem”.
No que respeita ao direito interno, o direito de propriedade é regulado
na nossa Constituição, em primeiro plano, no artigo 62º. No nº1, que mantem a
redacção originária de 1976, prevê-se que “a
todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida
ou por morte, nos termos da Constituição”. Já no que se refere ao nº 2 este
foi objecto de duas alterações, sendo que a primeira decorreu com a revisão
constitucional de 1982 e a segunda, que lhe deu a redacção actual, foi operada
pela revisão de 1989. Actualmente o referido número consagra a obrigatoriedade
de pagamento de justa indemnização ao proprietário, em todos os casos de
requisição e de expropriação por motivos de utilidade pública, ou seja, quando
ocorrem situações de privação do direito de propriedade ou do uso de
determinada coisa, por um acto de autoridade pública.
Este direito já foi, nomeadamente nas constituições liberais, entendido
como o direito estruturante, dentro do elenco dos Direitos, Liberdades e Garantias,
e tido por muitos como um direito absoluto e inviolável. Actualmente não
podemos afirmar semelhante coisa pois direito de propriedade não goza do mesmo
estatuto constitucional de que disfrutou outrora e não se trata já de um
direito absoluto e ilimitado. Este direito é antes exercido em conformidade com a Constituição e com a
lei, pelo que se revela como um direito submetido ao desempenho de uma
função social. Importa por isso fazer uma breve referência à função social da
propriedade, sem prejuízo de um posterior desenvolvimento, pois a doutrina e
jurisprudência maioritárias defendem que este direito se constitui previamente
limitado por esta mesma função. Segundo Gomes Canotilho “o direito de propriedade individual é um direito de expressão
constitucional, um direito pois fundamental, um dos que a comunidade política
elegeu como indelegável da pessoa, como instrumento natural do seu
desenvolvimento económico, social e cultural”. Assim tem-se entendido que o
gozo das faculdades que estão inerentes ao direito de propriedade está
intrinsecamente condicionado pela prossecução dos objectivos sociais
consagrados na CRP, ficando assim o Legislador incumbido da tarefa de
harmonizar o interesse social com o interesse individual. Neste sentido, com
base nos princípios gerais da CRP, a lei pode estabelecer restrições ao direito
de uso e fruição dos bens por parte dos proprietários.
Do ponto de vista sistemático este direito insere-se no catálogo dos
Direitos Económicos, Sociais e Culturais, mas a doutrina maioritária tem
entendido que embora não esteja positivado como um Direito, Liberdade e Garantia
deve ser-lhe atribuído um estatuto jurídico-constitucional análogo ao daqueles,
gozando por isso de centralidade no ordenamento jurídico-constitucional
português. Esta classificação doutrinária não está isenta de consequências pois
submete o direito de propriedade ao regime específico de protecção que vigora
para a supracitada espécie de direitos fundamentais. A dúvida é saber se será
aplicado todo o regime destes direitos ou apenas parte da sua extensão.
Quanto aos direitos análogos constantes do Titulo I da Parte I, a
doutrina é unânime no sentido da aplicação de todo o regime dos Direitos,
Liberdades e Garantias. Porém o direito de propriedade não consta deste título
pelo que cabe atentar às diversas posições doutrinárias. Nomeadamente para
Jorge Miranda, Paulo Otero e José Casalta Nabais o artigo 17º não se reporta
senão ao regime material, ou seja, os direitos fundamentais de natureza análoga
apenas beneficiam do regime material dos Direitos, Liberdades e Garantias. As
razões são as seguintes, como ensina Jorge Miranda: 1) “Situado na parte de Direito Constitucional substantivo e a preceder
imediatamente princípios dessa índole, não se vê como o artigo 17º pudesse
cobrir também regras orgânicas e de revisão constitucional, pois estes têm uma lógica e função próprias”; 2) Se a
alínea b) do nº 1 do artigo 165º da CRP configurasse uma cláusula geral, então as
alíneas e), j), n), r) e s) do mesmo numero seriam redundantes; 3) “Menos aceitável ainda seria que Direitos Fundamentais
criados por lei, de natureza análoga à dos Direitos, Liberdades e Garantias,
tivessem de ser, no geral, regulados por lei da AR”.
Em sentido contrário pronunciou-se já o Tribunal Constitucional (Acórdão
nº 404/87, de 29 de Julho) sobre a aplicação do âmbito da reserva de
competência legislativa do Parlamento também aos direitos de natureza análoga,
fora do Titulo I da Parte I da CRP, estendendo-lhes, pois, o regime orgânico
(artigo 165º, nº1, alínea b) da CRP). Assim entende que o “direito de propriedade privada é, no seu núcleo garantístico essencial,
um direito fundamental análogo aos Direitos, Liberdades e Garantias, e, como
tal, está sujeito ao regime jurídico-constitucional destes, incluindo a reserva
parlamentar”, por força do artigo 17º da CRP. Este regime jurídico
(incluindo a reserva parlamentar) estende-se “se não porventura em todos os aspectos do seu estatuto e
regulamentação, ao menos naqueles (…)
que são verdadeiramente significativos e determinantes da sua caracterização
como garantia constitucional”. Esta posição é também adoptada, a nível
doutrinário, por Vieira de Andrade, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Jorge
Bacelar Gouveia, Jorge Reis Novais e Maria Lúcia Amaral. Salienta ainda Sérvulo
Correia que “proceder de modo contrário
introduziria uma intolerável discriminação entre direitos fundamentais que, em
princípio, deveriam gozar do mesmo estatuto, não se encontrando na sua
diferente localização no articulado constitucional argumento bastante”.
Importa contudo referir que,
apesar da supracitada divergência doutrinária, deve entender-se que o direito
de propriedade, como direito análogo aos Direitos, Liberdades e Garantias, passa
a gozar de aplicabilidade directa e a vincular directamente as entidades
públicas e privadas. Para além disto esta equiparação
doutrinária atribui ao direito de propriedade um regime reforçado de protecção
para casos de restrições, pois os mesmos só podem ser restringidos nos casos
expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos. Finalmente importa ainda indicar que as leis restritivas de
Direitos, Liberdades e Garantias têm ainda de revestir carácter geral e
abstracto, não podendo ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o
alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que acolhem esta
natureza de direitos.
O artigo 62º da CRP recorta, no direito de propriedade, uma pretensão
jurídica individual (direito subjectivo)
a favor de determinados titulares, assegurando o correspondente dever jurídico
de abstenção por parte dos destinatários passivos, o que, desde logo,
consubstancia a ideia de aplicabilidade directa deste direito, de determinabilidade
constitucional, e não meramente legal, e de execução por si mesmo. Outro
indício da admissibilidade deste direito como análogo aos Direitos, Liberdades
e Garantias é o facto de poder ser defendido judicialmente de modo autónomo,
pois o titular de um bem tem o direito de accionar judicialmente o destinatário
passivo que não respeitou o dever de não-agressão, e a presença de qualquer
direito subjectivo impõe, desde sempre, um determinado grau de protecção
judicial. Este é assim um direito cuja função primária é a defesa de um certo
bem, auto-impondo-se também como direito negativo no sentido em que atribui um
dever de abstenção aos destinatários passivos.
O Código Civil dedica também alguns preceitos a este direito. Nos artigos
1302º a 1438º define o seu objecto e conteúdo estabelecendo as formas de
aquisição e fixando regras específicas no que toca à propriedade de imóveis, à
propriedade das águas e ao regime de compropriedade. De salientar o artigo
1305º onde se estabelece que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos
direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos
limites da lei e com as restrições por esta admitidas.
As restrições ao direito de propriedade
As restrições ao direito de propriedade
Uma abordagem às restrições ao direito de propriedade exige uma distinção
prévia entre estas situações e os casos de condicionamento do direito e de
colisão entre direitos fundamentais. Uma restrição é uma amputação ou
compressão do conteúdo essencial de um direito, ou seja, das faculdades
destinadas à obtenção ou fruição de um bem jurídico enquanto que o
condicionamento de um direito é apenas uma exigência adicional de certos
requisitos a preencher para que seja possível o exercício de certo direito.
Neste sentido, Vieira de Andrade considera que existem normas condicionadoras do seu exercício (direito de
propriedade), que estabelecem imposições
mas não afectam o seu conteúdo. Já não se trata aqui de descortinar os limites
internos do direito fundamental em questão mas sim de avaliara validade das limitações
externas, impostas a posteriori pelo legislador ordinário, normalmente para a
protecção de outros valores e interesses.
Quanto à colisão de direitos, esta não se confunde com as restrições,
pois traduzem-se em conflitos que surgem quando dois direitos têm de ser
exercidos ao mesmo tempo, mas que se resolvem de acordo com a concordância
prática, ou seja, os custos do conflito devem ser distribuídos evitando assim
que um direito tenha de ceder totalmente face ao outro. Assim esta forma de
resolução impõe
a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito para que, tendo igual
valor constitucional, não tenha de se
optar pelo sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o
estabelecimento de limites e condicionalismos recíprocos de forma a conseguir
uma harmonização ou concordância prática entre estes bens. De salientar ainda
que este método de resolução de situações de colisão de direitos só será
utilizada na falta de lei harmonizadora, ou seja, na falta de uma norma que
prossegue uma tarefa de conciliação (a
posteriori) de vários direitos ou bens constitucionalmente protegidos e que
soluciona em abstracto este conflito existente. Em comparação a restrição
implica exactamente o contrário pois, havendo dois direitos em conflitos, vai
restringir-se um na totalidade para possibilitar o pleno exercício do outro.
Para este estudo vou centrar-me apenas nesta concepção de restrições à
propriedade pois, sendo a forma mais intensa de limitação da mesma, será a que
traz mais dificuldades.
Antes de mais cumpre referir que é entendimento pacífico na doutrina
constitucional que, apesar da relevância que têm nas ordens jurídicas democráticas,
os direitos fundamentais não são absolutos pois a necessidade de protecção de
outros bens jurídicos diversos, também revestidos de envergadura
constitucional, pode justificar uma restrição.
As restrições a direitos podem ainda ser gerais, no sentido em que se
aplicam a todos, ou especiais, aplicando apenas a uma classe específica de
destinatários. Para além desta classificação, e tendo em conta especificamente
o direito de propriedade, podem ainda ser de interesse público ou de interesse
privado, pretendendo-se no primeiro caso harmonizar o direito de propriedade
com o interesse geral da comunidade, e no segundo caso possibilitar o exercício
simultâneo ou conjunto de diversos direitos de propriedade. As restrições de
direito público são impostas pela função social da propriedade (por exemplo a
expropriação por utilidade pública, a requisição e as servidões
administrativas) enquanto que as de direito privado são impostas por razões de
ordem particular (por exemplo as diversas servidões previstas no Código Civil
nas relações de vizinhança).
As restrições expressamente previstas no nº 2 do artigo 62º da CRP são a
requisição e a expropriação por utilidade pública. Cabe assim uma explicação
muito sucinta de cada uma destas realidades. A requisição corresponde
a um direito de utilização de bens de
particulares em benefício do poder público, concretizando-se assim numa limitação ao direito de
propriedade pois implica a perda temporária da posse. Já a expropriação por
utilidade pública é, segundo
Menezes Cordeiro, o evento pelo qual se
extinguem direitos reais sobre bens imóveis, constituindo-se concomitantemente
novos direitos na titularidade de pessoas que se entende prosseguirem o
interesse público, mediante o pagamento de justa indemnização. Já Marcello
Caetano, define a expropriação por utilidade pública como uma relação jurídica
pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens
num fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos
constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o
património da pessoa cujo cargo esteja orientado para a prossecução desse fim,
cabendo a este pagar ao titular dos direitos extintos a justa indemnização.
A admissibilidade destas duas restrições não é questionada pelo Tribunal
Constitucional, devido à sua previsão constitucional expressa, mas tem-se
discutido a amplitude do conceito de expropriação e também os critérios de
fixação da indemnização compensatória. Há uma corrente doutrinária, encabeçada
nomeadamente por Gonçalo Capitão, que tende a alargar o conceito de
expropriação a diversas formas de limitação do direito de propriedade, que
conferem direito a indeminização ao proprietário.
Muito discutida é a admissibilidade de outras limitações. É certo que são
admitidas restrições implícitas mas estas têm de ter como base o texto
constitucional e neste caso nada se diz sobre a possibilidade de o direito em
questão ser afectado por outras limitações que não sejam as supracitadas.
Todavia tal possibilidade é aceite, de forma pacífica pela doutrina. Jorge
Miranda frisa, a este propósito, que da circunstância
do artigo 62º da CRP não estabelecer outras restrições à propriedade privada
não pode extrair-se que elas sejam vedadas pois qualquer Constituição positiva, ainda que imbuída de respeito pela
propriedade, tem de admitir que a lei declare outras restrições – até por não
poder prevê-las ou inseri-las todas no texto constitucional. Também em alguma
jurisprudência se encontra patente, embora de forma implícita, este
entendimento pois refere-se que a Constituição se limita a fixar as condições e
as consequências daquelas restrições. Tal orientação possui ainda suporte legal
no artigo 1305º do Código Civil que, ao estabelecer o princípio de que o
proprietário goza de modo pleno e exclusivo das coisas que lhe pertencem,
dentro dos limites da lei e com observância das restrições nela impostas, abre caminho a legislação que condicione
o exercício do seu direito de propriedade, sendo que nada mais lhe resta senão
acatar estas restrições consignadas no ordenamento jurídico.
É no âmbito destas restrições não expressamente previstas na CRP que
surgem muitas das restrições ao direito de propriedade com fundamente em
questões ambientais. Neste domínio são frequentes as decisões que admitem o
condicionamento do direito de propriedade em função dos interesses de protecção
ambiental e do ordenamento território. Na decorrência desta ideia cabe então a
análise da função ecológica do referido direito.
Função Ecológica do Direito de
Propriedade
A crescente preocupação com as questões ambientais traduziu-se, no que
respeita ao direito de propriedade, num entendimento em que este desempenha,
para além da função social (reconhecida à muito), explicitada em momento
anterior, também uma função ecológica. Acerca da crescente importância
da questão ambiental Gomes Canotilho considera que se tem caminhado no sentido
do reforço da vinculação social da
propriedade por motivos ecológicos, que se desenha com nitidez a partir dos finais dos anos sessenta e que os interesses difusos dos particulares quanto à
fruição do bem ambiente são o exemplo mais característico de interesse com
carácter geral (não público nem particular) e de fruição colectiva protegida
pela Constituição. Apesar deste entendimento doutrinário, a nível jurídico,
nada se diz quanto a esta função ecológica do direito de propriedade, o que não
é de estranhar se atendermos ao facto de o Código Civil ter sido aprovado em
1966 e nessa altura, como é óbvio, não se colocavam com a actual acuidade os
problemas e as preocupações da protecção do ambiente. É certo que os preceitos
legais não podem ser interpretados de forma isolada, pelo que a doutrina tem
entendido que, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e as condições
específicas do tempo em que são aplicados, esta função ecológica da propriedade
não pode ser, de forma alguma, negada. Isto porque, como salienta Gomes
Canotilho, o sistema português tem vindo
a sofrer, desde 1966 até ao presente, uma nova evolução no sentido da
valorização da função social do direito de propriedade em detrimento dos
princípios individualistas extremos que, na tradição romanista, faziam daquele
direito um poder quase absoluto e ilimitado de usar e abusar das coisas que a
cada um pertencessem enquanto proprietários. Ademais são cada vez mais as
situações em que esta crescente preocupação ambiental faz como que estes
direitos fundamentais entram intrinsecamente em conflito, o que exige uma
ponderação de interesses, levada a cabo no caso concreto.
A unidade do sistema jurídico implica, hoje, que se reconheça uma
vertente ambientalista no direito de propriedade. Assim entende-se que os
proprietários continuam a poder utilizar, fruiu e dispor livremente dos seus
bens mas estão obrigados, como os demais, a defender o ambiente e a proteger a
natureza, não devendo esquecer que, de acordo com os princípios gerais, o seu
direito de propriedade termina onde começa o direito dos outros cidadãos a um
ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, já que ambos estão
consagrados na CRP como direitos fundamentais. Para Marcelo Rebelo de Sousa as exigências do urbanismo e do ordenamento
do território, bem como a defesa e fruição do ambiente e do património
cultural, tem feito surgir compressões de diversos tipos a algumas faculdades e
componentes do direito de propriedade, compressões essas cuja
constitucionalidade deve ser apurada com rigor.
Importa ainda analisar se esta função ecológica da propriedade e
consequente estreitamento de poderes é realizada pela própria Constituição ou
se, pelo contrário, a Lei Fundamental admite todas as formas de exercício dos
direitos fundamentais em causa, reservando para a lei a tarefa de promover,
sendo caso disso, e dentro de determinados condicionalismos, a sua restrição,
ou seja, importa saber se esta função ecológica do direito de propriedade é uma
peça estrutural deste direito ou se, pelo contrário, se trata antes de um elemento
externo de natureza finalista, manifestado pela lei, para o qual o direito em
apreço tende. Esta distinção pode parecer meramente teórica mas a verdade é que
o seguimento de um ou outra posição trará consequências práticas muito
distintas. Seguindo o primeiro entendimento a principal consequência é o
entendimento de que as leis que determinam vínculos ambientais ou ecológicos
assumem sempre um sentido meramente
conformador, aclarador dos limites constitucionalmente construídos em
consideração da tutela da natureza, do equilíbrio ecológico e do património
cultural, excepto quando as agressões ao direito fundamental sejam arbitrárias
ou infundadas. Para além do supracitado implica ainda que o regime especial
constitucionalmente inerente às restrições de Direitos, Liberdades e Garantias
seja apenas reservado para os casos de manifesta violação do conteúdo essencial
do direito de propriedade, sendo que os restantes casos de intervenção
legislativa escapam, consequentemente, por não serem configurados como
intervenções restritivas, mas antes conformadoras ou concretizadoras do direito
positivado no artigo 62º da CRP, ao apertado regime especial configurado no
artigo 18º, nºs 2 e 3 da CRP. Quanto à segunda posição a consequência a realçar
é que assim toda e qualquer intervenção legislativa impositora de vínculos,
designadamente de natureza ambiental, seja susceptível de vir a ser encarada
com um sentido claramente restritivo de um direito análogo aos Direitos,
Liberdades e Garantias. Certo é que a doutrina e a jurisprudência maioritária
têm vindo a considerar, desde há uma década,
que a função ecológica da propriedade é um elemento estrutural do
conteúdo constitucional deste direito, ou seja, admite-se que este direito está
previamente limitado na sua origem pelo facto da função social-ecológica que é
chamado a desempenhar no actual quadro de Estado de Direito Social, e que
pertence ao seu conteúdo constitucional pré-configurado.
A nível sistemático é interessante notar que o direito de propriedade
aparece inserido no título da Constituição onde igualmente se encontra
consagrado o direito ao ambiente, embora obviamente em capítulos diferentes, já
que, como supracitei, o primeiro é enquadrado no grupo dos Direitos Económicos
e o segundo no grupo dos Direitos Sociais.
Consequentemente, o direito do ambiente apresenta uma dignidade
constitucional superior ao direito de propriedade privada, que é sempre pré-configurado
como direito limitado, pelo que se tem entendido que em caso de colisão de
direitos fundamentais deve prevalecer o direito de interesse público. Em
conclusão, o entendimento é que as normas em matéria de conservação da natureza
e dos recursos naturais não podem ser violadas pelo normal exercício dos
direitos de uso e fruição inerentes ao direito de propriedade.
Restrições ao Direito de Propriedade
para Criação de Áreas Protegidas
Uma área protegida pode ser definida, entre
nós, como uma zona territorialmente delimitada, em que qualquer intervenção
humana está condicionada, com vista a conceder-lhe um estatuto legal de
protecção adequado à manutenção da biodiversidade, dos ecossistemas e do
património geológico, bem como à valorização da paisagem.
Estas áreas podem ser de âmbito nacional,
regional-local ou privado. As áreas protegidas de âmbito nacional são
áreas criadas e geridas por uma autoridade nacional, podendo, no entanto, ser
propostas por quaisquer entidades públicas ou privadas, nomeadamente Autarquias
Locais e Organizações Não-Governamentais de Ambiente. Estas áreas podem
tomar a designação de Parque Nacional, Parque Natural, Reserva Natural,
Paisagem Protegida ou Monumento Natural, consoante as especificidades
ambientais de cada área. As áreas protegidas de âmbito regional-local
são áreas criadas e geridas por Associações de Municípios ou pelos próprios Municípios,
e podem tomar as designações supracitadas, todas acrescentadas de “regional” ou
“local”, consoante os casos. Quanto às de âmbito privado são áreas
propostas e geridas pelos proprietários, através dos procedimentos previstos na
Portaria n.º 1181/2009, de 7 de
Outubro, sendo a designação de Área
Protegida Privada sempre atribuída pela autoridade nacional.
Importa então distinguir as várias
tipologias admissíveis de áreas protegidas:
1)
Parque Nacional: área que
contenha maioritariamente amostras representativas de regiões naturais
características, de paisagens naturais e humanizadas, de elementos de
biodiversidade e de sítios de interesse geológico, com valor científico ou ecológico.
Assim visa-se a protecção dos valores naturais existentes, conservando a
integridade dos ecossistemas, tanto ao nível dos elementos constituintes como
dos inerentes processos ecológicos, e a adopção de medidas compatíveis com os
objectivos da sua classificação;
2)
Parque Natural: área que
contenha predominantemente ecossistemas naturais ou seminaturais, onde a
preservação da biodiversidade a longo prazo possa depender de actividade
humana, assegurando um fluxo sustentável de produtos naturais e de serviços.
Neste sentido querem proteger-se os valores naturais existentes, contribuindo
para o desenvolvimento regional e nacional, através da adopção de medidas de
sustentabilidade;
3)
Reserva Natural:
área
que contenha características ecológicas, geológicas e fisiográficas, ou outro
tipo de atributos com valor científico, ecológico ou educativo, e que não se
encontre habitada de forma permanente ou significativa. Mais uma vez esta
classificação visa a protecção dos valores naturais existentes, assegurando que
as gerações futuras terão oportunidade de desfrutar e compreender o valor das
zonas que permaneceram pouco alteradas pela actividade humana durante um
prolongado período de tempo, e a adopção de medidas compatíveis com os objectivos
da sua classificação;
4) Paisagem Protegida: área que
contenha paisagens resultantes da interacção harmoniosa do ser humano e da
natureza, e que evidenciem grande valor estético, ecológico ou cultural. O
principal objectivo inovador é o realce da identidade local;
5) Monumento Natural: ocorrência
natural contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou
representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais,
exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade. Esta classificação
visa essencialmente a preservação destes valores naturais, com as suas
características originais e em consonância com as zonas imediatamente
circundantes;
6)
Área Protegida
Privada: estas
podem ser terrenos privados não incluídos em áreas protegidas onde se regista a
existência de valores naturais que apresentem, pela sua raridade, valor
científico, ecológico, social ou cénico, uma relevância especial que exija
medidas específicas de conservação e gestão. Assim o respectivo proprietário,
mediante um processo especial de candidatura, efectua um pedido, nos termos
supracitados, para que a autoridade reconheça na sua propriedade tal
classificação.
Entre
nós são áreas protegidas são actualmente 44 de onde se destacam, nomeadamente, a Arrábida, as Berlengas, a Serra da Malcata, o Estuário do
Tejo, a Serra do Açor, a Serra de Montejunto, entre muito outras áreas
relevantes (ver mapa abaixo).
A
criação destas áreas protegidas foi inicialmente regulada pelo Decreto-Lei nº
613/76, de 27 de Julho. Actualmente é regulada pelo Decreto-Lei nº 142/2008, de
24 de Julho, principalmente no seu artigo 10º e seguintes. Neste diploma
podemos encontrar essencialmente a condições para a criação de áreas protegidas
e a consagração das tipologias supracitadas, com a correspondente explicitação
em termos de regime jurídico.
A
criação destas áreas, por mais meritória que seja (que o é, sem margem para
dúvidas), implica, na prática, uma fortíssima restrição ao direito dos
proprietários dos terremos ou edifícios situados dentro destas zonas. É
indiscutível que a amplitude e o alcance das restrições diverge de caso para
caso, em função dos objectivos próprios de cada área, mas em todos estes é
inegável que o proprietário acaba por ver parte do seu direito, previamente estabelecido,
ser amputado por um acto de autoridade. Nesta decorrência Gomes Canotilho
distingue entre as actividades absolutamente proibidas após a classificação
como área protegida e aquelas que podem ser exercidas mediante autorização dos
órgãos de gestão das áreas classificadas. De uma forma geral, acaba porém por
concluir que, há sempre actividades humanas que são completamente interditas,
nomeadamente aquelas que possam hipoteticamente prejudicar significativamente o equilíbrio natural da zona, como por exemplo,
construções de complexos habitacionais, turísticos ou industriais. Parece
assim de admitir que, para este autor, as restantes actividades, desde que não
prejudiquem a zona nas condições supra-referidas, são admissíveis desde que
obtenham uma autorização especial para o efeito.
Na
minha opinião estas restrições, tal como todas as outras, devem ter na sua base
uma particularmente intensa ponderação
dos interesses em causa, isto é, só devem ser consideradas admissíveis se
fundamentadas em diversos critérios formais e matérias.
Antes
de mais parece-me que podemos afirmar que estas restrições têm como fundamento
o interesse público no sentido em que um interesse geral da comunidade se
sobrepõe a um direito individual, neste caso o direito de propriedade. Porém
parece certo que esta prevalência depende de uma ponderação prévia dos
interesses em causa e só deve operar se não for possível atingir o fim público
com outra solução menos danosa para o proprietário (na expressão de Fausto de
Quadros tem de ser o acto necessário para
a obtenção daquele fim e tem de ser reconhecido pela lei ou por prévio acto
administrativo (…) não pode ser um
acto que hipoteticamente o seja (necessário), sob pena de arbítrio). Estamos aqui perante um juízo de proporcionalidade
(artigo 266º, nº 2 da CRP e artigo 5º, nº 2 do CPA), ou seja, a restrição deve
ser adequada (os meios utilizados devem ser os mais adequados aos fins e/ou
objectivos), necessária (deve ser a acção menos gravosa para os interesses dos
particulares e a menos lesiva dos seus direitos e interesses legítimos) e equilibrada
(equilíbrio estabelecido entre a acção e o resultado obtido). Estas estão também
submetidas ao princípio da legalidade (para Gomes Canotilho este principio
funciona como limite e fundamento),
ou seja, têm de ser realizadas com a correcta observância dos meios e formas
procedimentais previstas para o efeito. Parece também certo que estas
restrições não podem ser utilizadas como forma de privilegiar, beneficiar ou
prejudicar qualquer dos sujeitos activos ou passivos, mas sim devem ser
realizadas da maneira que melhor atender ao interesse público, logo ficam
igualmente sujeitas ao princípio da igualdade (que, como veremos a seguir, toma
especial importância na questão da justa indemnização e dos critérios da sua
realização) – artigo 13º da CRP.
A
propósito destas restrições ao direito de propriedade cabe ainda fazer
referência à possibilidade de compensação
dos proprietários. A este nível importa distinguir entre limitações
internas (estas têm caracter geral e abstracto e são impostas por regras de
vizinhança ou por deveres colectivos) e limitações externas (são intervenções
do Estado na propriedade privada, que geram restrições a algumas faculdades do
direito em causa). A doutrina tem, na generalidade, entendido que estas
restrições por questões ambientais são limitações internas, que decorrem da
função social socio-ecológica da propriedade.
Um
entendimento generalizado destas situações levar-nos-ia a dizer que qualquer
proprietário que visse o seu direito de propriedade ser afectado, neste caso
por questões ambientais, teria todo o direito a uma justa compensação. Porém a
doutrina diverge quanto a esta questão, quer nas situações abrangidas quer no
fundamento da obrigação.
A
doutrina maioritária entende que, em caso de restrições ao direito de
propriedade, deve haver responsabilidade do Estado por actos lícitos, seja qual
forma a forma pela qual esta é realizada. Neste sentido Gomes Canotilho refere
que está em causa o princípio da igualdade perante os encargos públicos logo tem
de operar a responsabilidade objectiva do Estado. Assim o Estado intervém de modo legítimo ou lícito nesse mesmo direito (direito
de propriedade), pois de uma forma geral
a Constituição autoriza que determinados direitos sejam coactivamente afectados
ou até mesmo transferidos, desde que tal medida se revele necessária, adequada
e proporcional à realização do interesse público superior (…) mas pode provocar danos ou lesões na esfera
jurídico-patrimonial do individuo pelo que não deve deixar de ser
responsabilizado por actos lícitos, seja qual for a forma de afectação
utilizada. No mesmo sentido mas como um fundamento distinto, Rui Medeiros,
considera que o dever de indemnizar as
lesões que determinada lei provoca na propriedade, encontra o seu fundamento na
garantia constitucional da propriedade privada, prevista no artigo 62º da CRP,
pelo que assim sendo, a responsabilidade do Estado legislador pressupõe o
sacrifício licito desse direito.
Outros
autores consideram que as restrições impostas ao proprietário com a finalidade
de preservar o meio ambiente, nos moldes em que estão estabelecidas na lei, nem
sempre são indemnizáveis. Numa posição que, como o devido respeito, me parece
um pouco extremista, Rogério Soares nega a ressarcibilidade dos vínculos
impostos pelo Estado na propriedade privada, qualquer que seja a sua natureza,
pelo facto de considerar o direito de propriedade privada como um direito ao
qual não é inerente o “ius aedificandi”,
faculdade essa concedida pelo Estado quando autoriza o cidadão a intervencionar
determinado terreno. Por outro lado Alves Correia entende que só há
ressarcibilidade dos vínculos quando a actuação do Estado se consubstancia em
medidas expropriativas, não admitindo tal compensação nos casos em que apenas é
restringido o uso dos solos. Pode dizer-se que este último entendimento tem
sido seguido por parte substancial da doutrina
opositora. Assim podemos concluir no sentido em que, para esta doutrina
minoritária, o proprietário afectado no seu direito só terá direito a uma
compensação por parte do Estado se houver um total esvaziamento do conteúdo
essencial mínimo da propriedade, ou seja, se a restrição puser em causa a
exclusividade típica deste direito, o direito de alienação ou se inviabilizar,
integralmente, o uso e fruição do bem (o caso da expropriação).
Na
minha opinião, e como o devido respeito por todas as supracitadas opiniões, o
melhor entendimento quanto a esta questão é o de admitir que o proprietário
deve, em princípio, ser compensado pela restrição operada ao seu direito, seja
qual for a forma pela qual esta é operada. Embora seja a indicação
constitucional, parece-me excessivo só admitir a justa indeminização do proprietário nos casos de expropriação (se
entendida em sentido restrito), pois, na maioria das formas de restrição utilizadas,
este vê certas faculdades (sejam muitas ou poucas) do seu direito serem
amputadas e nada pode fazer quanto a isso. Assim, na minha opinião, faz algum
sentido a posição daquela doutrina que opta pela indemnização do proprietário
seja qual for a forma de restrição utilizada, ou seja, não podendo este reagir
quanto às agressões estaduais ao seu património pessoal (a não ser que estas se
consubstanciem no desrespeito de alguns dos requisitos ou vectores que
supramencionei), deve pelo menos ser justamente compensado por tais actos.
No
caso específico da criação de áreas protegidas existem porém algumas
especificidades. Fala-se correntemente em “vinculação
situacional” da propriedade no sentido em que havendo uma coisa,
designadamente, um imóvel, objecto de propriedade privada que se situa dentro
de uma área com características especiais – ambientais, geológicas, etc. – esta
circunstância, por si só, determina a restrição ou o condicionamento das
faculdades inerentes a tal direito, em atenção à especial necessidade de
protecção e valorização do património dessa respectiva área. Nestas situações,
pode afirmar-se que a situação factual dos terrenos condiciona o seu uso e
utilização, ou seja, obriga o proprietário a não utilizar ou a renunciar a
determinadas utilizações que seriam, em princípio, admissíveis, por força das
especiais exigências de preservação ambiental. A título de exemplo pode
destacar-se, quanto à admissibilidade desta vinculação situacional, o Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 329/99 e o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 29 de Novembro de 2012, no processo nº 11214/05.7TBMTS.P1.S1.
Ainda
na decorrência desta ideia identificam-se casos em que o proprietário não tem direito
a uma indemnização. Considera-se que, num situação em que, no plano factual, o
proprietário não pode efectivamente exercer o seu direito de propriedade em
plenitude, por força de circunstâncias naturais, não há uma verdadeira amputação
dessa faculdade do seu direito e, consequentemente, não haverá lugar a
indemnização. Por exemplo num caso em que o proprietário não tem, na realidade,
o direito de edificar, em decorrência de
circunstâncias naturais impeditivas, o facto de uma actuação estadual,
devidamente fundamentada, lhe retirar essa titularidade não lhe dá direito a indemnização.
Quanto ao exemplo suscitado importa ainda salientar que a inclusão do ius aedificandi no direito de
propriedade não é unânime. Contra esta inclusão argumenta-se, entre outras
coisas, que este direito nasce dos actos da Administração Pública, que surge
para adequar o direito à realidade para a planificação integral do território
nacional e que, à luz do conteúdo do direito de propriedade plasmado na CRP e
do princípio da unidade do sistema jurídico, outra não podia ser a solução. A
favor da sua inclusão como uma das faculdades do direito de propriedade
manifestam-se essencialmente os autores jus-civilistas que, com base nos
artigos 1305º, 1344º, 1524º, 1525º e 1534º do CC, argumentam que o direito a
construir continua, em abstracto, a compor o direito de propriedade
(perspectiva jurídico-privada). Porém esta exposição serve apenas como complemento
pois nada altera ao exemplo dado.
No fundo a solução que determina, para estas situações, a não
exigência de uma indemnização acaba por se basear nas condições factuais do
exercício do direito, o que faz algum sentido pois, caso contrário, este proprietário
estaria a ser beneficiado por esta indemnização sem que, na verdade, estivesse
a sofrer danos oriundos da actuação do Estado. Isto porque a restrição ao seu
direito advém da natureza intrínseca das
coisas.
Antes
de concluir cabe-me ainda fazer um esclarecimento quanto ao objecto deste
estudo. Analisei as restrições ao referido direito sempre numa vertente
privada, por ser a que mais discussões introduz, mas é certo que existem casos
em que é a propriedade pública a ceder face às preocupações ambientais. A
propriedade pública caracteriza-se, segundo Marcello Caetano, por: 1) o titular
do direito é uma pessoa colectiva de direito público; 2) o direito de
propriedade é exercido para a produção do máximo de utilidade pública das
coisas; 3) o uso das coisas públicas traduz-se na utilização por todos ou em
benefício de todos; 4) o titular do direito exerce os seus poderes em relação a
terceiros por meio de acto administrativos, usando a sua própria autoridade e
independência. Tendo em mente esta definição parece certo que, nestas
situações, as restrições ao direito de propriedade não são tão problemáticas
pois as preocupações ambientais estão intimamente relacionadas com os poderes
de autoridade que o Estado possui (e que mais nenhum proprietário possui) e com
a sua capacidade de actuação, logo está apenas em causa a ponderação de
interesses da colectividade, que por este devem ser prosseguidos.
Em
conclusão importa referir que se tem generalizado o entendimento de que,
cumprindo as decisões requisitos, nomeadamente, de proporcionalidade,
legalidade e igualdade, o direito ao ambiente prima sobre o direito de propriedade.
Não só a doutrina como também a jurisprudência (por exemplo, Acórdãos do
Tribunal Constitucional nº 44/99, nº 194/99 e nº 639/99 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
06/09/2011 no processo nº 111/09.7TBMRA.E1.S1)
têm vindo a admitir a referida prevalência.
Não
podemos mais falar no direito de propriedade como um direito absoluto, à boa maneira do liberalismo, pois
existem agora no nosso ordenamento jurídicas inúmeras disposições limitativas
deste direito. No que se refere às questões ambientais é hoje imperativo que a
procura por um ambiente sadio e ecologicamente sustentável e equilibrado, assim
como o respeito valores naturais existentes, é essencial para o bem-estar da
comunidade, nem que para isso tenham de ser sacrificados interesses
individuais.
Penso
ainda que é importante referir que o direito de propriedade, para além das funções
analisadas anteriormente, está também de certa forma vinculado ao princípio da solidariedade intergeracional,
na medida em que existe a necessidade de assegurar um desenvolvimento
sustentável que passa por uma política de responsabilidade ética que a todos
nos vincula. As gerações futuras não são titulares de direitos na medida em que
são ainda inexistentes mas, no entanto, esta ideia passa por uma forma de auto-responsabilização,
ou seja, um dever actual de todos de respeito pelas gerações vindouras.
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– Relatório de estágio de mestrado em Ciências Jurídico-políticas. Lisboa:
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- WACHOWICZ, Marcos e MATIAS, João Luís Nogueira, Propriedade e meio ambiente: da inconciliação à convergência.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001.
Webgrafia:
Filipa Santos,
nº 19603
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